15 de agosto de 2013
Eu estava alojada junto ao Canon do Moraca, aquele rio fantástico de águas turquesa que fura por entre penhascos! Mas a noite foi de tempestade, eu pude ouvir o vento que soprava muito forte e a chuva a bater-me na janela… uma pena, porque eu fora até Podgorica para visitar a zona e o rio, e o tempo parecia não estar para ajudar, nem sequer me apetecia sair da cama para ir para aquela luta! Bolas…
Mas saí! Esperava-me um pequeno-almoço muito variado e interessante “bem, se não passear, pelo menos como!”
O temporal estava precisamente a montante do rio, onde eu queria ir! Fiquei ali a olhar para o céu e a ver para que lado soprava o vento, pois levaria o temporal consigo, já que era bem forte. E sim, levava as nuvens negras para o lado onde já estava negro e que, por acaso, era para onde eu queria ir!
No problem, mudança de planos, peguei na motita, tirei-lhe a top-case e segui para o lado inverso!
Uma pena o céu estar cinzento, Podgorica ficou com um ar mais triste por causa disso!
Podgorica, a capital do Montenegro, já se chamou Titogrado em honra do marechal Josip Broz Tito, o tal que manteve a Jugoslávia unida, contra tudo e contra todos, governando “Seis repúblicas, cinco etnias, quatro línguas, três religiões, dois alfabetos e um Partido”.
A cidade é literalmente fendida pelo rio. Curioso o estado natural em que ele se conserva, com as bermas em escarpas terrosas e pedregosas!
E lá fui seguindo para a costa, onde o tempo não estava nenhuma beleza, mas pelo menos não chovia!
Se aquele céu estivesse azul, a paisagem seria um deslumbramento, com Budva cheia de gente e movimento lá em baixo!
Estava bastante calor, o tempo encoberto apenas acrescentou humidade ao ar!
A Budvanska rivijera é muito procurada pelas praias, restaurante, hotéis e vidinha noturna! Eu pela vida noturna não me esforço muito mas pela praia, estava mesmo a apetecer!
Por isso fui ver se arranjava um pedaço de areia para me pôr! Para minha surpresa fui muito bem recebida por quem estava, e uma senhora velhota indicou-me a sua “espreguiçadeira” para eu me estender! Depois entendi que ela tinha duas reservadas como suas e como o marido andava a passear junto à água, ela ofereceu-me o seu lugar para eu me estender! Tão simpática!
Mesmo atrás fica uma fileira de restaurantes, cafés e tendas de todas as tretas!
Passei ali boa parte do meu dia, em conversa complicada com as pessoas que falavam pouco inglês, mas que se faziam entender! Um senhor aproximou-se cheio de curiosidade e ao saber que eu era portuguesa exclamou “Big Figo and Eusébio! Ronaldo is for girls!”
Depois de um tempo simpático e um almoço mais universal que regional voltei para a minha motita. Estava acompanhada. As pessoas ficaram atrapalhadas quando perceberam que ela era minha! Fiz-lhes sinal de que não havia problema e lá tiraram as fotos que quiseram com a criancinha e a moto, agradecendo-me muito!
Logo ali à frente, apenas a 6 ou 7 km de Budva, fica Sveti Stefan, uma ilhota ligada a terra por um istmo, que é um resort que vale a pena ver, mesmo de longe! Fui até lá!
Na sua origem foi uma fortificação do séc. XV, construída para defender a linha costeira, posteriormente uma aldeia que foi completamente adquirida pelo major Tito, que a transformou num resort de luxo.
Tentei aproximar-me. Lá em baixo à um “torniquete” com um guardião que o abre a quem quer!
Tentei entrar, estava uma motinha pequena estacionada num parque sem nada mais do que ela. O homem não me deixou ficar, disse-me que não havia lugar!!
Fiquei a olhar para ele, com ar de quem não vai reclamar mas o acha anormal de todo!
Voltei para cima, pela ruela onde é proibido estacionar! Raios, eu não iria deixar a moto a quilómetros para caminhar até ali! Parei junto a um jovem policia que vira a meio da subida. Ele estava do outro lado da rua a mandar os carros voltarem para cima, chamei-o sem desmontar da minha moto.
Perguntei-lhe onde podia parar a moto por uns minutos enquanto ia até à ilha, “no parque lá em baixo!” – respondeu ele como se fosse óbvio. “o homem diz que não há lugar para a minha moto lá!”- expliquei eu. Ele fez um gesto com o dedo como se aparafusasse a cabeça, do tipo, o homem é mas é tolo e mandou-me pô-la junto da dele e, enquanto eu a encostava bem à berma da estrada ele aproximou-se com outro rapaz. Perguntou-me de onde eu vinha.
Quando me fazem esta pergunta numa viagem nunca sei muito bem o que querem saber!
De onde venho quando? Agora, venho de Budva; hoje venho de Podogrica; neste ponto da viagem venho da Croácia; de origem, venho de Portugal! Complicado de responder, não é?
Ficou impressionado por eu vir de tão longe e, ao perceber que eu não tinha vindo de ferry ficou mudo de espanto! Mostrei-lhe o mapa total da viagem, percebeu então que ainda tinha muita estrada para fazer!
Adorou a minha moto, propôs trocar a minha pela sua, que eu era muito pequena e magrinha para ela e ele era muito maior e mais forte do que eu!
Lá o deixei mais o amigo a apreciar a minha Ninfa e fui passear pela zona.
Acho sempre piada quando encontro palavras que parecem nossas!
As praias ali têm a areia meio rosada que lhes dá um ar quase artificial!
Bolas, mas eu queria era ir até à ilha dar uma voltinha e ver como aquilo é por dentro! E não se pode! É só para hóspedes!
Fiquei meio desiludida! Por outro lado que se lixe, não teria muita piada ir passear para o meio de uma série de hotéis com gente chique… digo eu, que não pude lá ir!
Segue-se pela beira da praia, a do lado direito estava vazia, e vai-se tendo perspetivas interessantes da ilha e da praia.
Mais à frente estava montes de gente quase a fazer fila para fotografar ou ser fotografado com a ilha como cenário!
Coisa de pobre que não pode entrar como eu, mas pode fazer de conta!
E, como eu também sou pobre, aproveitei a deixa de me pedirem para tirar fotos para ser fotografada também!
Foi ao ver a foto que me apercebi como o sol me tinha marcado tanto dos últimos dias! A marca da fita da máquina fotográfica era tão forte no meu pescoço e a parte de baixo do rosto estava visivelmente mais escura que a de cima! Mas eu estava feliz, e isso é que me importava mesmo!
Quando voltei de novo à minha moto o policia veio ter comigo, pensei que me iria dizer algo porque eu demorara bem mais do que os 10, minutos que prometera! Chegou perto de mim e estendeu-me a mão com uma chave, a chave da sua scooter: “Então, é neste momento que trocamos de moto?” – perguntou com um grande sorriso.
“Não poderia trocar, tenho uma viagem para continuar!” – respondi.
“Com a minha scooter não teria qualquer problema, seguramente ninguém te incomodaria até chegares a casa!”
Seguramente que não! Ela tinha “Policija” escrito na frente e o pirilampo azul atrás! eheheh
Ainda fiquei ali um bocado na conversa e na risota com ele e parti dizendo, como sempre faço, “Bye and, your country is very, very beautiful!” porque, além de ser verdade, as pessoas merecem sabe-lo!
Na costa os hotéis continuam e a zona de passagem é meio privada. Fiz uma foto-caricatura de nós as duas, eu e a Ninfa, num dos muitos espelhos de auxílio à condução que há em todos os cruzamentos por ali!
Parei para ver a coisa de longe e segui pela costa para sul, para seguir de volta para Podgorica.
Mais abaixo entra-se em ângulo reto em relação à costa e atravessa-se uma ponta do lago Escútare ou Skadarsko jezero, que vira no dia anterior de longe. Infelizmente a linha do comboio não permite aproximar dele naquele ponto!
O calor voltava a estar meio infernal e eu só pensava em abastecer-me de água fresca!
Passei em Podgorica, no meio de uma planície que parece nunca mais acabar, rodeada de ciprestes
Há infinidades de bancadas de venda de fruta pela berma da estrada, mesmo no centro da cidade! Repuxos improvisados de mangueiras que deitam água sobre as melancias, garantem que a fruta não estará quente se a compramos! Os figos são uma das minhas frutas preferidas e não resisti a experimenta-los: eram simplesmente D E L I C I O S O S!
E logo a seguir ficava o meu hostel e começava o deslumbramento do Canon do Moraca!
São quilómetros de frescura e beleza que acompanhei com pausas refrescantes e figos doces e suculentos!
Há momentos em que parece que a estrada é apenas um rasgão no rochedo onde nada cabe, mas na realidade a estrada é larga e passa por ela todo o tipo de veiculo, até ao maior camião!
Um carro com 5 jovens caíra ali havia pouco tempo, naquele ponto da estrada, estava lá montado todo um altar, com flores e as fotos deles! Eu tinha parado para ver o rio lá em baixo e fiquei chocada ao imaginar alguém cair ali de carro!
Preparava-me para seguir quando apareceu um tipo sei lá de onde, pois aquilo é longe de tudo, não há sequer uma cabana perto. Dizia ele para eu lhe dar a máquina fotográfica que ele me tirava uma foto a conduzir na rua! Apenas fez um gesto na direção da maquina que eu trazia pendurada ao peito e eu passei-me, fiz um ar de má e atirei-lhe com um “What??” tão convincente e autoritário que o homem desapareceu na natureza!
Se tinha má intensão era burro o suficiente para não perceber que bastava dar-me um empurrão e eu cairia mais a moto, pois estava em posição bem instável! Mas o meu ar deve ser mais intimidatório do que eu podia imaginar! Eheheh
E passeei o resto da minha tarde por aquelas paisagens, voltando para o hostel onde me esperava um belo e baratinho jantar. Os hotéis e hostels têm visível prazer em assinalar que são “biker friendly”
Naquela noite fiz serão no bar, um pequeno pavilhão construído em madeira, onde a net era forte e me permitia fazer uma série de pesquisas. O patrão, que estava numa mesa perto com um grupo de amigos, achou-me muita graça e ofereceu-me toda a cerveja que eu quis beber! Ele falava pouco inglês, mas o filho foi traduzindo o que ele me queria dizer, tinha-me visto em Budva e ficara espantado com o conjunto que fazíamos, a moto e eu e, sem imaginar que eu estava hospedada no seu hostel! Quando me viu chegar ali ficou todo vaidoso, até tirou fotos à moto para mostrar aos amigos! Foi muito engraçado o serão!
E foi o fim do meu 17º dia de viagem!
Olá!
Tornou-se uma boa opção a tua mudança de planos, por causa do temporal!
Bonitas fotos e relato à altura, como tens acostumado! 🙂
Obrigada por mais esta partilha!
Cá estarei para seguir as memórias da tua belíssima viagem! 🙂
Ora que beleza a mudança de planos, afinal nada acontece por acaso não é ??? Assim até deu para fazer praia, ficares tu e a Ninfa nas fotos para a posteridade (com a ilha dos ricos como fundo), á beira, duma troca da Ninfa pela scooter do polícia, os figos e para terminar o Canon do Moraca com umas paisagens maravilhosas, realmente foi um dia em cheio !!!