21.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Momentos de silêncio em baías de sangue e morte…  –

19 de agosto de 2019

Tempo encoberto, sempre a mesma bosta…

Eu tinha tantos planos para aquele dia mas o céu cinzento não me deixaria ir muito longe. Não há qualquer interesse em circular apenas para fazer quilómetros, se não puder ver nada no caminho!

A costa era tão recortada que valia a pena explorar enquanto o tempo não se revelava por trás da bruma, por isso passear em redor era sempre um programa interessante para se fazer.

Não sei onde as pessoas andavam, mas eu continuava sozinha por todo o lado, como se a paisagem fosse toda apenas para mim! Um cavalinho ao longe, era o único sinal de vida por muitos quilómetros de distância.

O que fazem as pessoas como trabalho para sobreviverem? Havia barcos, sinais de pesca, mas atividade nenhuma. Não percebo muito do assunto, provavelmente não era época de sair para o mar, sei lá!

É bom não ter a paisagem cheia de turistas, mas é um pouco triste não ver ninguém, de todo, em lado nenhum!

Eu tinha de pegar na moto e ir para mais longe, até onde o tempo me permitisse ir.

Na bomba de gasolina já me conheciam de passar todos os dias para bastecer. Não que o depósito da moto tivesse tempo de ficar vazio, mas porque era menos uma coisa para me preocupar. Sair sempre com o depósito cheio evita sempre stress na procura de onde abastecer!

Tudo parece alcatifado de verde, embora os montes fossem completamente carecas de vegetação, arvores, arbustos ou mesmo ervas altas.

Em cada curva um fiord. perde-se mesmo a noção de se estamos a percorrer uma ilha ou a passar para outra.

E encontrei uma das baías sangrentas… Apenas um ou dois meses antes tudo aconteceu de novo ali…

A emboscada das Baleias-Piloto, na realidade é muito ativa naquele fiord…

De alguma forma fiz um minuto de silêncio. Quanta paz num recanto que é afinal um recanto de morte. E eu que tenho uma simpatia especial pelas baleias em geral

Dizem que na área das Ilhas Faroé vivem cerca de 100.000 baleias-piloto, e todos os anos são mortas cerca de 800…

Mas a matança das baleias ocorre um pouco por todas as ilhas, mesmo nas praias de Torshavn. E os recantos de mar são tantos que é fácil imaginar como as pobres são empurradas para eles sem hipótese de fuga!

Tão estranho e fora de contexto as propagandas politicas naquelas paisagens, como se fizessem publicidade para minguem! Mas é claro que não falta quem percorra aquela rua, afinal é uma das que liga o norte da ilha à capital!

iria tentar seguir mais para norte, até onde o tempo mo permitisse. Quando não me permitisse ver mais nada não valeria a pena continuar!

Continuava a percorrer o caminho das baleias assassinadas…

E no fiorde de Vestmanna, apenas 2 ou 3 meses antes, baleias-piloto, machos e fêmeas com seus bebés, e golfinhos, tinham sido encurralados e assassinados às centenas… Imaginar aquelas águas vermelhas de sangue dava-me náuseas. Estamos no século XXI e mantêm-se tradições barbaras? Que tradição?

Eu não seguiria mais além, o tempo estava uma bosta, sem visibilidade alguma, não valia a pena seguir sem nada ver! Por isso voltei para trás até Leynar, o ultimo ponto do meu caminho em que o nevoeiro não tapava tudo.

Ok, vamos lá ver de perto uma baía sangrenta!

A aldeia é bonitinha, com água que corre por todo o lado, canalizada por regos controlados para lhe retirar a força.

Tanto procurei caixas do correio, até perceber que elas, para além de serem azuis, parecem particulares! Lá estava uma à entrada do lugarejo.

Como um sitio tão pacifico e desértico consegue reunir um grupo de caçadores de baleias para o grind?

A aproximação de um lugar de morte não deixa prever o que ali se passa de vez em quando. Parece apenas mais um lugar pitoresco e inofensivo!

Mas ninguém se deixe enganar pelos bonequinhos pintados nas pedras, nem pelo silêncio em redor, em abril daquele ano umas dezenas de baleias foram mortas ali…

Nada se ouvia para além do som da água que corria.

Mesmo os cavalinhos eram silenciosos, quando dei por ela estavam bem pertinho de mim e da minha moto cheios de curiosidade.

Eram pequenos mas muito simpáticos, deixaram até que eu os tocasse!

E desci à praia para pisar a areia negra, onde se realizam os rituais sangrentos.

O ritual de matança, conhecido como grind, ou adrap, realiza-se desde o século XVI.

Ele é iniciado quando os pescadores avistam baleias ou golfinhos no mar. Os bichos são empurrados para a baía, por barcos e jet skis, onde são puxados para a areia pelos caçadores que espetam um gancho nos seus respiradouros e depois cortam a medula espinhal com uma faca, para provocar uma morte rápida, dizem eles como se estivessem a fazer um favor a quem quer morrer!

A Islândia não pode entrar na Comunidade Europeia enquanto caçar baleias, mas as Ilhas Faroé recebem todas os benefícios da União Europeia, mesmo caçando baleias às centenas e violando a Convenção de Berna, porque tem uma isenção pela Dinamarca.

Médicos das Ilhas Faroé já concluíram que a carne e gordura de Baleia-Piloto contém muito mercúrio e dioxina e que, por isso, não é segura para comer.

Está mesmo estabelecida a recomendação sobre o consumo de carne e gordura de Baleia-Piloto: Homens adultos devem comer, no máximo, uma refeição de carne e gordura de baleia-piloto por mês.

Meninas e mulheres devem abster-se totalmente de comer gordura, se planeiam ter filhos ou se estão a amamentar. Os rins e o fígado da baleia-piloto não devem ser consumidos. Todas estas restrições ao consumo da carne de baleia, resultam que a maior parte do produto da caça seja, simplesmente, descartada no mar dando origem aos cemitérios submarinos descobertos pela Sea Shepherd…

Tudo isto deita por terra a teoria de que a caça é uma fonte de alimento e prova que é sim um desporto cruel e sangrento! E a vida continua!

Sentei-me na praia. As casinhas de telhados de turfa, rodeadas de relva verde, transmitiam apenas paz.

Tomei um café quentinho, da minha garrafa termos, e desenhei.

Um pequeno picnic, que estava na hora de comer, num ambiente muito bonito onde apenas faltava um céu azul.

Segui um pouco a rua até Skælingur e, espanto! Eu já vi bandos de tudo na montanha, até porcos, a passear na Transfăgărășan road, mas patos? Foi a surpresa total!

E pareciam muito confortáveis passeando pela montanha grasnando e abanando os rabos. Patos radicais, heim?

Eles tinham razão para estarem felizes, afinal a liberdade tem esse poder e a paisagem sobre o fiord era verdadeiramente inspiradora!

Do lado esquerdo ficava a ilha de Vagar, do lado direito a grande ilha de Streymoy.

Era o fim da linha, tinha de voltar a passar em Leynar para seguir para Torshavn, já que todas as ilhas pareciam estar submersas num denso nevoeiro.

Perto de Torshavn fica Hoyvík, uma população que pertence à capital e que tem uma área junto ao mar que me estava a atrair a cada vez que passava na estrada.

O tempo estava bem mais agradável ali, por isso caminhar um pouco e explorar os seus relvados até ao mar foi um momento muito zen.

E quando me deparei com uma cerca que, aparentemente, me impediria de prosseguir, havia uma escada para me ajudar a ultrapassa-la! Fantástico!

Não se notavam trilhos desgastados na relva, apenas um pouco pisada aqui e ali, o que não me mostrava muito bem em que direção eu podia ir, sem enfiar os pés em elgum rego encoberto!

E então percebi porque a cerca tinha uma escada para ajudar a ultrapassa-la em vez de simplesmente ter uma porta. As famosas ovelhas andavam por ali e, certamente, não seriam capazes de subir a escada e sair pela cerca, apenas os seres humanos o pediram fazer!

Senti-me intimidada pelos bichos, mas nenhum pareceu muito preocupado comigo!

Ainda bem, porque não tinham cara de amigos! A forma como olhavam para mim de lado não era nada acolhedora.

A erva era densa e fofa e o limite era o mar, com um rebordo de pedras a delimitar a terra.

Acho que o mar por aqueles lados não tem ondas! Talvez só com grandes temporais, sei lá, mas durante todo o tempo que ali estive, nunca as vi!

Parece que se pode andar por todo o lado, não há nada nem ninguém que nos impeça de caminhar à vontade. Também não há qualquer proteção, se alguém se entusiasmar e cair nas pedras ou no mar, paciência, tenha juízo e não choramingue!

Qualquer pedaço de mar tem mais uma ilha e outra, ou serão apenas pedras?

Há gente ali que tem como paisagem toda aquela imensidão de pedras, verde e mar!

E há recantos onde eu passearia a todo o momento se ali vivesse, porque seriam só meus para me sentar e relaxar com vistas incríveis.

E depois há as tais ovelhas que são mais que os habitantes das ilhas!

Pequenas casas de pedra são como museus vivos da história da habitação nas Ilhas.

Vivia-se de forma simples antigamente

As casinhas confundem-se com a paisagem. Efetivamente fazem parte dela como se fossem simples penedos no meio da relva!

Ha-as também de madeira no local, mas são mais recentes.

Nem sei como faria se viesse em carro para cá, quando eu ia para lá! Ambos tonhamos de encolher as barrigas para passarmos um pelo outro!

As capoeiras são bem giras por ali. Bem, naquele dia eram capoeiras, mas nos dias anteriores não eram galinhas que estavam ali, eram ovelhas! Seria uma habitação comunitária multi-espécie?

Muito amigáveis e sem medo! Vieram comer à minha mão como se fossem cãezinhos!

Embora Torshavn não seja uma cidade grande, tem recantos muito interessantes para visitar, coisas que eu via de longe e era um bom momento para as ir ver de perto.

Para além de passear em redor do parque, com casas mais recentes e bonitas, mas com telhado de turfa

continuar vendo de perto o limite entre terra e mar do lado de Torshavn, para completar o caminho iniciado em Hoyvík

Curiosamente, deste lado havia caminho e, de alguma forma, isso tornava o percurso mais cansativo do que caminhar pela relva sem saber onde terminaria o meu passeio!

Talvez por poder ver o percurso desenhado, ele parecesse maior do quando não o via por ser de relva!

Ainda era cedo e eu iria aproveitar para subir e explorar a zona residencial que se podia ver desde o parque de estacionamento.

“Lá de baixo do parque de campismo eu via o perfil geométrico e colorido das casas no topo da encosta e a curiosidade me atraiu! Que simpático passeio foi este, por entre casas particulares mas com caminhos abertos a quem quiser passar, recantos de convívio público e ambiente quase irreal! E quando me viam passar, qual guerreiro equipado na minha armadura notard, as pessoas simplesmente sorriam e cumprimentavam num inglês perfeito, deduzindo facilmente que eu não sou daqui. ” (In Passeando pela Vida – a Página)

Podia ver a minha casinha lá em baixo no meio dos pontinhos de cor que eram outras tendas

E as casas coloridas eram um encanto, sem nada que as separasse umas das outras, como se as famílias que as habitam fossem todas parentes!

Eu tinha a sensação de andar a passear por propriedade privada o tempo todo!

Aquilo eram ruas ou apenas caminhos particulares?

Não sei, mas ninguém se perturbou com a minha presença.

A verdade é que não cruzei com muita gente, mas quem passou por mim não stressou nada por me ver ali a cuscar!

Mais à frente fica o KONGAMINNIÐ, um obelisco de basalto erguido em 1882 para comemorar a visita do rei dinamarquês Christian IX às Ilhas Faroé em 1874. Foi a primeira visita de um rei dinamarquês às ilhas. 

A visita do rei em Torshavn teve direito a um momento bem dramático. O Borgmester (o prefeito ou presidente da camara) de Tórshavn desmaiou durante seu discurso de boas-vindas e morreu na frente da multidão – incluindo o rei dinamarquês. 

O rei Christian IX ficou tão chocado com sucedido que diz-se que apoiou financeiramente a viúva do falecido pelo resto de sua vida.

Dali tem-se uma vista esplêndida sobre a cidade.

E voltei para casa. De alguma forma o dia tinha sido longo e pesado, embora ainda nem fosse noite. Isto de lidar com zonas de morte é quase como lidar com campos de concentração ou locais onde morreu gente conhecida e ainda andava fragilizada com o falecimento do meu irmão…

O parque de campismo estava todo por minha conta e a sala comum e cozinha estava bem vazia, como eu a queria.

Nos últimos dias eu tinha-me enjoado dos cheiros de comida instantânea e não a queria voltar a sentir naquele momento. Apenas queria comer uma carne grelhada e beber um vinho.

Como eu nunca sei como será a carne de cada lugar onde ando, e normalmente ela rija e seca como pedaço de couro, eu compro sempre hambúrgueres simples, sem temperos nem adições. Assim, pelo menos não será uma carne seca e rija.

Aquele era o dia em que a minha motita fazia 6 meses de vida e passavam também 6 meses sobre o aniversário do meu irmão…

E eu comemorei com uma pequena garrafa de Monte Velho que viajara comigo desde Portugal.

O hambúrguer? Era delicioso!

Estava frio naquela noite, mais uma vez, e eu estava nostálgica, por isso deixei-me ficar na minha tenda a ouvir musica. Uma luz na noite que tentava clarear a escuridão dentro de mim…

A volta não fora grande naquele dia, mas fora intensa…

Parece que amanhã estará um pouco de sol! Espero, que aquelas nuvens em cima dele o deixem espreitar um pouco, pois já está deprimente tanta bruma…

Amanhã estarei recomposta e de novo animada, hoje só quero ficar quieta…

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