13.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Explorando um pouco do sul –

12 de agosto de 2019

É claro que não tive coragem de deixar a minha bonequinha para trás e apanhar um autocarro! E também é claro que sofri mais um pouco por causa disso, mas que importa, diverti-me mesmo assim!

Não conseguia perceber se o vento continuava forte pois o edificio não o deixava passar. Havia motociclistas acampados no parque da Pousada de Juventude que não tiraram as motos do parque e partiram de autocarro, mas eu devo ser meio masoquista e sai na minha! Não importava se conseguiria ir longe ou perto, importava que não queria ir sozinha, e eu sabia que me sentiria muito só se saisse sem a minha motinha…

Fiquei a ver o povo partir no autocarro, que era mais uma navette…

Não precisei de andar muito para perceber que o vento estava onde o deixara no dia anterior, com um pouco de chuva à mistura e muito frio. Realmente, só eu para sair de moto quando toda a gente as deixava em casa por causa do mau tempo. Na noite anterior tinham comentado na pousada que era desaconselhado o uso de motociclos e eu, feita palerma, a perguntar se as autoridades tinham proibido a circulação de motos, como não tinham, siga para a estrada!

A verdade é que a minha moto é a minha companhia, se a deixo para trás e apanho um outro transporte, sinto como se tivesse deixado uma amiga em casa. Depois de tantos dias sozinha também não tinha vontade de passar umas horas a conviver com estranhos, sair onde me deixavam sair e voltar quando me mandavam voltar. Simplesmente não era o meu espírito, preferi ver menos coisas, lutar mais e fazer os meus caminhos de vento e deserto.

E logo à frente o céu parecia de chumbo, a paisagem meio apocaliptica e a chuva parecia agulhas a baterem em mim!

Por vezes perguntam-me como seleciono o que ver numa viagem, dado que não tenho possibilidade de ver tudo. Eu costumo dizer que vejo o que puder e me apetecer, sem remorsos do que deixo para trás, pois acredito sempre que voltarei a cada lugar!

E é verdade, só assim posso sentir-me livre de parar e observar coisas insignificantes em vez de correr de lado para lado para “picar o ponto” em cada sitio imperdivel.

E aquelas paisagens, tão belas quanto agrestes, enchiam-me de nostalgia e deslumbramento, de tal maneira que não pude sacrificar a sensação de as percorrer de moto, para poder ir mais longe, mais confortável numa navette!

Eu ía a caminho de Grundarfjörður, uma das paisagens mais famosas da Islandia, mas cada quilómetro era assunto para me encantar. Houve momentos em que tive a sensação que o vento estava ainda mais forte que nos ultimos dias, mas eu já estava profissional na coisa. O que nos assusta na novidade, nos relaxa na experiência!

Claro que o contraste entre o que os meus olhos viam e o que o meu corpo sentia era, no mínimo, contraditório, porque eu via paz mas sentia-me numa guerra, e isso era fascinante!

E quando conseguia parar em segurança, sem correr o risco de que o vento atirasse a minha motita ao chão, já que perigo de acidente com outros veículos estava completamente fora de questão, deslumbrava-me com o imenso vazio que me cercava.

Mais do que em muitos outros países que visitei, percorrer aquele país era uma experiência que eu só podia viver sozinha, por imensidões insanas e estradas infinitas, sem ninguém a distrair-me de cada momento do caminho, apenas eu e aquele mundo!

Parte do caminho era o mesmo que eu fizera ao descer para Reykjavík, mas visto na perspetiva inversa, parecia novo!

Mas não era novo ainda, bora lá saltar para fora da estrada outra vez! Deus queira que não chova muito, pois não é nada agradável andar por terra batida à chuva!

A vantagem é que a terra por ali é tipo gravilha que não faz lama. Aquela gente é inteligente, usa a gravilha para manter os caminhos sem alcatrão meio drenados das águas que são abundantes!

E lá estava uma bomba de gasolina para eu parar, tomar um café, aquecer-me um pouco e ganhar lanço para mais uns quilómetros de luta. É curioso como um país tão grande e tão pouco povoado, com extensões gigantescas de terreno sem vivalma, está tão bem coberto por estações de serviço. Nunca há stress com gasolina ou algo para comer por ali!

O tempo pode mudar em poucos quilómetros de distância, foi algo que percebi por lá, apenas o vento permanece, muda de direção a todo o momento, mas permanece, sempre forte!

Ora chove, ora faz sol, como se eu estivesse a percorrer grandes distâncias e, no entanto, nem eram tantos quilómetros assim!

Poças, pocinhas, lagos e mar, tudo está sempre por perto. Não há arvores, nem aldeias, nem casas, apenas eu, a estrada e planicies desoladas, quase deserticas.

E então volto a atravessar superficies lunares, a falha tectónica aparece a cada momento dos percursos. Tão fascinante!

Eu já percorrera zonas vulcânicas de terra negra, mas nada se assemelhava ao que me rodeava ali.

Não sei quanto tempo andava em redor a cada vez que parava para apreciar de perto as paisagens. Eu sei que não havia muito para ver para além do que os meus olhos podiam alcançar a partir de minha moto, mas mesmo assim eu caminhava em redor, sempre que o vento me permitia pousar a moto em segurança.

Nem sequer precisava me preocupar em encostar muito a moto pois nunca havia carro algum no horizonte, era sempre apenas eu e a paisagem! De alguma forma aquele isolamento era tudo o que eu precisava para preencher o meu ânimo e reconfortar a angustia que viajava comigo…

Estava a chegar a Grundarfjörður e tudo o que eu desejava era poder passear por lá, sem nada nem ninguém a perturbar os meus pensamentos!

Embora a dada altura todas as estradas se parecessem, havia sempre algo de único em cada uma, pequenas diferenças que me encantavam!

E então cheguei…

Quanta desilusão!

Eu nunca estou à espera de muita coisa, mas ali esperava uma grande cascata, a considerar pelas fotos que se veem pela net! Depois de tanta paz e solidão, carros, carrinhos e navettes, era o que não faltava por ali. Uma espécie de alarme soou dentro de mim, turistas, gritinhos, selfies e chineses! Oh Deus, tudo o que eu não queria!

Pus-me a olhar lá para o fundo, A cascata era pequena e as fantasticas fotos da net não eram mais que uma questão de perspetiva.

Nem tinha um lugar decente para pousar a minha moto! Dei uma volta em redor à procura de um espaço, mas não havia sitio nem paciência.

O montanha, que se vê de fundo às fantásticas fotos, é muito mais impressionante que a própria cascata! Deixei a moto na berma da estrada com os quatro pisas e dispus-me a caminhar até à cascata, de muito mau humor, e só o fiz por ser o que era e onde era…

Tal como imaginava, andava por ali gente demais nas bordas da água a fazer selfies às dúzias. Amuada que estava, sentei-me a apreciar como as pessoas se punham em todos os lados em todas as posições e poses. Encontrei o sítio de onde as fotos mais famosas são tiradas e fiz um desenho. Ao menos ninguém estragaria a minha foto, porque eu faria um desenho excluindo toda a gente e bagunça!

É claro que no momento eu já sabia que mais tarde me arrependeria de não ter feito um milhão de fotos, com gente ou sem ela, mas no momento realizei-me apenas desenhando!

O monte Kirkjufell é fascinante e prendeu muito mais a minha atenção e fiz mais um desenho ou dois.

E fui embora. Acho que estava viciada no vazio e na solidão. Na verdade não queria estar com ninguém e porque devia enfiar-me no meio das pessoas se não era essa a minha vontade?

Então quando cheguei a Þingvellir, foi a decepção. O vale é lindo, mas a multidão é desanimadora!

Era de esperar. Afinal é um dos sitios mais famosos de toda a ilha, ali foi o centro de tudo, onde se fundou o primeiro parlamento do pais e, como se não bastasse, é onde as placas teconicas europeia e americana são visiveis.

Podia ver o Þingvallavatn por todo o lado, o maior lago da Islandia, podia também ouvir o barulho das pessoas, e isso era tudo o que eu não queria naquele momento. Percebi que tinha de me arrebanhar com uma pequena multidão para ir percorrer os caminhos da falha e as gargantas do Almannagià.

Carros por todo o lado inspiravam-me a prosseguir…

Fiquei-me com a paisagem de Hakid…

Mais uma vez eu sabia que me arrependeria mais tarde por não ir visitar tudo aquilo, mas sentei-me e desenhei, enquanto ouvia o barulho da pequena multidão a descer pelo percurso. Eu estava a apreciar demais a minha paz, por isso prometi a mim mesma que voltaria ali um dia, com mais tempo e melhor disposição, para ir até às famosas placas…

Aquele vale é fascinante para percorrer de moto, com percursos de terra batida e recantos para apreciar a paz do lago.

Contrariamente ao que temi, não havia ninguem a passear por ali, aparentente as pessoas iam até ao vale para visitar a falha, caminhar até à cascata e levar consigo as melhores fotos do local. Porque eu tinha de ser diferente e pôr-me a brincar em redor? Não sei, mas eu apenas faço o que me apetece, e brincar em redor do lago encheu-me de energia.

O vento nem se sentia tanto ali em baixo, por isso foi uma experiência extraordinária andar em volta do lago a derrapar no cascalho negro.

Não importa para onde a gente vá, o que sentimos e somos vai connosco, e isso sempre determina as escolhas que faço. Estava um pouco no mood do poema “LIBERDADE” de Fernando Pessoa, tanta coisa imperdivel e eu sem vontade:

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…

Que bem me soube um cafézinho ao som do silêncio do lago, depois de uma pequena aventura na gravilha! Era tão bom poder finalmente conduzir um pouco sem o tormento do vento. Ui, quanta paz!

Foi tão reconfortante a minha brincadeira pelo Þingvellir, que, de repente, não estava nada disposta a voltar já para casa! Que se lixe o vento lá em cima, vou ver mais uma ou duas coisas!

Tinham-me mandado uma mensagem de texto desde a televisão local para me intrevistarem, mas eu não queria ir a correr para casa por causa disso. Alguem se tinha interessado pela minha história depois da publicação da Raga no dia anterior e ela fornecera o meu numero de telemovel. Tudo bem que eu aceitei fazer a entrevista, mas isso não podia prender-me o perturbar demais os meus planos! Sei lá, apareçam à noite, né?

Por isso segui para outro vale, Haukadalur, onde fica um dos sitios que eu queria muito ver, Geysir.

Geysir, deriva de “jorrar” em islandês e deu origem ao nosso nome para a coisa “géiser”. Uma nascente bem ativa, como uma espécie de poça de água profunda que borbulha de forma cadenciada, como se respirasse, e de repente espirra com toda a força, uma enorme quantidade de agua fervente. Como se a terra estivese constipada! Eu tinha de ver aquilo!

Mas, tal como eu estudara antes de partir, era o Strokkur o mais ativo, Lá estava ele a deitar fumo e água por todos os lados!

Fiquei ali a ver a cadencia da água e a tentar prever quando aquilo ia explodir, nem me incomodou que houvsesse bastante gente em redor, porque era fascinante!

E quando a gente se distrai, pimba, a água sobe a uma altura imprevisivel!

Uma coisa que percebi é que a água não dispara em tempos certos. Embora possamos ver a água dentro da fonte a oscilar, como se ameaçasse subir a qualquer momento, não adianta contar quantas vezes ela oscila para prever a subida seguinte, pois isso não acontecerá!

Outra coisa que não é regular é a altura a que a água dispara, umas vezes sobe uns 2 ou 3 metros, outras sobe uns 15 ou 20.

Então uma pessoa fica ali hipnotizada esperando ver até onde ela vai subir na vez seguinte, com o ruido do sopro que é quase assustador, como se a terra soprasse realmente!

Nem sei quantas vezes vi o Strokkur explodir, só sei que me tive de forçar a ir embora ou ficaria ali até ser de noite, hipnotizada pelo espectáculo!

Há outras pocinhas em redor que burbulham, não sei se alguma vez disparam como o Geyzir ou o Strokkur, mas são fascinantes mesmo assim!

Da televisão diziam que esperariam por mim na pousada, mas antes de ir para casa eu ainda passaria no Kerið.

Uma cratera de muito facil acesso, que fica na beira da estrada. A gente olha e reconhece facilmente a tradicional forma de um vulcão.

Lá dentro, no fundo, fica um lago bem redondinho, ok, mais oval que redondo. A gente pode descer até à sua margem e caminhar em redor, ou pode caminhar sobre o “muro”, cá em cima.

É fascinante em todas as perspetivas, embora o lago não seja aquela enorme poça azul, toda editada no Photoshop, que o povo teima em publicar no Instagram.

Mas é muito bonito todo o conjunto, ainda me sentei na borda, cá em cima, mas o vento quase atirava comigo lá para baixo!

Ok, estava na hora de ir para casa e esticar-me para descansar o esqueleto.

Estava exausta!

Todos aqueles dias de luta permanente com o vento, mais as caminhadas e as explorações estavam a cobrar o seu preço. Voltei para Reykjavík, na última luta do dia. Provavelmente já nem iria a tempo da entrevista, mas não importava, tinha aproveitado o dia da melhor forma possível e isso sim, era importante! A volta que dera fora bem maior do que eu imaginava.

Não havia ninguém à minha espera, tanto pior, amanhã vou montar a tenda num sitio qualquer na costa leste e ninguém me verá mais aqui…

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