20.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

Streymoy e Eysturoy, as grandes ilhas 

18 de agosto de 2019

Eu sabia que iria acabar por dar comigo a suplicar por um pouco de sol, e pronto, era essa a minha condição!

A primeira coisa que eu fazia de manhã era gatinhar para cima do meu muro de relva e olhar o horizonte em busca de um nascer do astro rei! Qual rei? Rei que se preze não abandona assim seu reino e seus súbditos!

Lá estava tudo cheio de bruma a parecer fumo branco que escorria pela encosta das ilhas vizinhas! Oh, merda, outra vez?

Sim, eu não estava com o melhor humor, afinal passara o dia anterior e todo o serão a receber mensagens privadas, de uns e de outros, com imagens e links para eu seguir, falando da mortandade das baleias na Ilhas Faroé, e isso já me estava a dar nos nervos!

Será que alguém pensava que eu não sabia da tradição? E, curiosamente, a maior parte das mensagens eram de pessoas que nunca me dirigiam a palavra, nunca interagiam comigo, nada diziam, mas parece que não me falavam mas me viam pois sabiam que eu andava por lá!

Sim, tive de segurar o meu mau feitio para não mandar toda a gente catar-se!

Houve até quem me tentasse pressionar a fazer uma declaração do Facebook a dizer que discordava da matança das baleias… era deprimente pensar que pessoas adultas achassem que eu, por andar por lá, concordava com a tradição, ou acreditassem que uma declaração minha no Facebook fosse algo de útil a fazer-se, como se ela fosse conseguir o que o planeta todo anda a tentar e ainda não conseguiu… Enfim…

Embora o tempo continuasse encoberto não estava muito escuro, o que já era uma coisa positiva. Não deveria chover e isso já era fantástico!

E sim, a cada baía que eu passava lembrava-me se ali seria um dos sítios da emboscada e matança das baleias…

Mas nesta não era. As emboscadas são sempre junto a povoações, as pessoas têm até direito a dispensa do trabalho para irem assistir ao momento de terror.

Aqui era só paz e aguas quietas como espelhos.

Eu vira a catarata desde o outro lado da baía, era alta e sem ninguém em redor.

É quando a gente se apercebe que, quando lê que as Ilhas Faroé são inundadas de turistas, isso não quer dizer que os encontremos por lá aos pontapés! Quer dizer que, com tão pouca população, tudo parece uma multidão e, na realidade, 20 mil turistas por ano não é propriamente uma inundação!

A verdade é que, como na Islândia, eu andava sempre sozinha em todo o lado.

Kaldbak estava tão sozinha como eu, apenas um cãozito me recebeu e me seguiu por todo o lado enquanto eu passeei por lá.

A Kaldbak Kirkja é a coisa mais fofa e uma das mais icónicas das Ilhas ou, pelo menos, a que aparece nas fotos mais encantadoras, com o fiord como cenário de fundo.

É, mas naquele dia o Fiord estava meio escondido e a linda igreja de madeira negra perdera o seu cenário de sonho atrás de um teto de bruma branca.

Mesmo assim era sempre inspirador apreciar a igrejinha com quase dois séculos, rodeada do seu pequeno cemitério relvado na encosta de muros até ao mar.

As casinhas fazem pendant com a igreja e a paisagem verde. Aqueles telhados são espantosos!

Tinha de fazer uma foto da perspetiva icónica com a minha motita a posar!

“Às vezes eu tinha a sensação de que não havia ninguém naquelas ilhas! As casinhas aglomeravam-se em pequenas localidades, as igrejinhas estavam bem cuidadas, havia mesmo flores e sinais de civilização, mas não havia ninguém a maior parte do tempo! De que vivem as pessoas? Onde trabalham? Não sei, mas com tanta beleza em redor devem ser felizes ali! No meu caminho fui fazendo amizade com cavalos, vacas, ovelhas e cães, que era quem por la havia e me dava verdadeiramente atenção, enquanto os habitantes locais se deviam manter recolhidos com o mau tempo! E foi uma exploração cheia de beleza e natureza…” (in passeando pela Vida – a Pagina)

Normalmente eu não gosto de voltar para trás pelo mesmo caminho mas nas Føroyar não há escolha por vezes, porque há aldeiazinhas que ficam no fim da linha, não há nada depois delas. Kaldbak é uma delas

” As cataratas estão por todo o lado, como se todos aqueles montes verdejantes fossem fontes permanentes! E há quedas de água anónimas que, não sendo atrações turísticas, ninguém parece ir ver e são de uma beleza impressionante! Estão assim, na beira da estrada, sem nada que nos impeça de as olhar tão perto quanto queiramos, caminhas até elas, molhar as mãos ou recolher agua para mais uma aguarela. Quantas vezes parei para apreciar o espetáculo que elas davam e sentia-me privilegiada por ser a sua única espectadora…” (in Passeando pela Vida – a Página)

Do outro lado da baía podia-se ver a verdadeira dimensão da catarata, chama-se Týggjaráfoss. Nas Føroyar as cascatas também se chamam “foss” como na Islândia.

Não havia nunca muitos carros na rua, mas sempre que havia, punham-se atrás de mim! Isto deve ser sina minha, pois está sempre a acontecer-me, como quando cheguei ao Cabo Norte, no meio do maior frio, nevoeiro e ventania, sem conseguir ver onde punha as rodas e alguns carros se aproximavam e ficavam estrategicamente atrás de mim! Fosse eu borda fora, será que eles também me seguiriam?

“Devia fazer um poema, não, compor uma canção “I’m a Lighthouse” em inglês até fica fixe! É só vir o nevoeiro e toda a gente fica atrás de mim o tempo todo, e eu que os guie!” (in Facebook)

E eu que não gosto de ter ninguém atrás, para poder parar quando quiser sem ter de fazer muito sinais para avançarem! Caricato é quando eu paro e o carro que me segue pára atrás de mim, como se dispusesse a esperar que eu reinicie a marcha! A sério que me queres obrigar a andar?

Então na berma da estrada lá estava uma fabrica de “telhas”! Tal como eu imaginava, nem sempre a relva é semeada, embora muitas vezes o seja, como eu vira na Noruega. Frequentemente ela é recortada em quadrados e colocada sobre os telhados previamente preparados para a receber.

E logo à frente, lá estava a igreja onde o telhado estava a ser renovado! Fantástico ver como a coisa se processa!

A dada altura quase se deixa de perceber a diferença entre uma baía de mar e uma baía de lago, mas ali, definitivamente era um lago. Eu estava no meio da ilha de Streymoy, a mesma de Torshavn, junto ao Lago Saksunarvatn.

Sem nada entre mim e a água, um passo ao lado e glugluglu!

A partir dali o fio de água que se vê nos mapas, torna-se o riacho mais encantador a caminho de um dos sítios mais bonitos das ilhas: Saksun

Quantas vezes parei para apreciar o momento e ouvir o silêncio apenas perturbado pelo ronronar das águas…

Naquele ponto, mesmo estando com saudades de um belo sol, já nem sabia se todo aquele encanto misterioso não se perderia com a plena visibilidade que ele proporcionaria!

Acho que, quando se nasce isolado, se aceita bem viver isolado. A paisagem ajuda bastante, pois viver ali é como viver dentro de um postal ilustrado, todos os dias…

.. com uma cascata privada a encher a vida de sons inspiradores!

Felizmente a rua estava em ótimo estado e eu não tinha de me preocupar com o sitio onde pousava as minhas rodas, porque a paisagem era muito distrativo!

Então percebi que estava ser seguida e não era por um carro! Preocupa um bocado andares e ouvires os cascos atrás de ti! Pensas “vai tocar na moto e pôr-me ao chão!”

Era um cavalinho negro que se entusiasmou comigo e a minha Scarlette!

Os animais adoram-me! Este cavalinho gostou de mim, seguiu-me até às grades da estrada, depois não conseguia passar, ficou a olhar para mim. Ainda bem, eu tenho algum pavor a animai do meu tamanho, pois num instante me põem ao chão. O bichinho era simpático, mas mesmo sem me querer mal, facilmente tinha atirado comigo de cima da minha montada!

Ah, as benditas grades no chão! A Islândia tinha algumas, mas as Føroyar estão cheias delas, por todo o lado, nas retas e nos desníveis, enormes! A moto treme, escorre e derrapa nelas com a humidade, como se fosse revertidas a sabão! Há que passar sem hesitar ou será o tombo da artista!

Somos logo recebidos com advertências bem claras. É fácil entende porque se encontram avisos destes em muitos sítios das ilhas, os turistas podem ser, por vezes, muito invasivos, na ânsia de conseguir as melhores fotos.

A lei deve ser sempre: olhar mas não tocar, passear mas não perturbar e, no fim, deixar tudo como estava! Quem não é capaz de tanto devia ficar em casa…

Aquelas terras são propriedade privada e há vários relatos de pessoas sobre os problemas que tiveram com o proprietário, porque ele não gosta pisem o que é seu. Curioso as pessoas referirem que invadiram suas propriedades acidentalmente, como se não fosse claro onde termina o espaço visitável e começa o espaço privado!

É a bosta da moda dos influenciadores que acham que tudo podem por uma bosta de selfie…

Em cima do morro, Dúvugarðar, uma fazenda em atividade, que funciona hoje como um museu. Mantém um rebanho de cerca de 300 ovelhas e algumas das suas casinhas têm mais de 200 anos.

Curioso que parece não ter havido uma ordem na sua construção, com as casinhas dispostas cada uma para seu lado!

Saksun é uma pequena aldeia de 14 habitantes, situada no topo de um anfiteatro natural circular, com vista para o fiord envolvente da Lagoa Pollurin, que abre para o mar depois dos rochedos.

A água corre em redor, desde o topo das montanhas, em várias cascatas impressionantes.

Normalmente pode-se subir até bem alto, mas por aqueles dias estava difícil! Aquela relva molhada escorregava tanto que nem sei se era mais difícil subir ou descer!

Eu não tencionava subir muito, e ainda bem, porque teria sido lindo fazer ski por ali abaixo ao descer, ou teria sido mais fazer sku, na realidade!

Eu vi uma gordinha bater com o rabo no chão e agradeci silenciosamente ela ter “almofada” no traseiro, ou teria sido dramático! Saiu de lá que parecia um brigadeiro de chocolate, porque embora de longe se veja tudo verde, a terra negra está logo por baixo e salta em lama quando a relva é pressionada. Não consegui evitar uma gargalhada, ao ver a moçoila toda borrada de castanho chocolate.

Vista lá de cima da cascata a Lagoa Pollurin era um espelho azul no meio do verde…

Ao longe a Igrejinha parecia uma pulga em cima do monte com as montanhas enormes como cenário de fundo. Confesso que o meu coração falhou uma batida com a beleza de tudo em redor!

Não é na fotos que tudo parece irreal de tão perfeito, lá a sensação era a mesma, só que mais avassaladora ainda!

Sentei-me um pouco numa pedra e fiz alguns desenhos rápidos

A Saksunar kirkja do século XIX é tão simples quanto bonita, construída em pedra e madeira e com o tipico telhado em relva, mas o que a torna surreal de tão vela, é a sua localização, no topo de um morro que é como altar sobranceiro ao fiord!

A vontade era de descer a ruinha com a moto, mas não é permitido e a descida acaba por ser encantadora pois vai revelando mais e mais do lago, la em baixo, e da dimensão das montanhas. O cemitério atrás da igreja era tão a condizer com a paisagem!

Um belo sitio para sentar, tomar café e desenhar!

Eu teria de ir lá abaixo, não havia condições de caminhar para muito mais longe por ali, a relva estava ensopada e escorregadia como na cascata…

Por isso eu fui em busca do caminho para o lago/mar lá em baixo.

Eu podia ver o caminho do outro lado da fenda, entre os montes, ao lado da estrada, com casas e carros.

E sim, dei a volta e segui por ali. Ao fim da rua havia um pequeno parque de estacionamento e depois era só descer.

A perspetiva sobre o caminho era tão inspiradora que acabei por demorar uma eternidade até lá abaixo. Desenhei, pintei e desci…

e qual não foi o meu espanto quando dei com um portão com torniquete para controlar as entradas!

Um torniquete com pagamento por multibanco!!! Estava no meio do monte ou na entrada do Metro?!

Eu sabia que os faroeses estavam a tirar partido do sucesso do seu país junto dos turistas, cobrando por tudo o que pudesse ser cobrado, mas não esperava um pagamento em multibanco o meio de lado nenhum para caminhar até um lago!

E lá meti o meu cartão multibanco para abrir o torniquete…

Consideremos que, se pago para entrar num museu ou catedral, num outro país da Europa, porque não pagar para ver as belezas naturais por ali, em outra perspetiva?

“Há uma paz e uma serenidade em todo o lado que é quase irreal! Não há vento, não há barulho, não há turistas, apenas eu e a natureza, como se nada disto tivesse sido descoberto ainda! As nuvens trazem consigo o mistério, mas o sol traria o fascínio….” (in Passeando pela Vida – a Página)

Lá de baixo, da margem do lago, podiam-se ver os fios de água de cascatas inacessíveis e apenas visíveis a partir dali.

O silêncio era absoluto, apenas embalado pelo som longínquo do mar, que ecoava levemente pelo lago, vindo do lado de lá do fiord… Só por isso tinha valido a pena descer até ali e pago a entrada!

Depois do estreito entre os montes fica a imensa praia negra, mas a maré estava a subir e pode ser muito perigoso ir até naquelas circunstancias. Num instante a gente fica presa na praia quando a agua fecha a saída. havia quem já estivesse a voltar dela tendo de atravessar a agua.

A igrejinha já não era visível em cima da colina, a neblina parecia um véu de algodão sobre ela!

Enquanto estive ali em baixo foi como se o tempo tivesse parado para mim!

E ao ir embora prometi a mim mesma que voltaria um dia, quem sabe para ver aquilo tudo com sol e céu azul!

E tinha postais escritos para mandar para a minha mãe, sempre o faço em viagem, ela gosta de os receber e eu gosto de os enviar, por isso andava à procura de selos e um posto de correios. Em Oyrarbakki encontrei tudo numa estação de serviço.

Àquela altura eu já via as estações de serviço como autênticos restaurantes, onde há sempre croissants acabados de fazer, cachorros quentes e uma série de coisas fixes para comer. Tal como na Islândia não falta nada, até posto de correio se encontra numa estação de serviço, ou perto!

Selfie de grupo reflexiva!

E segui para Eiði. Infelizmente a visibilidade era baixa por ali, o nevoeiro esta mais cerrado e não me adiantaria muito caminhar ou explorar em redor, pois quanto mais subia menos via.

Não havia ninguém na rua, como sempre eu estava só, por isso quando um homem passou foi como se a vida tivesse voltado à terra!

Mesmo não se vendo grande coisa eu subi um pouco e, quando Eiði desaparecia no meio das brumas, encontrei estes amigos, com cara de poucos amigos!

Acho que o pobre estava mais com cara de triste do que com cara de inimigo, mas nunca fiar! Com aquela armação, se ele se enervasse, atirava facilmente comigo e com a minha moto ao chão! Acho que os chifres retorcidos o impediam de ver para os lados, só pode, de tão perto que estavam dos olhos!

Não conseguiria ver o que queria, por isso não adiantava seguir para a frente. Teria de dar a volta e tentar avistar ao longe, do outro lado, se o nevoeiro permitisse.

Estava no extremo da grande ilha de Eysturoy e tinha de ir para o extremo da outra grande ilha de Streymoy, mesmo em frente.

O grande braço de mar que separa as ilhas é estreito e de uma ilha vê-se perfeitamente a outra, mesmo com o nevoeiro.

Do lado esquerdo Eysturoy, do lado direito Streymoy, as duas maiores ilhas de Føroyar.

Fossá é uma das cataratas mais altas das ilhas. Desce em dois níveis de quedas de água, como em degraus, por cerda de 140 metros em Fossdalur, o vale da cachoeira ou da cascata.

Impressionante! naquele momento quis ter um drone para espreitar por ali acima sem ter de subir!

Não me pus a escala-la, sei que há um trilho que sobe a cascata, mas o tempo não convidava por isso apenas me aproximei daquele que é o nível baixo de queda de água e desenhei um pouco.

Tjørnuvík fica na frente de Eiði, no extremo da ilha de Streymoy. Apesar do nevoeiro eu podia ver a aldeia remota lá em baixo, numa baía só sua.

A perspetiva da praia negra era fantástica.

E, como eu imaginara, os Risin og Kellingin, (o Gigante e a Bruxa), na costa abaixo de Eiði, estavam invisíveis…

Eu tinha a certeza de que os rochedos eram visíveis desde a praia de Tjørnuvík, mas só se via a parede branca nevoenta! Oh…

Bem, podia sempre explorar a aldeia e a praia e imaginar o que não podia ver, mas não era a mesma coisa! À entrada da aldeia havia um café/restaurante cheio de gente, certamente turistas. Algumas pessoas passeavam na praia, e seriam as única pessoas que veria por ali.

As casinhas não eram todas negras, muitas eram brancas e encantadoras, com pormenores bem cuidados e limpos, como se tudo tivesse sido pintado há pouco.

O muro da igreja fascinou-me, feito de pedras redondas empilhadas como num puzzle.

E dentro do muro a relva era tão verde que parecia artificial.

E as casas negras pareciam de brincar, com os tradicionais telhados de relva a condizer.

Por ali seca-se peixe como se fosse bacalhau.

Tudo tão perfeito que nem faltavam mesas para sentar e conviver, em bora não houvesse ninguém nas ruas.

E por falar em pormenores, os habitantes daquelas terras são artesãos de carinho e bom humor!

Em qualquer canto se viam bonequinhos feitos de pedras redondas, muito engraçados.

Sempre casais, de trajes bem pormenorizados, com toucas e chapéus e tudo!

De alguma forma condiziam tão bem com a arquitetura tradicional! E ficou provado que nem sempre o preto é triste, porque as casas pretas por lá eram as mais “mimis”

Não havia pessoas pelas ruas, mas havia dignos representantes de seus habitantes.

Casalinhos de pedra guardiões dos seus quelhos.

De alguma forma os bonequinhos faziam esquecer que não havia ninguém, era como se fossem gente.

Na realidade não se pode esperar encontrar muita gente pelas ruas de uma aldeia onde vivem pouco mais de 60 pessoas.

E quando voltei à praia os Risin og Kellingin tinham aparecido! Yess!

O Risin (o Gigante) é o rochedo mais afastado de terra e tem 71 metros de altura; a Kellingin (a Bruxa) é o rochedo mais próximo da terra, com 68 metros de altura, é mais pontiagudo e parece ter as pernas afastadas.

Reza a lenda que um dia os gigantes islandeses, com inveja, queriam apoderar-se das Ilhas Faroé e o Risin e a sua esposa Kellingin, foram enviados para as capturar.

Ao chegarem à costa montanhosa de Eiðiskollur o gigante esperou no mar enquanto a bruxa escalava a escarpa. A ideia era que ela amarrasse todas as ilhas com uma corda grossa, de forma que o gigante as pudesse arrastar até à Islândia. Mas quando ela amarrou a escarpa e puxou, a montanha partiu-se. Eles lutaram toda a noite tentando prender a costa com a corda, mas a montanha estava firme e forte e não cedeu.

Diz ainda a lenda que um gigante ou uma bruxa não podem apanhar sol ou se transformarão em pedra. Ora com toda a luta eles distraíram-se e não deram conta de que amanhecia e dá para perceber o que aconteceu: transformaram-se em dois blocos enormes de pedra! Dizem que até hoje lá estão olhando com ansiedade para a sua Islândia.

Eu adoro as lendas dos locais!

Pode ser que um dia eu voltes às Føroyar para ver tudo o que não pude ver por causa do nevoeiro… quem sabe!

Mesmo com o nevoeiro encobrindo tanto da beleza do local, as perspetivas da aldeia desde a praia eram encantadoras e misteriosas.

Embora a areia seja negra deixa um rasto branco à passagem das ondas do mar!
(Não fui eu quem desenhou o coração, já lá estava desenhado quando passei!)

Os murinhos de pedras protegendo os pequenos terrenos cultivados fizeram-me lembrar dos murinhos nos Açores.

Terrenos de cultivo mesmo na margem da praia!

E por ali acima fica a encosta de um monte vertiginosamente verde, que eu não conseguia ver…

… com cataratas e cursos de água por todo o lado.

Na subida da estrada, para me ir embora, não conseguia deixar de apreciar a aldeia a afastar-se naquela paraíso meio escondido, mas muito bonito.

A rua é estreita e tem refúgios para permitir o cruzamento de dois veículos, o sitio perfeito para apreciar o paraíso que fica para trás.

E para a frente, um vislumbre das grandes pedras pontiagudas do Gigante e da Bruxa…

Teria gostado de ir até junto dos rochedos… mas ficaria para outra vez…

Teria sido inútil caminho até Eiðiskollur pois nada se veria lá de cima…

Eiðiskollur e Eiði do outro lado do monte.

Regressando a casa, em Torshavn, cruza-se com uma terrinha de vez em quando, embora a maior parte do caminho seja vazia de casas e gente. Haldarsvík é uma das vilas na costa de Streymoy com Eysturoy como paisagem, do outro lado do mar.

Ninguém nas ruas! Será que aquela gente passa a vida dentro de casa?

Kollafjørður, já perto de casa (ok, por ali tudo era perto de minha casa!), deserta, mas com pormenores muito curiosos.

Como a igrejinha com telhado de relva, que a gente tem de espreitar por cima do muro para ver!

A Kollafjørður kirkja é uma igrejinha do século XIX, muito bem cuidada e com uma paisagem privilegiada sobre o fiord. A bem dizer, parece que nas Føroyar todas as casas e toda a gente tem direito a paisagens privilegiadas!

Podia constatar isso pelas casas situadas pela encosta acima, lindas e voltadas para o mar!

Tive de dar a volta à igreja para a ver, dado que ela está encoberta do lado da estrada, mas descoberta do lado do mar.

E os pormenores que me ficaram na memória, foram as pedras pintadas na berma da estrada, mesmo junto à água. Alguém se deu ao cuidade de converter as pedras angulosas em casinhas!

Casinhas, carros, autocarros e camionetas!

Que coisa fofa!

Eu andava preocupada com a passagem do túnel para Vagar. Ouvira dizer que tinha-se 2 dias para a pagar e eu temia não ir a tempo e, de alguma forma, ter de pagar multa. Então, ao passar perto, percebi que aquela era a estação de serviço onde o pagamento devia ser feito, conforme me tinha descrito. Ufa, ainda vou a tempo!

Tinham-me dito que a portagem se pagava no regresso, na primeira estação de serviço após o túnel. numa estação de serviço que ficava a 1 ou 2 km. Bora lá cumprir as minhas obrigações. Então descobri que as motos não pagam portagens, por isso eu podia ir embora em paz! Eu j´suspeitava, pois tinha visto preços para diversos veículos e não havia nada sobre motos, mas nunca confiar sem confirmar!

Descobri também que não há portagens na ilhas. Apenas nos dois túneis, que passam por baixo do mar, é exigido um pagamento único de ida e volta, e nesses a passagem das motos é grátis!

Excelente!

Quando não há nada para além de paisagem lisa, sem arvores, tudo verde a subir e a descer, há pormenores que saltam à vista, como uma paragem no meio de lado nenhum!

E, parecendo que não, faz sentido e tem bastante uso! Caminhantes desembarcam ali para subir as montanhas.

E os habitantes lá em baixo sobrem até à estrada para apanharem o transporte para diversos pontos das ilhas.

Na pureza verde da paisagem, de alguma forma, um porto com contentores pode ter um aspeto tão desajustado e perturbador…

E pronto, vamos para Torshavn que há coisas que quero aproveitar para ver.

O pequeno forte sobre o porto de Torshavn estava a chamar-me a atenção desde que chegara e era uma boa oportunidade para o visitar.

Entra-se da rua sem qualquer portão. A fæstning Skansin é uma fortaleza histórica sobre o porto de Tórshavn e a sua maior destruição não foi em tempo de guerra e sim na ampliação do porto.

A sua construção original é do século XVI e teve como finalidade defender a capital de ataques marítimos.

A maior parte dos canhões ainda lá existentes são dinamarqueses

Mas há também canhões ingleses, deixados durante a ocupação inglesa na Segunda Guerra Mundial. Ali funcionou o quartel-general do Comando da Marinha Real. Ali fica um dos faróis das Ilhas Faroé, o Farol Skansin, que orientava a navegação para o porto da capital. Tão fofinho!

Lá de cima pode-se ver claramente Nólsoy, 10 quilómetros de ilha habitados por cerca de 260 pessoas. Afinal das 18 ilhas que compõem o arquipélago, apenas uma não é habitada e essa fica bem distante.

Embora Skansin não fique muito elevada, proporciona perspetivas muito bonitas em redor. Dali quase se podia ver o parque de campismo e a minha casa.

Mas as perspetivas sobre o porto eram as mais detalhadas, já que ele fica mesmo em baixo da colina.

Dava para ver perfeitamente por onde entrar e onde se formam as filas de embarque, se bem que percebia-se que o porto não tinha portas e a gente podia entrar em qualquer ponto se estivesse a pé.

Eu gosto de estudar as coisas para não ter surpresas e fui embora mais contente depois de perceber como funcionava o porto para não stressar quando fosse embarcar, já que o meu embarque seria no meio da noite.

Fui para casa que estava cheia de fome e cansada da falta de sol. Logo ao lado as esculturas chamaram a minha atenção.

É, não chovera durante o dia, mas a humidade tinha sido grande por todo o lado. Abri as malas todas e pus tudo a arejar, a ver se a coisa secava um pouco.

Home sweet home

As voltas que dei num dia e tão poucos quilómetros contabilizados no final! Apenas lamentei a falta de sol, o resto foi só prazer!

Amanhã vou para as ilhas do norte… se o tempo deixar!

19.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Fim de dia 

17 de agosto de 2019 (continuação)

Quando reservei as passagens para os ferries, havia a possibilidade de desembarcar nas Ilhas Faroé por 3 dias, o tempo que o ferry seguinte voltaria a passar, dado que as ilhas têm varias ligações à Dinamarca pois são uma região dependente dela. Cheguei a ponderar essa hipótese, sabendo que o arquipélago não é muito grande, por isso em 3 dias conseguiria ver muita coisa. Se pensarmos que o arquipélago tem uma área total inferior a qualquer distrito português, é fácil imaginar o quanto se pode visitar num distrito nosso em 3 dias!

No entanto, depois de ponderar bem, achei melhor ficar por 7 dias, até voltar a passar o ferry da Islândia, podia encontrar mau tempo, ter algum impedimento ou percalço e não conseguir ver nada nos tais 3 dias… e fiz bem!

Ali encontrei o casal de Malta, que embarcara comigo na ida e no regresso da Islândia e que tinha seguido essa opção, de ficar os tais 3 dias nas Ilhas e, coitados, estavam fechados do hotel desde que chegaram, apenas caminhando um pouco por Torshavn, saíram pela primeira vez de moto para irem até ali e apanharam tudo submerso em nuvens e nevoeiro. (é o que dá acordar tarde e gastar o tempo todo a tomar pequenos almoços em hotéis)

Estavam inconsoláveis pois iriam partir no dia seguinte de manhã, (pois os três dias, na realidade, não eram mais que dois dias e umas horas) e nada tinham visto das ilhas, foram até lá só para pagar fortunas para ficarem dentro de um quarto de hotel, sem paisagem, sabendo que há um mundo de belezas incríveis à espera, algures, inacessíveis a eles.

Eu é que fora inteligente, disseram eles, que tinham ficado com pena de mim por eu me ter disposto a acampar tanto na Islândia como nas ilhas, pois eles esgotaram rapidamente o orçamento da viagem em hotéis estupidamente caros para nada verem!

Pois, eu vira isso em casa, por isso optei pelo campismo. A diferença de preços nas ilhas era de 75€ por noite, no hotel mais barato para 12€ por noite no camping! Fácil a escolha, não? Ainda por cima os hotéis mais baratos esgotaram muito cedo e tão rapidamente que nem tive tempo de ponderar mais. A dois meses da minha partida já não havia qualquer quarto disponível a nenhum preço em todo o arquipélago. Então eu peguei na minha casa e vim monta-la na ilha.

E lá iam eles, todos miseráveis embora, levando como memória das ilhas toda a chuva e nevoeiro que viram…

Subitamente eu já nem me lamentava pela nevoa e chuva, tinha ainda tanto tempo para ver o que quisesse que, mesmo que chovesse, algo se revelaria antes de eu partir, dali a dias, yesss!

Eles acabaram por ficar algures no meio do percurso a conversar com outro motociclista que fizera a mesma escolha que eles e partiria no dia seguinte. Esse ainda saiu mais tarde do hotel e já nem o lago iria ver. Senti-me uma privilegiada por ter mais tempo. O outro motociclista nem me dirigiu a palavra, apenas comentava como fora estupido em não ter feito as coisas de outra maneira e lamentava o dinheiro que estava a gastar nas ilhas sem as ver.

Temos pena, amigo! Agora já não sou a miserável que acampa para gastar menos dinheiro, olha para mim e chora!

E lá fui eu passear pelos caminhos mais manhosos que encontrei, para ter outras perspetivas da paisagem e só porque o podia fazer!

Já que a paisagem estava meio encoberta, que eu a visse de ângulos criativos!

Comparando com outros caminhos que fiz na Islândia, aquele era bem simpático de fazer.

Ainda havia muita coisa que eu queria ver na ilha de Vagar. Provavelmente o tempo não me permitiria grande visibilidade, mas eu continuaria para a frente de qualquer maneira, afinal o meu uniforme mantinha-se: tudo vestido com o fato de chuva por cima, logo não haveria chuva que me assustasse!

Quanto ao nevoeiro, paciência, só me restava esperar que conferisse a cada paisagem um clima romântico de mistério e que não tapasse tudo! E a verdade é que havia algo cinematográfico ou teatral nas paisagens, graças à névoa!

Santo Deus, não era possível seguir conduzindo sem parar a cada quilómetro para apreciar o que me rodeava!

Eu sabia que nem todos os percursos são circulares naquelas ilhas, grande parte das vezes somos obrigados a voltar para trás pelo mesmo caminho, pois não há seguimento, mas mesmo assim, como nada me garantia que ao voltar houvesse visibilidade, eu parava aqui e ali e mais além e… enfim, tinha o dia todo para isso, que se lixe, paro onde e quantas vezes quiser!

Tinha passado por dois motociclistas a fazer o mesmo caminho que eu. Não sei porquê, mas não eram muito simpáticos.

Frequentemente isso acontece comigo, passo por motociclistas que me cumprimentam com sinais em “V”, eu também cumprimento sempre. De alguma forma sente-se alguma simpatia quando nos cumprimentam, é natural. Seguimos caminho perto uns dos outros, porque, na realidade, estamos a ir para o mesmo lugar e é como se por momentos estivéssemos a viajar juntos. São sempre momentos bonitos… até pararmos!

Depois de uma certa afinidade ao conduzirmos juntos seria de esperar dois dedos de conversa, alguma simpatia, sei lá! Mas nem sempre é assim…

Paramos as motos perto e a empatia quebrou-se assim que tirei o capacete! Eu já vi este filme varias vezes, noutras viagens, assim que percebem que eu sou uma mulher parece que ficam desorientados e não sabem falar comigo. Não entendo se se sentem intimidados, se ameaçados, não sei se pelo facto de eu ser uma mulher sozinha a andar por ali os incomoda… sei que se afastam e fazem de conta que eu não existo!

Enfim, é para o lado que eu durmo melhor, não preciso de companhia, e quanto menos tempo perder com parvoíces, mais coisas maravilhosas vejo e sinto!

Podia ver Tindhólmur, a ilhota magica com rochedos delumbrantes, meio escondida na bruma e isso era mais importante do que motociclistas carrancudos.

Uma pena, seguramente não a iria ver de perto.

Sabia que há barcos que nos levam até ela, em passeios por entre rochedos de formas curiosas, mas com aquela nevoa envolvendo tudo teria de deixar para outra vez… uma pena!

Segui para Gasadalur, uma aldeia rodeada pelas montanhas mais altas de Vagar. Que coisa linda!

As casinhas atraíam-me tanto! Se pudesse tinha entrado para ver como eram por dentro.

Os meus “colegas” de estrada foram diretos à cascata. A mim não me apeteceu ir lá, não naquele momento.

Eu queria ver os pormenores da aldeia, com as casinhas de turfa e os pequenos terrenos cultivados.

Um pormenor à entrada da aldeia!

Sølubúð, as voltas que eu dei para entender o que aquilo queria dizer! Acabei por conseguir traduzir de faroês para espanhol, pois para português estava difícil. E quer dizer “tienda” ou loja! Ao que parece os residentes põem ali suas coisas para outras pessoas usarem e pagarem por elas, havia descrições em inglês de produtos que costumavam estar à venda e estavam “out of stock” como bolinhos e coisas afins.

O nevoeiro aproximava-se e descia rapidamente, se eu queria ver a cascata de Múlafossur teria de me apressar!

Tindhólmur, a ilhota dos 5 picos estava quase invisível… Ok, tivera azar com a nevoa e a pouca visibilidade, mas tinha de admitir que ganhara perspetivas românticas e de mistério únicas! Há que ver a beleza do momento e nunca a perder gemendo pela beleza que poderia ter sido!

Não me apressei, caminhei pelo percurso demarcado com fitas. Curiosamente o piso era de relva tão espessa que parecia uma alcatifa grossíssima, que nem os muitos pés que por ali passavam tinham conseguido desbastar!

“Depois dos rochedos e dos recortes na falésia, fica a catarata, e no entanto foi a aldeia de Gasadalur e a envolvência que prendeu minha atenção! Não havia ninguém, apenas eu e os aldeões, que me olhavam com curiosidade, a bruma aproximava-se e rapidamente cobriu tudo, e eu não me importei. Apenas não me apeteceu percorrer correndo a distancia entre toda a beleza que me fascinava e a catarata, só porque “é obrigatório” lá ir! E vi pessoas chegarem, irem rapidamente até lá e partirem de novo… mas aparentemente eu não sou igual às outras pessoas e não tenho os mesmos objetivos!” (in Passeando pela Vida – a Página)

Não tenho vertigens, também não tenho atração pelo abismo, mas estas falésias sempre me fazem arrepiar e me provocam momentos de quase paralisia de êxtase.

É claro que eu hoje me arrependo um pouco de não ter ido ver a cascata, podia ter lá ido antes de o nevoeiro ter tapado tudo, e voltado para explorar a falésia depois. Mas não me apeteceu correr no ir e voltar… um dia volto lá e vejo e pode ser que até encontre céu e sol aberto!

Pelo que percebi a população da aldeia é de 11 pessoas! Não admira que se ouça e se leia que os faroenses stressam com o volume de visitantes, não é preciso muita gente para parecer uma multidão em aldeias de 11 habitantes, com uma das paisagens mais espetaculares e “instagraveis” do mundo!

Uma questão que eu me punha, sobre como são aparados os telhados das casas, e que descobri a resposta. É simples, colocam uma ovelha em cima e ela encarrega-se disso! Fantástico, ecológico e eficaz, quem pode querer melhor solução? Afinal estamos na terra onde o volume de ovelhas é o dobro do volume de habitantes! Por isso elas têm tanto ao mais direito a usufruir dos recursos!

E realmente a relva dos telhados parecia sempre aparada, nunca a via crescida a ponto de pender nas bordas. A ovelhas por ali são eficientes.

Um dia questionei-me se na Noruega, dado o clima e a latitude, não haveria vacas cabeludas como na Escócia. E sim, quando passeei pelo país, encontrei-as alegres e contentes pastando. Na altura fiquei eufórica, parei a moto e fui para o meio de pasto observa-las e fotografa-las.

Um outro dia, observando o mapa das Ilhas Faroé e a sua “proximidade” da Escócia, voltei a questionar-me se as famosas vaquinhas não estariam por lá também, sei lá, eu nem sou especialista em vacas e tenho algum receio delas (tenho sempre que um bicho é maior do que eu e a minha moto e pode atirar connosco ao chão!) mas apenas me questionei!

E lá estavam elas, no meio da bela pastagem verde, com as franja a tapar-lhe os olhos!
Não me contive e dei gargalhadas de satisfação! São tão fofinhas e simpáticas!

Há quem lhes chame vacas escocesas, eu há muito deixei de as chamar assim, por respeito às primas norueguesas e agora às vizinhas feroesas!

Ali é o fim da linha, não há caminho para a frente, por isso tem de se fazer o mesmo caminho de volta.

É os rochedos estavam ainda mais encobertos, apenas me restava vê-los de longe e seguir caminho.

Ainda que as ruas sejam as mesmas, olha-las na perspetiva inversa é sempre interessante e dei comigo a parar no mesmo sítios da ida, apenas porque eram muito bonitos vistos em todas as direções!

Lá estava Bøur ao fundo. naquele país todas as terras têm seu próprio mar, sua própria baía, ninguém está longe da água!

Na realidade dizem que nenhum ponto no arquipélago está a mais de 5 quilómetros do mar, isso é algo de espantoso! Caso para dizer que o mar é mesmo de todos por ali!

Bøur é uma aldeiazinha fofa, entre a curva do monte e a curva do mar, que tem 74 habitantes, dizem. A mim pareceu-me que tem mais casas do que pessoas!

Não desci, a vida ensinou-me que grande parte das aldeias com enquadramentos bonitos à distância, estão a mostrar a melhor perspetiva de si, pois de perto são bem mais banais. E por ali não era diferente e eu sentia quando eram muito parecidas com o que já vira!

“As Ilhas Faroé foram a bonança depois da tempestade! Depois do percurso exigente na Islândia, deixar deslizar a moto pelos caminhos deslumbrantes de paz, com o verde a emoldurar magnificamente cada quilómetro, era tudo o que eu precisava. Mesmo com a bruma e a visibilidade reduzida, o mistério e o deslumbramento fizeram-me tão bem, como o desfolhar calmamente de um livro de viagens no conforto de um lar…” (In Passeando pela Vida – a Página)

Sørvágur, uma das mais antigas aldeias das Ilhas Faroé. Nos anos 50, ao construírem uma nova escola, descobriram um antigo assentamento Viking.

Durante a Segunda Guerra Mundial ali se alojaram os engenheiros britânicos que construíram toda a infraestrutura da vila bem como o Aeroporto de Vagar, o porto em Sørvág e diversas estradas e pontes. Para isso, eles tiveram de mover casas inteiras para outros locais! Acho que é a vantagem das casas de madeira, embora se movam também casa de pedra e cimento armado, para além de manterem melhor o calor no interior.

A Sørvágs kirkja, igreja do séc. XIX, é a coisa mais proeminente na vila para quem chega. É preta, tem muito espaço em volta e um cemitério em seu redor, dentro de um muro de pedras irregular. Claro que me chamou a atenção, mas estava fechada…

Sandavágur estava já debaixo de um espeço nevoeiro, se não a tivesse visto na ida, seguramente na volta não a veria, pelo menos não a partir da estrada!

Mas mesmo assim deu para ter outras perspetiva lá em baixo, mais de perto, só para ver como era o mar de areia negra com todo o nevoeiro.

E era curioso o conjunto, como se eu estivesse no meio de uma foto a preto e branco.

Acho que entendi porque a igreja é branca e vermelha, é para as pessoas a encontrarem no meio de cinzento dos dias de nevoeiro! ahahahah

Parece que à minha aproximação o céu se abria um pouco, só para eu não fazer troça da falta de cor na paisagem, e ver como o verde ainda era verde por todo o lado!

E sim, aquilo é bonito de qualquer maneira!

E lá fui seguindo para casa, apreciando o que me era permitido no meio da nevoa, em paisagens sempre arrebatadoras, com baias negras e montes verdes em todo o lugar!

Eu já me habituara tanto à falta de arvores, que apenas olhava em redor e pensava, por não existirem é que se podia ver toda a beleza dos montes, como campos de futebol que sobem e descem infinitamente!

E depois há as cataratas, os regos de água e as nascentes, por todos os lados, sem nem haver filas de turistas para as ver, porque são tão frequentes e banais que se passa por elas quase sem dar importância! Eu iria perceber com a continuação das explorações o quanto isso era banal e verdade!

A falta de sol começava a fazer-se sentir no meu ânimo. A combinação de frio e nevoeiro é deprimente e não havia nada que eu pudesse fazer contra isso!

Mesmo assim, o passeio daquele dia fora muito produtivo e nem por isso molhado, não tinha do que me queixar quanto a isso.

Tomei um banho quente, por ali é fácil levantar moedas para o banho com cartão multibanco, e fui-me juntar aos mochileiros que tomavam café no banco em cima do muro de relva, junto à minha tenda. Não chovia, mas o tempo arrefecia rapidamente. Estávamos todos equipados como esquimós e gordos de tanta roupa que vestíamos. Ainda demos boas gargalhadas pelo serão, até gelarmos totalmente e voltarmos para as nossas casa.

Foi tão bom dormir quentinha, com o corpo relaxado, porque não foi puxado ao limite naquele dia…

18.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– As ilhas do sul 

17 de agosto de 2019

Acordei às 4.51h da manhã, sabe Deus porquê, considerando que a meteorologia prometia chuva e eu devia aproveitar para dormir. Mas, para minha felicidade, havia sol no horizonte! Subitamente senti-me eufórica. pouco importavam as previsões, eu iria sair rapidamente para aproveitar a nesga de sol, isso era garantido!

Pus-me a estudar o mapa do arquipélago. As ilhas de Sandoy e Suðuroy estavam fora de questão, eu não me iria meter em ferries para as visitar e sujeitar-me a ter de pernoitar lá se o mar não me permitisse voltar no mesmo dia. Iria dedicar-me às ilhas com ligação por estrada, estava decidido.

Gatinhei para cima do muro de relva, arrastando comigo o meu pequeno almoço. Eu tinha de ter a certeza de que o sol vingaria, nem que fosse um pouco apenas!

Na realidade ele não apareceu verdadeiramente, enquanto eu tomava o meu café, apenas se mostrou por trás das nuvens, mas isso já era alguma coisa, depois de tanta chuva!

O certo é que, mesmo que no mar a visibilidade não fosse a melhor, em terra a paisagem começava a ver-se ao longe e isso era muito animador!

Que se lixe, vou passear! Se desatar a chover ou a visibilidade for nula, pelo menos a aventura de conduzir por estradas nunca antes por mim trilhadas, ninguém ma tira!

E as perspetivas sobre Torshavn eram encantadoras, com o calor do sol a fazer a névoa subir e a dar a tudo uma atmosfera féerica! WoW

Não podia deixar de me sentir eufórica, o sol viera para ajudar! Yesss

De alguma forma conduzir por ali era tão parecido e tão diferente de conduzir pela Islândia! Não apenas porque não estava vento, era algo cá dentro de mim que sentia que ali tudo era diferente!

Sobe-se rapidamente e rapidamente se desce, e a névoa faz parecer que alcanço o céu.

Ora bem, antes que o sol se arrependesse e fizesse justiça às previsões de mau tempo, eu tinha de conferir uma paisagem que me apaixonara muito tempo atrás, Norðradalur por ali, à esquerda.

Não é fácil seguir caminho com tantos enquadramentos belíssimos a chamar a atenção e eu ia parando a todo o momento para olhar em redor e tirar fotos. Quando não se tem a certeza de poder usufruir de toda a beleza, é preciso aproveitar cada pedacinho enquanto se tem oportunidade!

E no topo da colina lá estava o que eu queria ver com os meus próprios olhos…

Pousei a moto e fiquei a olhar.

Ver fotos de uns e de outros é interessante, mas olhar diretamente com os nossos próprios olhos é deslumbrante!

“Quando o sol espreitou finalmente eu “sai correndo” como dizem os brasileiros! Era como se a natureza voltasse à vida em todo o seu esplendor, sem qualquer partícula de poeira no ar a perturbar a beleza do amanhecer. Saí da estrada, percorri estradões íngremes, pulei de pedra em pedra, parei, sentei e apreciei… como eu precisava daquela paz depois dos dias difíceis, feitos de chuvas e ventos fortes, que passara na Islândia…” (in Passeando Pela Vida – a Página)

Quanta pureza pode uma paisagem conter?

Lá em baixo fica Norðradalur, uma pequena aldeia de apenas 15 habitantes. A aldeiazinha fica no fundo do grande vale com montanhas íngremes em seu redor. Embora se situe perto de Tórshavn, está muito isolada, pois está sozinha ali com uma estrada apenas para sair e entrar!

Ao fundo podiam-se ver Koltur e Trøllhøvdi, duas pequenas ilhas tão icónicas naquele enquadramento! Passou-se uma eternidade de puro êxtase até que eu conseguisse voltar a pegar na moto…

E a estrada era tão fantástica quanto a paisagem, em curvas inspiradoras que iam revelando mais e mais à medida que eu a descia.

“Gosto quando a estrada se encaracola diante de mim e a paisagem fica ao alcance do meu olhar enquanto conduzo. É como um filme em tela gigante que se desenrola em tempo real! Sigo fascinada sempre hesitando entre apreciar a condução, ou parar a cada quilômetro para registar o que os meus olhos veem. Então desço e volto a subir e aproveito tudo aquilo a que tenho direito, porque estou só e não há mais ninguém no meu caminho!” (in Passeando Pela Vida – a Página)

A água corria por todos os lados, em regos e regatos, como se todo o monte fosse uma imensa nascente ou fonte.

A sensação de andar a passear num imenso cenário de realidade virtual era tão forte! Um imenso postal ilustrado em 3 dimensões que me envolvia de forma surreal!

Eu iria perceber com o tempo que o mar por ali nunca está “limpo”, há sempre ilhas, ilhotas, pedras ou penedos ao alcance do olhar, o que faz com que cada perspetiva sobre ele seja sempre ainda mais fascinante do que sobre um mar liso.

Iria perceber também que o verde está por todo o lado e desce até à beirinha do mar, onde o rebordo negro da pedra determina o limite entre terra e água de uma forma impressionante.

Koltur e Trøllhøvdi tão perto!

Fiquei tempos infinitos olhando e demorei horas a saír dali, porque a atração era tão grande que eu simplesmente me pus a caminhar em redor!

E quando peguei na moto ainda fui explorar mais um pouco.

Acho que a experiência violenta na Islândia me tornou mais arisca e aqueles caminhos chamavam tanto a minha atenção!

Ok, ganha juízo que os caminhos estão tão ensopados que ainda te vais esbardalhar na lama mais a moto!

Enquanto o sol me inspirasse eu seguiria!

Vagar é uma das maiores ilhas do arquipélago e a mais ocidental e tem passagem por estrada. Percebi que tinha portagem e que funcionava como na Islândia: a gente passa e depois tem um ou dois dias para pagar a portagem. Mas não conseguia ver preços para motos! Será que, como na Islândia, motos não pagam? Pensaria nisso depois.

A estrada desce e atravessa a distância entre ilhas por baixo de água por 5km. O túnel foi contruído para dar apoio ao aeródromo, que é o único nas ilhas e foi construído pelos ingleses durante a segunda guerra mundial. Passei por ele nas minhas explorações, não tem nada de especial, mas a ilha é deslumbrante!

Desde as perspetivas do mar, com terra por todos os lados, à simples estrada que não tem nada de simples, tudo é fascinante em redor!

Não ha muitas estradas por ali, a gente segue em frente e vai sempre dar a algo bonito, simples!

E cheguei a Sandavágur, uma cidadezinha encantadora. Acho que se pode considerar uma cidade, afinal tem quase mil habitantes, o que é uma verdadeira multidão para aquelas ilhas!

A sua igreja é muito bonitinha, por fora pelo menos, que por dentro não pude visitar!

Com o cemitério em redor, como um jardim muito bem cuidado.

Uma pena o nevoeiro estar a instalar-se, porque aquelas paisagens ficariam encantadoras com um céu azul cheio de nuvens brancas!

A igreja está voltada para a baía negra com um riacho a correr na sua frente, mas já quase nem se via para longe. Bosta de tempo que não queria melhorar!

Andei a chapinar na água, a vantagem de se ter botas impermeáveis e quentes

Sandavágur quer dizer “baía de areia” e realmente lá estava a praia de areia negra!

Claro que lá fui por as minhas patinhas!

Dali podia ver perfeitamente a igreja, tão bonita quanto caraterística da cidade.

E fiz um desenho. A vontade era desenhar tudo a toda a hora no meu caminho! Pena eu não ter todo o tempo do mundo para o fazer convenientemente!

Tão lindo mesmo sem sol!

Eu tinha de seguir, mesmo sem ter a certeza de que o nevoeiro me deixasse ver muito, pois havia tanta coisa bonita que eu queria ver por ali, como o famoso lago de Sørvágsvatn, o maior das ilhas!

Que pena, ele estava ali, lindo, por entre as brumas!

Para lá do lago fica o mar. Um lago sobre o mar é a coisa mais fantástica que a gente pode encontrar!

Há sempre onde se tomar um café para aquecer as mãos e a alma!

As árvores são uma coisa rara, nas ilhas como na Islândia, e quando eu as encontrava fazia uma festa dentro de mim!

Logo à frente fica o caminho, maio manhoso, para chegar ao inicio do trilho que leva pela borda do lado até ao mar, sempre subindo.

Eu perceberia com o tempo que ali tudo se paga e, mesmo no meio do campo, há sempre uma cabine ou um torniquete onde a gente enfia o cartão multibanco se quer continuar a explorar. Nada a fazer, é assim e pronto!

Podia ver o mapa do trilho com mais 5km até ao ponto onde toda a gente quer ir.

E pronto, bora lá caminhar, meio andando, meio escorregando, pelo trilho molhado e por vezes enlameado!

Por entre a música do meu telemóvel, as fotos foram aos milhares, para que nada se perdesse do caminho a fazer, antes que a bruma tudo apagasse.

A água corria por todos os lados, em regos aos milhares! Definitivamente aquele lago não sofria de falta de alimento!

Por vezes eu tinha a sensação de que estava sozinha no mundo, apenas eu e a natureza.

Por quanto tempo a paisagem seria visível ainda?

Ao fundo podia ver o fim do lago, para lá daquele ponto ficava a falésia sobre o mar. Fascinante mesmo visto daqui e com a atmosfera de mistério que a névoa conferia, era fascinante na mesma!

Podia ver pequenos pontos de gente que caminhava também, mas era mais a solidão do que a companhia.

A sensação de que o caminho nunca mais acabava, no entanto, era grande, como se tudo se afastasse à medida que eu ía avançando.

Ok, do nada aparecia alguém, como se a cada saliencia do terreno mais caminho houvesse e escondesse gente!

A sensação era de que a qualquer momento eu deixaria de ver o lago, por isso o fotografava a cada vez que olhava para trás.

Então cheguei às primeiras falésias! Wow, incrível! Nada me tinha preparado para as ver assim depois de uma saliência no terreno! Eu pensava que elas começavam mais além.

Espantosas!

Não há nada que nos impeça de dar um passo em falso e cair lá abaixo!

Sim, dá um friozinho na barriga!

Puxa, se eu caio daqui abaixo nem os ossos me encontram!

E, por um momento, podia ver o lago de um lado da falésia e o mar do outro!

Pessoas que não vira apareciam sabe-se lá de onde!

A lama não deixava subir e os pés escorregavam enquanto todos caminhávamos em falso. Uma animação!

Eu, e todas as pessoas por quem passei, já estava toda suja de lama, por isso sentar na relva e desenhar não me sujaria mais! Eu tinha de captar aquele momento no meu livrinho…

Do outro lado ficava a escarpa onde o lago transborda para o mar numa cascata de mais de 30 metros. Assim que lá cheguei dei um belo trambolhão nas pedras… já estava a tardar, ainda não tinha caído naquela terra! Mas cair ali foi, no mínimo, meio aterrorizante!

Havia por ali varias pessoas que acorreram a ajudar-me a levantar, pois as pedras eram mesmo escorregadias.

Sentei-me um pouco, não se via muito e cada vez a visibilidade diminuía mais. E enquanto fiquei curtindo o momento do desaparecimento do mar, perdi a conta a quantas pessoas caíram onde eu caí! Era assustador cada vez que alguém se esticava, pois parecia que ía parar lá abaixo…

Fui tirando fotos a uns e a outros, toda a gente quer uma recordação de quando ali esteve, de pé, de preferência, não me assustem mais, vá lá!

“Esta atmosfera de mistério encanta-me, quando o precipício se prepara para desaparecer e toda a gente fica triste, mas a beleza se transforma em encanto…” (in Passeando pela Vida – a Página)

Este dia promete ser longo…

(continua)

17.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Tórshavn, passeando pela capital

16 de agosto de 2019

Aquela noite foi realmente de bastante chuva.

Depois do magnífico nascer do sol que tudo iluminou, seguiram-se as trevas e a chuva permanente. Felizmente eu durmo bem com barulho e luz, por isso aproveitei para por o sono em dia dentro da minha tenda.
Do sol ficou apenas uma rápida memória!

O som do mar e o piar das gaivotas, que parecia miado de gatos, embalou-me até certo ponto, mas eu não podia ficar todo o dia na cama! Com chuva ou sem ela eu iria sair e passear!

Para lá do muro de relva o horizonte desaparecera no nevoeiro. Que pena, tanta coisa que eu queria ver e o tempo estava aquela bosta. Depois de tantos dias a suplicar pelo fim do vento, sentia que iria passar os próximos ali a suplicar pelo fim da chuva! Valha-me Deus!

Eu dormira cheia de roupa, como é obvio com o frio que estava e, só de pensar em ter de tirar tudo aquilo para tomar banho, a vontade era de sair assim mesmo! Peguei nos meus tarecos todos e lá fui, a quantidade de coisas que trazia vestida era para demorar. Na parede do chuveiro avisava para não se pousar nada no chão, porque a água sempre o inundava com o banho, por isso fiz uma ginástica para ir pendurando tudo à medida que despia:

o gorro,
o impermeável,
o blusão da moto,
a camisola de cima,
a camisola interior térmica,
a t-shirt,
as botas da neve,
as meias térmicas,
as calças impermeáveis,
as calças de ganga,
as calças térmicas interiores,
a roupa interior,

Ok, ali não estava tanto frio como na Islândia, tinha de pensar em vestir menos roupa… ou não, que a humidade gela a gente quando estão 9 ou 10 graus…

Então, quando ía toda catita, em pelote e chinelinho de dedo, tomar o meu banhinho… era preciso pôr moedinha para acionar o chuveiro! A SÉRIO?
Volta lá a vestir tudo outra vez, que tu ainda nem viste com o que se parece a moeda faroesa…

A receção estava fechada, para eu tentar arranjar a moeda, e sim, tive mesmo de ir passear sem banho tomado… merda!

Iria dedicar o meu dia a passear pela cidade, já que o tempo estava uma bostazinha qualquer.

Bem, já que não se toma banho, ao menos que se coma algo, não?

Perto do parque de campismo fica tudo, afinal ele fica muito perto do centro da cidade! Verdade seja dita, numa cidade que cabe mais de 5 vezes em Penafiel (e Penafiel é uma cidade pequena) tudo fica perto do centro!

Aquele seria o meu supermercado para os próximos dias, onde eu abasteceria o meu frigorifico e encheria a barriga, a cada vez que o tempo me prendesse em casa, ou depois das minhas explorações!

Nunca fiz as coisas tão relaxadamente ao explorar uma cidade. Tudo é tão perto que nem seria necessário ir de moto, mas já que estava com ela, não a iria deixar em casa para seguir a pé. Dei umas voltinhas em redor e fui parar na zona mais antiga da cidade, onde as casinhas de madeira pintada de preto, com janelas coloridas e telhados de turfa quase se encostam umas à outras, deixando apenas pequeno caminhos entre si.

Claro que não havia ninguém nas ruinhas!

Os turistas deviam estar a curtir os seus quartos de hotel e os habitantes enfiados em casa, que o tempo não estava para passeios!

Isso deixava-me livre e à vontade para apreciar os pequenos recantos e pormenores, sempre com a sensação de que andava a passear no patios de alguém!

“Depois do terrível vento islandês, a chuva nas Ilhas Faroé eram o paraíso! Claro que eu queria passear pelas ilhas e a chuva e nevoeiro não deixavam ver muito, mas eu estava a precisar daquela paz. Então passeava-me por Tórshavn, ali mesmo ao lado do parque de campismo, com ruelas estreitinhas ladeadas por casas com mais de 3 séculos de telhados de turfa, como quem passeia numa cidade de bonecas. Apesar da humidade no ar, consegui fazer vários desenhos, usando a própria agua da chuva para fazer as aguarelas e os colorir.” (in Passeando pela Vida – a Página)

Ali ninguém parece preocupar-se com barreiras ou armadilhas arquitetónicas, apenas caminham pelos caminhos que têm, sem corrimões, grades ou proteções para regos e desníveis!

E parece não precisarem de casas gigantescas, com muros altos ou sebes para proteger tudo de olhares alheios! Pelo contrario, vivem porta com porta pacificamente como sempre foi, desde há séculos.

E, na verdade, tudo é tão bonito assim!

Os pormenores são como ilustrações retiradas de livros infantis!

Literalmente, eu já não sabia onde era caminho publico e caminho privado, afinal nada me impedia de andar por todo o lado!

Depois de subidas e descidas, tomei um caminho que, pelas minhas contas, me levaria ao porto mais abaixo.

Sim, meti a moto em sitios que, se calhar, não devia, mas ela passou e isso é que era importante!

E lá estava o porto e a outra parte da cidade histórica que eu queria ver de perto, onde as casas deixam de ser negras e passam a ser vermelhas: Tinganes

Tinganes é a zona antiga da cidade, composta por casas de madeira com telhados de relva, que ocupa uma pequena península, onde fica o Parlamento Faroes, o Løgtingið.

Podia vê-la do outro lado da água mas, tal como eu imaginava, perfeitamente acessível de moto!

Por ali era tudo meu, podia pousar a moto onde quisesse que não havia mais ninguém para se estacionar!

E comecei a passear pelas ruínhas e ruelas ladeadas de casinhas vermelhas, impecavelmente conservadas.

” No meio de tanta chuva, que não dava sinais de ir abrandar, eu fui passeando pela cidade. Pertinho do parque de campismo fica o porto e, bem no meio, a famosa península de Tinganes, de casinhas vermelhas com telhados de relva. Ali ficam as diversas dependências do governo das ilhas, em casinhas com 3 ou 4 séculos! Com aquele aspeto de casinhas de pescadores, é um dos conjuntos parlamentares mais antigos do mundo em funcionamento e claro que eu tinha muita curiosidade de ver de perto! Não imaginava que se podia passear por ali livremente e caminhar até ao mar, sem qualquer restrição. Foram momentos muito bonitos que guardo na memória, pela beleza das ruelas e pelo silêncio apenas cortado pelo som das águas e o piar das gaivotas!” (in Passeando pela Vida – a Página)

Claro que tal nome chamou a minha atenção! Portugalid é uma antiga prisão com casa de guarda.

Pode-se literalmente andar por todos os caminhos ali, não há nada que nos impeça de seguir, nem nos proteja de cair! Cada um é responsável por si mesmo!

Depois dá-se a volta, porque nem todos os caminhos têm saída, e pode-se ir até ao fim da península

O último edifício é o Skansapakkhusid, uma construção que serviu para armazenamento e hoje abriga os escritórios do primeiro-ministro faroês.

E o limite da pequena península, em pedras sem qualquer proteção ou impedimento, para quem se quiser aproximar!

Definitivamente não havia muita gente pelas ruas naquele dia!

Há diversos exemplares de arte urbana pela cidade e edifícios decorados com pinturas criativas nas suas fachadas, em vez da pintura básica e lisa tradicional

E então lá estava um jardim muito bonito!

Eu vira-o desde Tinganes, encimado pela catedral

A Catedral de Tórshavn é um edifício do século XIX, é luterana e apenas foi consagrada catedral em 1990 quando a igreja faroesa se tornou independente de Copenhaga!

Estava fechada, uma pena pois teria sido giro vê-la por dentro, igrejas de madeira sempre me atraem a atenção!
Mas eu iria voltar para a ver, afinal a minha casa era bem perto.

A Câmara de Torchavn fica do outro lado da rua, diz-se Rådhus Tórshavn e eu adoro a bolinha em cima do “a”

mas muito mais interessante, bem abaixo da pequena colina da catedral, fica a H. N. Jacobsens Bókahandil, a mais antiga livraria das Ilhas Faroé e uma das lojas mais antigas, ainda em atividade, nas Ilhas. Foi fundada em 1865 por um encadernador e continua, hoje, muito bonita, cheia de coisas interessantes, preços fantásticos e funcionarias muito simpáticas.

Claro que me perdi lá dentro por muito tempo e por diversas vezes naqueles dias, e comprei uma pequena série de coisas que adoro, como pinceis, tinta da china, lápis e blocos de desenho… enfim, há quem compre souvenires de viagem e há eu, que compro material de desenho…

O meu dia estava por minha conta, por isso o meu almoço foi tipo lanche ajantarado, porque quem come uma pizza familiar às 6 horas da tarde está a concentrar, de uma só vez, todas as refeições do dia…

Coisas que gosto de apreciar numa cidade longínqua, são as suas lojas, como funcionam e o que vendem…

.. as roupas que se usam em eventos, roupas tradicionais e costumes em tais momentos.

Gosto de apreciar o cuidado que é dedicado aos cafés e esplanadas, isso mostra muito do que a cidade é, afinal um barraco no centro da cidade meio podre e todo sujo não seria de esperar numa capital tão pequena, onde todos se devem conhecer!

E, na realidade a organização, limpeza e cuidado com os pormenores cativou-me, definitivamente!

O Kioskin hjá Astu, que lindo nome!

Momentos em que qualquer um se sente pequenino!

Ainda subi à parte alta da cidade para ver de perto um edifício que me prendera a atenção desde o primeiro momento

Mas estava fechado. Uma espécie de igreja, centro paroquial, centro de recolhimento, algo de tudo isso, numa construção com um chapéu gigante. Só espero que quem projetou aquilo tenha aproveitado bem aquele sótão enorme. Tive de pôr a moto perto para servir de escala e não me deixar esquecer da dimensão estupida daquilo!

E voltei para casa, que o tempo estava a ficar cada vez mais irritado! Até as ovelhitas, nossas vizinhas, estavam meio desorientadas com a lã toda ensopada!

O parque de campismo estava alagado e a humidade no ar era quase palpavel.

Não sei onde aquelas motos todas tinham ido, mas já estavam de volta quando a minha se lhes juntou.

Uma agradável variedade de modelos se juntou em filinha:

Uma Tenere de Inglaterra
Uma África Twin da Dinamarca
Uma V-Strom da Inglaterra
Uma Transalp da Inglaterra também
E a minha CrossTourer de Portugal

Um belo bando de motos a tagarelar entre si, enquanto os seus donos se punham a tagarelar também lá dentro 😉

Aquele serão foi feito de memórias da Islândia. Um grupo de motociclistas comentara que eu fizera a Islândia toda sozinha por isso quando cheguei chamaram-me para o grupo. Fiz o meu chá e sentei-me junto deles.

Várias pessoas queriam saber como era passear por lá, as paisagens, as condições de acampamento, as distâncias e as belezas naturais. Eu queixava-me que não tinha conseguido ver tanta coisa, quando os três fulanos, que tinham vindo de lá no mesmo ferry que eu, chegaram à conclusão de que, perto do que eu vira, eles não tinham visto nada! E quiseram ver as minhas fotos no meu telemóvel como todos os outros, como se como eles, nunca lá tivessem estado! Foi tão bizarro!

“Ninguém volta igual depois de visitar a Islândia de moto sozinho!” disse um viajante dinamarquês, que viajava em grupo.
Percorrer aquela imensidão, lutando contra ventos ciclónicos e vencendo os obstáculos mais inesperados sem um cúmplice, a sós com a sua moto, muda um viajante para sempre. Por isso ele teria de lá voltar um dia, sozinho, quando tivesse coragem.
Parabéns para mim, concluiu ele!

E eu escrevi, para não me esquecer das suas palavras…

E viram o meu pequeno vídeo do embarque vezes sem conta. Eles tinham GoPro, mas não tinham filmado nada de especial e nem se tinham lembrado de filmar o panorama da partida. Eu nem uma camara de capacete levei…

Estava um frio de morrer, fui buscar a minha botija e enchi-a de água quente debaixo do olhar mais surpreso daquela gente, e fui dormir quentinha. Naquela noite vários deles dormiriam na sala de estar porque estavam gelados e molhados demais para dormirem nas tendas.

É, molhar um saco cama de inverno é do pior que pode acontecer, nunca mais secaria com toda aquela humidade…

16.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Adeus Islândia –

15 de agosto de 2019

Acordei tão cedo!

É sempre assim em viagem, não há despertador, ando cansada e, mesmo assim, acordo com as galinha! A excitação do que há para fazer é maior do que todo o esforço, cansaço ou desalento que me preencha. Ali a preocupação era o que me fazia acordar cedo. É sempre assim, quando tenho de apanhar um ferry. Sempre que as coisas não dependem apenas de mim, tenho receio de chegar tarde, de me enganar no sitio onde devo estar para embarcar, de ter algum percalço e perder o meu embarque.

Eu tinha muito tempo para chegar a Seyðisfjörður, afinal estava a apenas 70 e poucos quilómetros e o embarque era só às 10.30h, mas não há nada a fazer, acordo cedo e pronto!

Depois tinha um ancoradouro só para mim, com uma paisagem privilegiada e uma paz só minha para viver!

Quanta serenidade! Uma pintura ao vivo só para mim, pois não havia nada nem ninguém acordado àquela hora!

Ok, provavelmente a tripulação do barco de pesca estivesse alerta, e apenas eles e eu!

Como eu queria ter mais tempo naquele país!

Quando reservara os ferries decidi por uma semana na Islândia e uma semana nas Ilhas Faroé, não foi uma decisão fácil, mas acabei por deixar assim. Estando lá, a caminho da partida, lamentava tanto não ter reservado duas semanas na Islândia…

A cidadezinha de Eskifjörður dormia ao longe. Eu tinha a certeza que a atravessaria completamente sozinha.

Na minha frente o Holmatindur, hoje era completamente visível. Há quem vá ali para o escalar.

O Hólmatindur é uma montanha muito apreciada, tem 985 m de altura e não é fácil de subir até o topo. Lá de cima a vista é deslumbrante e dizem que vale o esforço. Quem chega ao topo pode escrever seu nome num livro de visitas e, posteriormente, obter um selo. Juntando 5 desses selos, (o que implica subir 5 vezes!) obterá o título de Conquistador da Montanha. 

Coisas que o clube de caminhadas local, Ferðafélag Fjarðamanna, organiza e a que muita gente adere.

Cada momento contava tanto, sabendo que deixaria o país e não poderia voltar atrás fazia-me viver tudo ao segundo.

Arrumaria as coisas na moto de acordo com o que tiraria e levaria comigo para o barco. Esse é um dos cuidados a não negligenciar, pois eu detestaria ter de abrir sacos, saquinhos e sacolas no porão do ferry, como vira muitos fazerem.

Costuma-se dizer: quem vai para o mar avia-se em terra! E era literalmente essa a minha situação, por isso bastar-me-ia abrir a top case para, ao por o capacete tirar a sacola que levaria comigo e pronto!

Tudo estava deserto na casa, o que facilitou tanto o meu trabalho. Pude trazer os meus sacos e organizar-me calmamente

Quando se tem tempo, tudo se faz tão facilmente! Embora eu seja uma pessoa prática e descomplicada, que prepara um saco para uma viagem em meia hora, detesto fazer as coisas a correr, tenho sempre a sensação de que algo fica esquecido.

E vamos lá, fazer os 70 e tal quilómetros até ao porto, com todo o tempo do mundo, olhando tudo o que houver em redor, para guardar como ultima memória daquele país apaixonante!

Os vizinhos ainda dormiam como passarinhos ou, pelo menos, as suas motos sim!

A minha motita mostrava um pouco pelo que tinha passado, nem a chuva nem o vento tinham conseguido apagar os traços da lama que foi recolhendo ao longo dos dias!

E quando eu digo que era cedo… era cedo mesmo!

5.22h da manhã, eu sei que sou meio esquisita em viagem, faço muito esforço, ganho muita energia, multiplico a minha força e adquiro uma resistência aparentemente infinita. Acordo quando quero e mesmo assim durmo pouco!

A serenidade das águas fazia o mar parecer um lago. O mar entra pelo rasgão na terra até ali, perdendo toda a sua força e ficando como um espelho.

A organização das localidades não é muito coerente, por vezes, como se as casas não se relacionassem muito umas com as outras. Ficam meio cada uma por si, voltada para onde quer. E do lado da montanha, lá estava mais uma igreja de formato curioso. Parece que por aquele país é comum as igrejas serem edifícios diferentes e meio arrojados até, por vezes!

As perspetivas do braço de mar eram grandiosas em todos os ângulos, enquanto eu dava a volta para passar para o outro lado para me ir embora…

Uma ponte faz a ligação entre a cidadezinha e os domínios do famoso monte Holmatindur, que eu via da minha casa naquela noite.

Depois começa-se a subir, contornando o monte, e a perspetiva sobre o mar é de cortar a respiração!

Tinha consciência que ia parando de quilómetro em quilómetro, mas não podia evitar, estava no modo despedida e isso fazia-me querer guardar cada momento, cada perspetiva, cada sensação, para memória futura, para os tempos em que a vida não me permitiria voltar ali…

Tão agradável aquele caminho, sem vento, nem chuva, apenas eu e toda aquela paz e beleza.

Contorna-se o monte Holmatindur e tudo em redor é a sua reserva natural

E o mar acompanha, formando um “Y” em relação a Eskifjörður, conferindo a tudo uma beleza extraordinária que me lembrava os lagos da Noruega!

Havia neve no topo dos montes, mas não estava muito frio… ou eu já enfrentara tanto que aquelas temperaturas pareciam-me amenas?

Qualquer rego de erosão era uma pequena cascata e eu podia ouvir água que caia em todo o lado, ecoando pelos montes em redor.

Cada passo caminhado era um passo de despedida. Registava na mente o quanto eu queria ver mais para não me esquecer de voltar….

Pus-me por ali a morder bolachas e a desejar não ter de ir embora!

Imaginava se tivesse mais uma semana o que eu poderia fazer, agora que o vento se fora! Seguramente ocuparia cada novo dia com mais e mais descobertas e caminhadas que ficaram por fazer!

E fui seguindo para Seyðisfjörður, queria apreciar o caminho como não pudera fazer ao chegar, quando o tempo estava miserável e fui recebida por ventos ciclónicos e brumas densas e deprimentes.

E realmente pude ver toda a beleza do caminho como nem sonhara que fosse!

Apenas dois carros passaram por mim, parece que o povo estava finalmente a acordar! De resto era o vazio e eu, como em toda a ilha fora!

Não me lembrava de ter visto lagos ou montes, não me lembrava de ter visto nada mais do que poças de água e apenas quando estavam bem perto de mim, tal era a densidade do nevoeiro, quando eu chegara!!

Mesmo sem sol aberto o caminho era deslumbrante, com farrapos de neve sobre os montes a estrada ladeada de paisagens verdes irregulares.

Não podia deixar de me sentir nostálgica ao avançar para a partida, mas estava feliz por os meus últimos quilómetros serem tão bonitos!

Cheguei finalmente ao pequeno passo de montanha que é a estrada que leva até Seyðisfjörður. Curiosamente o carro que passara por mim lá atrás ainda o descia muito devagarinho. Eu podia ver o ponto branco que ele era lá em baixo na curva. Difícil de acreditar que alguém stressasse a descer aquilo!

A catarata que eu vira ao chegar devia ser por ali e eu queria vê-la de perto agora, sem chuva.

Então eu percebi porque o carro seguia tão devagarinho! Tinham coberto a estrada com gravilha, muita gravilha! Provavelmente fazem isso para a estrada ficar circulável no inverno com neve e gelo, mas era horrível conduzir assim!

Aquele mar de gravilha estava solta, não tinha sido prensada, e a moto derrapava ao rolar sobre ela, sobretudo devido à inclinação da estrada. Fazer as curvas, então, era o inferno total! As rodas enterravam e a moto derrapava, fazendo regos na gravilha como se fosse areia!

Nada me preparara para aquilo, nem os percursos que fizera fora de estrada, pois sempre havia mais consistência nos pisos que fizera!

Parar na catarata foi um momento de alivio no meu caminho!

Gufufoss é uma cascata muito bonita, num rio que eu seguira de cima e que tem muitas outras mais pequenas. Por aqueles dias não estava tão forte como dizem que pode ser, ao ponto do seu nome querer dizer algo como “cascata de vapor” provavelmente porque quando a água é muita, cai com tanta força que levanta muito spray.

O rio continua seu caminho na descida meio vertiginosa até à cidade lá em baixo.

Parece que a gravilha não estava por todo o lado e eu lá fui seguindo mais sossegada!

Mas a ilusão de sossego passou ao perceber que era precisamente nas curvas que ela estava aos montes! Nas retas não tinham colocado nada! Estes gajos são marados de todo!! Tapetes de gravilha nas curvas, a sério?

Então tive de segurar-me, reduzir, sem travar demais e derrapando um pouco, voltar às curvas com as rodas a enterrar e a moto a ameaçar sair pela curva fora, deslizando em rios de gravilha!

Cheguei à cidade com o coração apertado, as mãos meio paralisadas e ainda travando a respiração! Que porra fora aquela?

O que vale é que a serenidade lá em baixo me fez relaxar imediatamente!

Antes de mais fui procurar onde ficava o local de embarque, afinal já não tinha qualquer memória de onde desembarcara! Percebi que tinha de colocar a moto numa rua normal que daria acesso ao porto. Facil.

Achei curioso porque tudo era organizado por miúdas muito simpáticas e bastante jovens. Disseram-me para ir tomar o pequeno almoço pois ainda era muito cedo. Até me disseram onde havia um excelente café aberto.

Dei umas voltas em redor, a cidadezinha é bonitinha, com pormenores muito curiosos.

Definitivamente a arte urbana é valorizada naquele país, o que me agradava bastante!

A igreja estava fechada e foi mais uma que eu não pude ver por dentro.

As motos alugadas eram entregues ali, à chegada e devolvidas à partida, achava eu, mas parece que muita gente apenas as recebia ali e as entregava em Rekjavik não fazendo por isso toda a ilha. Bem, ao preço a que elas são alugadas eu também não daria a volta à ilha, o dinheiro esgotar-se-ia na ida, não chegaria para a volta

Escolhi um sitio poético para parar a minha motita e fui tomar um belo pequeno almoço ali ao lado.

Podia ver a minha motita da esplanada, que bem ficava naquele ambiente! Chamam àquela rua The Rainbow Street.

O café tinha um aspeto ótimo, acolhedor e bonito. Havia muita gente a tomar o pequeno almoço ali, acho que tudo em redor estava fechado, logo não havia muita escolha! A comida era muita e com ótimo aspeto, fartei-me de petiscar de tudo um pouco mas, embora o sitio fosse acolhedor, preferi ir para o frio da esplanada.

Afinal a esplanada era muito fixe, com peles sobre os bancos para que a gente não tivesse frio ao sentar.

Dali eu podia ver a rua arco-íris e a beleza da paisagem em redor. Sim, isso fazia merecer um pequeno almoço ao frio!

Fiz um desenho rápido e tudo. Só passado um bom pedaço percebi que, de dentro do café, havia gente a espreitar para o que eu estava a fazer. Confesso que foi um bocado embaraçoso quando me voltei, dar com umas 5 ou 6 pessoas a olhar! Eu achava que, como as montras tinham cortinas não me veriam de dentro, mas as pessoas espreitavam por cima! Ok, nem vou pintar mais, vou-me pôr a andar antes que me distraia e perca o embarque!

Claro que eu nunca perderia o embarque, tinha ainda bastante tempo. Já havia motos na fila, onde me tinham dito para ir quando perguntei.

A fila da esquerda era para os motociclistas que iam para as Ilhas Faroé, a da direita era para os que iam para a Dinamarca.

Enquanto a minha fila não aumentava a outra crescia a todo o momento. Eramos muito poucos para as Ilhas Faroé!

Na casinhota de madeira umas miúdas muito simpáticas faziam a verificação de documentos e entregavam os cartões de embarque, que eram também os passes para abrir portas de camarins e camarotes.

Ficamos por ali à conversa, parece que aquela gente ficou espantada por eu ter feito toda a volta à ilha sozinha e ainda ir para as Ilhas Faroé. Espantavam-se por eu ainda ter folego e força para o fazer. Estavam todos bastante cansados e só queriam ir para casa. Sim, foi muito cansativo percorrer toda a ilha, mas a gente ganha força de dia para dia, não a perde, dizia eu. Mas eles continuavam séticos, achavam que eu era uma atleta que treinava muito diariamente para aguentar aquilo e ainda ir para as Ilhas.

Tive de me rir! Eu, atlética? Eu não vou à padaria a pé! A minha única atividade física é andar de moto, gente! Ahahahah

Então quando disse que depois das Ilhas ía para a Noruega e só depois começaria a descer para Portugal, as suas caras não tiveram preço! Nem sei se foi por ter dito que ía à Noruega, ou se porque disse que ia para Portugal! Alguns foram espreitar a traseira da minha moto. Tu vens de Portugal? – perguntou um muito incrédulo. Mas isso é no fim do mundo!

Oh valha-me Deus, o fim do mundo é muito mais longe, podem crer!

Começaram a discutir entre eles sobre a segurança de uma mulher andar por ali sozinha. Havia mais 2 mulheres entre eles, mas estavam acompanhadas, perguntei-lhes se realmente precisaram tanto assim da ajuda dos colegas. Ambas comentaram que se sentiam mais seguras por estarem com eles. Sim, mas para além do apoio moral, que mais precisaram? Ninguém conseguiu responder.

Acho que é o medo que faz a companhia ser necessária, mais do que o perigo.

O nosso transporte estava a chegar. Percebi que era o mesmo ferry que me levara, será que é o único que circula? Seguramente que não mas, definitivamente, na minha vez era sempre ele que vinha!

O rapaz letão do skate, que eu encontrara em Sólheimasandur, a praia do avião, embarcaria naquele dia também e pela fila onde a sua moto estava, iria também para as Ilhas Faroé.

Foi naquele momento que ele percebeu que eu estava realmente sozinha! Pelo que percebi, quando me viu e comentou que a Islândia de moto não era só para homens valentes, não tinha noção que eu estava realmente sozinha. Ele pensou que eu estava sozinha ali, na visita ao avião, mas que tinha um grupo de amigos, algures à minha espera! Bem isso muda o quê? Perguntei com humor! “Respect” respondeu ele muito sério!

O meu GPS desenhava o caminho que eu faria nas próximas 15 horas… céus, tanto tempo em alto mar dentro daquele ferry, que grande seca me esperava! Felizmente muito desse tempo seria de noite e eu podia dormir e simplesmente deixa-lo passar…

Quando não tenho mais nada o que fazer vou conversando com ele e ele faz desenhos para mim, como o percurso para sair do porto.. 570 km até Torshavn seriam mais rápidos de fazer se houvesse estrada e eu os percorresse de moto…

Desta vez amarrei a minha motita como uma profissional! Não há como ver fazer para se aprender, afinal!

E fui até a primeira a concluir a coisa, quanto orgulho!

Todos continuavam atarefados a amarrar suas motos e a tirar as coisas necessárias das suas bagagens. Eu tinha deixado tudo à mão. Sou muito prática e despachada, heim?

Mais um porão deserto que demoraria uma hora a ser preenchido de carros!

A minha couchette não era a mesma da ida, mas era igual. Tudo se processa mais facilmente quando já se passou por ali uma vez.

Até a minha cama era no mesmo sitio, em baixo, à esquerda, para que eu a encontrasse facilmente se fosse dormir tarde. E pronto, agora era só deixar passar o tempo e apanhar a maior seca até desembarcar de novo.

O ferry é tão alto que proporciona perspetivas giras sobre o mundo lá em baixo.

Acho que fui a primeira a estar pronta para partir, todo o barco estava deserto!

O fiord de Seyðisfjörður visto lá de cima era impressionante, com as nuvens a tapar o topo dos montes, como se estivessem ao nível que eu estava.

Eu andara em cima daqueles montes, tão perto da neve e agora ele já não era visível.

Lá em baixo os carros esperavam para embarcar e havia uma moto no meio deles, Não sei como conseguiria chegar até onde as nossas motos estavam embarcando junto com aqueles carros todos! É o que dá chegar tarde ao porto!

Dezenas de camiões transportam o que a ilha não produz. Depois de uma infinidade deles terem descido para terra, outra infinidade entrava para voltar à Dinamarca para abastecer.

Podia ver o caminho que fizera desde a tal ruinha aparentemente banal até ao ferry, atravessando a ponte.

Estava frio mas não estava vento, por isso podia-se usufruir do convés sem se ter de agarrar a tudo quanto pudesse voar.

É sempre nestes momentos que se tem hipótese de ver mais gente, como se todos estivessem a despedir-se de um país que nem é seu. É, aquele país deixa muitas saudades…

E começamos a percorrer o fiord… sentia-me tão triste por deixar a Islândia, como excitada por estar a rumar à Ilhas Faroé…

Tinha de aproveitar enquanto a paisagem era feita de montanhas em meu redor, porque em breve seria apenas mar!

E a última paisagem da Islândia era lindíssima, com águas cor de esmeralda e nuvens fofas que davam a tudo um ar de mistério…

Fiquei cá fora até me sentir completamente gelada. Ok, vamos lá tratar de comer e nada fazer até chegar!

Tinha de aproveitar a cerveja no barco pois no meu destino eu nunca sabia se a teria!

Quando finalmente passeei pelo ferry que eu já conhecia, por isso não me trazia nada de novo, fui fazer compras ao supermercado. Normalmente eu não como doçaria, mas estava-me a apetecer um chocolate. Coisa rara pois nem sou grande apreciadora.

Na Islândia não se encontra água engarrafada, acho que a única que encontrei foi mesmo no ferry. Eles dizem que a sua água é de tão boa qualidade que basta bebe-la onde ela está, não há necessidade de a empacotar.

Então, quando fui para a caixa pagar, um grupo de motociclistas estava já lá, com garrafas de whisky, bombons e uma série de salgadinhos e coisas afins. Estavam muito animados e, quando cheguei, cumprimentaram-me efusivamente. Então começaram a escolher um peluche, agarraram em vários, mas lembrara-se que eu ia para as Ilhas Faroé e eles não, por isso escolheram um Pulfin que diz na camisola “Eu amo as Ilhas Faroé” em faraonês!

Ainda não tinha chegado às ilhas e já tinha um amigo de lá!

O dia estava lindo e eu passei a maior parte do tempo lá fora a ver as diferentes perspetivas que o sol proporcionava no mar.

Os meus amigos era barulhentos e eu deixei-os mais além, com o pretexto de me ir conectar à internet e falar com o meu moçoilo.

As perspetivas do mar era verdadeiramente impressionantes.

Embora eu tivesse já constatado que a chuva me esperava em Torchavn… por isso eu queria aproveitar o sol enquanto o tinha!

Não ha mais nada para fazer além de comer e olhar para o balão, é deprimente!

Comer e ver o mar passar e mudar de cor…

Ok, e beber cerveja a ver se o tempo passa mais de pressa.

O serão foi feito de barulho e algazarra, cada um contando suas aventuras pela Islândia acima e abaixo. Fiquei chocada porque eles não tinham visto nem metade do que eu vi! Como era possível se tudo está tão no nosso caminho? Então percebi que eles se tinham distraído com os percursos fora de estrada e deixado sítios incríveis para trás. Por exemplo estavam muito tristes porque não tinham visto o lago dos Icebergs! Sério?

Percebi que os percursos que fizeram nem sequer foram para os levar a ver nada de extraordinário. Eu tinha tido momentos em que me questionara se seguisse determinados trilhos não iria até sítios impressionantes, mas não arriscara pois tudo parecia tão longe e arriscado demais para não ter a certeza de ver algo que valesse a pena!

Não acham muito caro ir até à Islândia para fazer todo o terreno e não aproveitarem para ver o que o país tem de mais extraordinário? É, eu devia ter razão, diziam, ao olharem algumas fotos que mostrei no telemóvel…

Lá estava o nosso aviso para desembarcar em Torchavn às 3.00 horas da manhã…

O barco estava deserto, eu não dormira nada e não tinha sono nenhum e era a única que andava por ali.

Assim que se ouvisse a ordem de desimpedir os camarotes alguém apareceria a qualquer momento.

Noite fechada e a lua como um lampião ao fundo! Desembarcar a meio da noite tinha um ar de desalento e abandono estranhos…

Foi tudo feito num instante, a primeira vez tudo é difícil, na segunda tudo é prática, na terceira seria melhor ainda?

Eramos meia dúzia de motos a desembarcar, e tínhamos de esperar que os carros saíssem de trás de nós.

É desalento mesmo desembarcar às 3 horas da matina!

Sobretudo quando me apercebi que não tinha reservado dormida para aquela noite! Oh céus, que me deu para não pensar que 3 horas da manhã não é hora de passear?

Tinha lugar no parque de campismo a partir do dia seguinte e o que iria fazer entretanto?

Não chovia como previsto, mas não tardaria aquele céu desabar em chuva, seguramente. Dei umas voltas em redor tentando decidir o que fazer, podia ver a cidade a ficar para baixo.

Não conseguia ativar o mapa das Ilhas. Aquele mapa fora sempre meio confuso porque, embora o GPS trouxesse nele todos os mapas da Europa, e as Ilhas Faroé sejam Dinamarca, elas não apareciam. Tive de instalar o seu mapa, mas então percebi que, para ver o mapa das ilhas tinha de tornar o mapa da Europa invisível ou ele cobri-lo-ia. Simples! Se eu me lembrasse naquele momento, na beira da estrada, a meio da noite e sem ter onde dormir, como o fazer!

Demorei um bom bocado a procurar onde faria a habilidade e logo apareceu o parque de campismo onde eu tinha reserva a partir do dia seguinte. Eu vira as motos todas pararem no escuro, junto de um portão aberto, e percebi que era lá o parque. Percebi que estava aberto à espera do desembarque no ferry, por isso não custava nada tentar arranjar lugar.

Fui recebida por 2 ou 3 miúdas muito simpáticas que me indicaram onde pôr a moto e onde podia montar a tenda, sim senhor, mesmo sem reserva. Será que por aquelas terras todos os serviços de turismo são tratados por gente jovem e simpática?

Havia gente acordada no parque e os fulanos que acabavam de chegar puseram-se a montar as tendas no escuro. O sol estava a preparar-se para nascer, podia-se ver o clarão vermelho a formar-se ao fundo.

Não eu não iria pôr-me a montar a minha tenda à luz de um pequeno lampião! Eu iria esperar que o sol abrisse e depois trataria da tenda. Até porque as previsões eram de que a chuva começasse a qualquer momento e eu não queria perder o meu primeiro nascer do sol e não voltar a ter outro tão cedo!

Um casal de namorados viu-me olhar em redor e disse-me que tinham feito café, que eu podia tomar uma caneca dele lá dentro. isso era excelente! Thank you so much! Tirei as coisas da moto para as pôr no lugar onde montaria a minha casa.

Para o caso de haver vento escolhi um lugar perto do muro de terra que separava o parque no mar. Isso, esse seria um bom sitio, depois de um pequeno rego escavado na terra e revestido de relva, assim a água da chuva não chegaria a mim…

E fui tomar o meu café num pequeno banco de madeira que ficava em cima do muro de terra e relva, bem acima do sitio onde montaria a minha tenda.

E foi um momento mágico, que valeu a pena presenciar, considerando que os próximos dias seriam de chuva intensa e o sol não seria visto tão cedo.

Então montei a minha tenda num instante, sem vento aquilo monta-se de olhos fechados!

Dei uma última olhada ao sol nascente…

E deitei-me para dormir… Eu sabia que me esperava um dia de chuva, por isso estava mentalizada para ficar por ali, sem stress, a descansar até o sol voltar… sei lá quando!