16. Passeando pela Grécia/Balcãs – os Mosteiros de Studenica e de Žiča no meu caminho…

3 de setembro de 2022

Com chuva ou sem chuva, hoje seria o dia dos Mosteiros!

Igrejas, catedrais e mosteiros sempre me despertam o interesse. Não que eu seja particularmente religiosa, mas porque estes são sempre sítios cheios de historia que, frequentemente, permitiram que tesouros culturais chegassem até aos nossos dias, enquanto os que estiveram nas mãos de pessoas comuns foram desaparecendo ao longo dos séculos.

Quando dizem que a Igreja devia vender e distribuir todas as suas riquezas pelos pobres, não se pensa que, se realmente se fizesse isso pelo mundo fora, uma enorme parte do valor histórico da humanidade se perderia para sempre e os pobres continuariam a ser os mesmos!

Regimes políticos que o fizeram nos seus países, fizeram com que muito do seu património histórico religioso se perdesse, mudando dos locais religiosos onde esteve durante séculos e podia ser visto por todos, para as mãos de meia dúzia de pessoas poderosas, desaparecendo para o publico e, muitas vezes, para a humanidade. E os seus pobres não enriqueceram nada com isso!

O meu pequeno almoço foi fantástico, na esplanada de frente para a minha motita. Ah, e o pão ainda morno, aparentemente feito no local, era delicioso! Uma das coisas que gosto de conhecer em cada país que visito é o seu pão.

Vários camionistas vieram dos seus camiões tomar o pequeno almoço junto de mim. Vinham de vários países de leste, Roménia, Ucrânia, Bulgária, e aquele era um ponto estratégico onde paravam regularmente. Dormiam nos camiões e faziam as refeições da noite e da manhã ali.

Ficaram curiosos por eu andar sozinha por aquelas terras. Expliquei que já tinha andado nas terras de onde eles vinham noutras viagens. Mas o espanto foi quando repararam na minha mão esquerda, que eu tentava esconder debaixo da mesa, com a bolsa de gel enrolada.

Vários vieram ver de perto o que se passava. E, de repente, criou-se ali uma onde de solidariedade, em que me queriam levar, a mim e à minha moto, num camião para eu não sofrer a conduzir!

Demorei a entender direito o que se passava. Mas depois entendi, eles pensavam que eu tinha tido um acidente por ali, uns dias antes, e por isso queriam ajudar-me a chegar a casa, penando que eu não tinha condições de seguir conduzindo.

Ah, não se preocupem comigo! Eu tive o acidente há 2 meses, fui operada e assim que a mão mexeu parti de viagem! Por isso já ando na estrada há 15 dias, sem problema!

E preparei-me para partir sob o seu olhar incrédulo!

Ha coisas que me prendem a atenção nos meus caminhos…

Cemitérios sempre me chamam a atenção, porque revelam muito sobre como cada povo honra os seus entes queridos, mesmo depois da morte. O seu significado transcende o tempo e as fronteiras culturais, tornando-os parte integrante das sociedades em todo o mundo.

Há que veja os cemitérios como locais sagrados que exigem o máximo respeito, há quem tenha medo, se afaste e nem queira dar uma olhada, e há quem tenha as atitudes mais diversas com base em crenças religiosas ou costumes históricos. Eu gosto de os observar em cada pais onde passo, frequentemente paro e fico a olhar, por vezes fotografo a té desenho, como quem aprecia um jardim…

A seguir eu iria atravessar Dolina Kraljeva – o Vale dos Reis.

Sim, embora o nome nos leve imediatamente para o Egito, também há um Vale dos Reis na Sérvia!

Na realidade o Vale dos Reis ocupa um lugar significativo na história da Sérvia como o berço do país. Este vale desempenhou um papel crucial na formação da identidade e do desenvolvimento da Sérvia ao longo dos séculos. O seu significado histórico pode ser visto através de monumentos, eventos e figuras importantes associadas à região, que tiveram um grande impacto no país e deixaram um legado que chegou até hoje.

E cheguei ao  Манастир Студеница – Mosteiro de Studenica

Não havia parque de estacionamento “tradicional”, quero dizer pavimentado,
perto da porta e um monge me disse para estacionar no relvado! Confesso
que a minha motita ficou tão bem em contraste com o verde em redor!

Igrejas, mosteiros e templos definitivamente ajudam a compreender melhor a história da Sérvia porque preservam a história do patrimônio do país. Os templos mais bonitos e antigos foram construídos por governantes poderosos, alguns dos quais passaram seus últimos anos de vida como monges.

Na Sérvia, há 212 mosteiros, dos quais 54 são declarados monumentos de interesse nacional e este está na Lista do Património Cultural da UNESCO. 

Isso quer dizer que ainda tenho de voltar à Sérvia uma série de vezes para poder ver mais alguns!

O Mosteiro de Studenica, do final do século XII, é um dos maiores e mais ricos mosteiros ortodoxos sérvios e foi fundado por Stefan Nemanja o primeiro rei da Sérvia, nomeado pelo Papa e reconhecido internacionalmente.

Foi construído em um estilo arquitetónico específico, conhecido como “escola Raška”, que combina a influência do românico ocidental com a tradição bizantina oriental.

Não pude deixar de sorrir, ainda ontem me diziam que eu parecia uma cavaleira Raška!  😀

Lá estava o monje!

Os monges geralmente vivem em mosteiros, onde se dedicam à vida monástica de contemplação e oração. Diferentemente de pastores, professores, enfermeiros ou assistentes sociais, sua vocação é considerada única e distinta, não participando normalmente do ministério ativo da Igreja.

Dentro de um mosteiro, a vocação monástica é vista como uma vocação leiga, com apenas um ou dois padres responsáveis pela vida sacramental da comunidade, enquanto os demais membros se dedicam à busca espiritual e à vida comunitária.

Além das tradicionais funções religiosas, o mosteiro era um centro cultural e médico do Estado sérvio medieval, e o mausoléu da dinastia.

O recinto do mosteiro está cercado por muros fortificados e contem duas igrejas mais importantes, a Igreja de Santa Maria de Deus e a Igreja do Rei, e uma mais pequenita, a Igreja de São Nicolau.

Reza a lenda que o rei Stefan Nemanja, tendo perdido uma batalha com o exército bizantino, foi levado para Constantinopla (Istambul) como testemunha viva da vitória. Lá ele foi preso no mosteiro da Mãe de Deus. Rezando pela sua libertação, prometeu que, se ela o libertasse do cativeiro, ele construiria o mais belo mosteiro para ela. 

Quando foi libertado, ele cumpriu a sua promessa e o templo principal do complexo do Mosteiro de Studenica é dedicado à Mãe de Deus e foi construído como uma como igreja funerária para ele.

A Igreja da Virgem Maria é uma construção onde as influências do Oriente e do Ocidente se combinam de forma harmoniosa. 

As soluções espaciais baseavam-se nas soluções das fundações bizantinas, enquanto o desenho exterior e tratamento das fachadas, contam com elementos da arquitetura românica ocidental. 

O acabamento românico em mármore branco vê-se no exterior, a partir de meio da construção até ao altar. Uma conjugação curiosa de materiais que, a mim, me agrada pela conjugação das cores dos diversos materiais. Muito original!

O interior é, basicamente, todo em mármore.

A igreja estava em restauro o que não me permitiu apreciar direito o espaço.

Uma pena, pois eu sabia que lá dentro se encontra uma coleção inestimável ​​de pinturas bizantinas dos séculos XIII e XIV….

Mas ainda consegui ver o afresco mais bonito e famoso do lugar: “A Crucificação de Cristo”, uma das maiores realizações da arte medieval.

A Igreja do Rei parece uma joia, ou um grande relicário, mas que é pequena entre os edifícios mais altos em seu redor, o que realça ainda mais a sua beleza branca.

Foi muito engraçada a explicação do monge, pois chamava senhor ao rei e rei ao Senhor, o que era uma confusão para eu entender o que ele queria dizer!

Mas depois entendi!

A pequena igreja, dedicada a São Pedro, Joaquim e Ana, foi fundada por outro rei descendente de Nemanja, e acabou por ficar conhecida mais pelo seu fundador do que pelos seus patronos, sendo por isso chamada de Igreja do Rei.

Vinte minutos para entender isto!

A vida monástica sempre me intrigou! Tentei saber um pouco mais… e foi muito interessante!

Ali é marcada por uma rotina de oração, estudo, trabalho manual e reflexão, com ênfase na busca por Deus e na contemplação. Os monges buscam viver de forma simples, em comunidade, renunciando a bens materiais e ao mundo exterior, para se dedicarem inteiramente à sua fé e ao serviço a Deus.

Embora a sua atuação direta na sociedade seja limitada, a sua vida de oração é vista como um alicerce espiritual que sustenta a Igreja e o mundo, através de suas intercessões e testemunho de fé.

Não me pareceu muito diferente da ideia que tenho dos monges católicos.

O trabalho minucioso de restauro seguia também no exterior.

Às vezes as pessoas não têm muita noção do nível de minucia deste trabalho.

Lembro-me de um dia alguém me dizer que, se mandasse, não deixaria que restaurassem determinado local para não o estragarem! A pessoa não entendia que restaurar não é a mesma coisa que refazer, ou reconstruir! Claro que, frequentemente, há quem reconstrua um carro ou uma moto e chame a isso restaurar, mas restaurar é recuperar o que se puder da obra e prepara-la para resistir ao tempo sem continuar a degradar-se.

Isso quer dizer que, se faltarem partes, se pormenores tiverem desaparecido destruídos pelo tempo, eles não aparecerão com o restauro, não serão repintados nem acrescentados. Simples assim!

Ao sair do recinto do mosteiro, podia ver a pequena Igreja de São Nicolau, para mim uma capelinha!

O rei Nemanja decidiu que ele e seus descendentes teriam os seus túmulos em Studenica, por isso a igreja de São Nicolau certamente foi construída por um dos membros da família.  

Lá estava a minha motita, tão bem enquadrada no verde do grande jardim, no exterior das muralhas do mosteiro!

Era uma sensação curiosa perceber tão obviamente a aproximação do outono! Afinal eu nunca tinha viajado tão tarde e, em “tempos normais”, por aqueles dias eu estaria já em Portugal, não na Sérvia!

A seguir iria para o Манастир Жича – Mosteiro de Žiča

O que eu gosto do alfabeto e escrita sérvios! Imagino como seria escrever assim, como quem desenha bonequinhos!

O Mosteiro é do inicio do séc. XIII e foi local de coroação de 7 reis. O santuário permanece um símbolo com 800 anos de inspiração e fé para o povo e um local importante de peregrinação.

Foi fundado por dois irmãos, Stefan Nemanja, o primeiro Rei (o mesmo que , uns anos antes, fundou o Mosteiro de Studenica), e São Sava, o primeiro Chefe da Igreja Sérvia.

Os irmãos queriam criar um lugar sagrado para servir como um centro espiritual do país, naquela época, e um lugar sagrado para as coroações futuras.

Definitivamente aquela família era composta por gente muito importante, família de reis e santos!

Reza a lenda que uma porta secreta era aberta para cada rei, para que eles pudessem entrar no mosteiro quando quisessem e, supostamente, eram fechadas e seladas quando o governo do rei acabava.

Estas portas secretas seriam também utilizadas pelos reis como rotas de fuga em tempos de perigo. Dizia-se que conduziam a túneis subterrâneos que ligavam o mosteiro a locais distantes, acrescentando uma aura de mistério e aventura ao local. Embora não existam provas concretas da existência destas passagens secretas, a sua presença na tradição local adicionou uma camada de fascínio à história do mosteiro.

Os vestígios da lenda prevalecem no nome popular do mosteiro “O mosteiro dos sete portões” pelos 7 reis ali coroados.

Sendo uma importante relíquia da tradição sérvia e um local de inspiração e fé para pessoas em apuros, ou pessoas em busca de paz, o Mosteiro de Žiča foi muitas vezes alvo de banditismo e atrocidades dos inimigos.

No século XIV, com a opressão dos otomanos, a atividade religiosa do mosteiro de Zica foi reduzida e mantida em segredo e, com o passar do tempo, ele quase deixou de cumprir sua função como centro religioso.

As pessoas podem ter mudado o seu comportamento e mantido silêncio sobre suas crenças e esperanças sob o domínio otomano, mas quando chegou a hora de proclamar o Reino da Sérvia novamente e desfrutar da independência total, cinco séculos depois, um novo rei escolheu o Mosteiro de Zica como local de coroação.

As lutas do mosteiro continuaram, quando os alemães ocuparam a Sérvia em 1941, e ele foi incendiado, só sendo completamente restaurado quase uma década depois.

Os diversos espaços do mosteiro são muito bonitos, com capelinhas e igrejinhas espalhadas pela imensa área relvada. E aquilo que eu pensei ser uma fonte, na realidade era uma pia de agua benta lindíssima!

A Igreja da Santa Dormição, dedicada à Assunção de Maria, é o templo principal do mosteiro e desempenha um papel vital nas práticas de culto ortodoxo sérvio desde a fundação do local. 

Eu conhecia igreja revestida e pintada, por isso estranhei vê-la com a pedra original exposta, sem a característica cor vermelha que a tornava tão peculiar e que carateriza o próprio mosteiro!

A mudança na cor certamente despertou a minha curiosidade, no entanto não consegui encontrar quem me esclarecesse sobre a mudança. A cor vermelha, originalmente utilizada na igreja, segundo sei, pode ter desempenhado um significado simbólico ou cultural importante para a comunidade, no entanto, a transição para a pedra pode ter a ver com levar o edifício ao seu aspeto original pois, embora eu não saiba muito sobre arte decorativa local, parece-me que o revestimento vermelho era muito recente, nada que se parecesse com as decorações medievais!

Digo eu…

Os jardins meticulosamente cuidados são realmente um convite à meditação. A serenidade é sentida em cada canto do mosteiro, percebendo-se que, mesmo ao ar livre os visitantes se mantinham em silêncio!

E as histórias de sofrimento e destruição continuaram em 1987, embora aquela não seja tradicionalmente uma zona de fortes atividades sísmicas, o mosteiro foi quase destruído por um terramoto que assolou o país.

Felizmente o pior foi evitado e o interior do mosteiro é maioritariamente original, sendo alguns afrescos obra de alguns dos melhores pintores medievais, que vieram de Constantinopla.

Infelizmente as lutas do Mosteiro continuam hoje!

Em 2022 turistas vandalizaram alguns afrescos, escrevendo os seus nomes nas paredes…

Eu nunca entendi qual o interesse de escrever os nomes nos sítios que se visita! Apenas quem o faz sabes de quem são os nomes, ninguém mais conhece as personagens e, além de ser um ato desrespeitoso, se todas as pessoas o fizessem, rapidamente desapareceria toda a história dos povos, por entre riscos de estupidez!

Como dizia o Ministro da Cultura e Informação na época:

“Devemos desenvolver a consciência de que se nós, como indivíduos, não cuidarmos do nosso património cultural, não há instituição, estado ou punição que possa compensar isso”

O pior é que, provavelmente nem foi gente de lá, mas turistas parvalhões de outros países, ansiosos por  publicar bosta no Instagram…

Eu sabia do sucedido mesmo antes de partir de viagem, ao estudar o que procurava ver, mas estes imbecis, certamente, nem se preocupam com a história dos locais, apenas com seus próprios egos inflamados…

Sobe-se a colinha e lá está o cemitério do mosteiro, com uma distribuição curiosa de cruzes, por recantos e socalcos, não sei se organizado de forma hierárquica ou simplesmente por questões de espaço.

Pela localização e pelo ambiente, o cemitério revela-se como um lugar de paz e contemplação. As cruzes, erguidas em diferentes alturas, contam histórias silenciosas de vidas passadas, em placas com fotos e textos que só consegui entender em parte. Pena eu não conseguir lê-las melhor!

Um local onde o tempo parece desacelerar…

A seguir fica a Igreja vermelha da Assunção da Virgem Maria, lá no topo da colina, a seguir ao cemitério.

O mosteiro é continuamente pintado de vermelho desde o século XIII, e muitos historiadores de arte e críticos especulam que é para simbolizar as lutas e as dificuldades do passado

E para quebrar o ambiente profundo e contemplativo que me envolvia, lá em baixo estava aquela que devia ser a casa onde se comia!

Ui, a fome que eu tinha! Agora so tinha de descer aquilo tudo, percorrer as alamendas da entyrada e ir até ali encher- me de comida!

Eu demorara muito tempo nas minhas visitas por isso decidi seguir para Montenegro calmamente.

Tinha mais de 200km para fazer, o meu pulso estava a pedir gelo e eu não me queria arriscar a ter de conduzir apressadamente, sem capacidade de reação rápida, por causa da dor.

Apreciar o caminho é uma das coisas mais fantásticas de uma viagem, não apenas visitar lugares e entrar em sítios!

O rio Lim, o último que eu veria antes de entrar no Montenegro, era algo digno de atenção! Estava a meio gás.

É sempre impressionante quando um rio mostra as suas entranhas assim. Felizmente o outono estava a chegar e em breve começariam as chuvas para o encherem de novo. Esperava eu!

De repente cheguei à fronteira, sem nem dar por ela, já que não tinha fila.

Não havia muita gente na fronteira, cheguei lá quase sozinha, a bem dizer. Isso não me livrou da já celebre pergunta: “Your friends?” nem os livrou a eles da minha tradicional resposta: “No friends, I’m alone!”

Oh, se eu recebesse uma nota por cada vez que me fazem aquele pergunta e a cada vez que eu dou aquela resposta, já teria amealhado um boa quantia!

E cheguei ao alojamento.

Eu sabia que era um parque de campismo e ia preocupada, como nunca me tinha preocupado antes em nenhuma viagem!

E se o acesso ao parque fosse em piso irregular, terra solta ou terra batida em subida ou descida ingreme? Eu sabia que ele era junto ao rio Tapa, num ponto onde o rio ficava centenas de metros abaixo, formando gargantas e canions excelentes para desportos radicais aquáticos.

Quando eu fizera a reserva ainda não tinha tido o acidente e tinha-me parecido um sitio fantástico para dormir, mas agora estava com medo de não conseguir chegar até ele!

Felizmente o caminho desde a estrada até ao parque era uma rua perfeitamente civilizada e alcatroada e havia lá um restaurante simpático e tudo!

Oh alivio!

O meu quarto era uma casinha inteira no meio de um imenso relvado.

Disseram-me para levar a moto até lá…

No momento tremi um pouco de medo, mas depois pensei que, se a tinha estacionado em cima da relva, junto ao mosteiro de Studenica, também conseguiria andar toda aquela distancia até à minha casotinha. Era uma questão de confiar em mim e na minha mão meio inerte…

A minha casotinha era muito fofa.

Caso para dizer que a minha cama ocupava uma casa toda! Não me faltava nada, comi bem no restaurante, bebi um bom vinho, deixei a bolsa de gel no congelador e fui dormir.

Amanhã vou seguir para a Bósnia…

15. Passeando pela Grécia/Balcãs – a caminho da Sévia com muita chuva…

2 de setembro de 2022

Às vezes perguntam-se se eu desenho os trajetos diários das minhas viagens no computador e depois os coloco no GPS para os seguir no local. Claro que não! Eu sei lá se em agosto me vai apetecer seguir um trajeto que desenhei e maio ou junho! Cada caminho é decidido na hora de acordo com as coisas que quero ver, mas, se não me apetecer ou o tempo não ajudar, eu improviso e passo apenas onde me apetecer! Não tenho espírito para ser escrava nem de mim mesma!

Embora estude atempadamente e direitinho tudo o que posso querer ver, é na hora que eu decido o que vou realmente fazer! E com o tempo que estava lá teria eu de improvisar até ao meu destino, nadando de moto até Kuršumlija…

Desanimadora a paisagem molhada a partir da minha janela…

Como sempre que está chuva quando acordo, enchi-me de comida num pequeno almoço muito simpático. Já que não poderei ver muita coisa posso, pelo menos, comer com muita calma!

Depois, sempre com muita calma e paciência, enchi-me de roupa, transformando-me na versão negra do Boneco Michelim para me fazer ao caminho. Detesto vestir fatos de chuva no verão, quando o que apetece realmente é vestir menos roupa!

Ao menos hoje, se a chuva molhasse minha mão, eu não sentiria o pulso esquerdo febril, o que acalmaria um bocado aquela dor permanente que me acompanhava dia e noite… sei lá, digo eu!

Ao menos não estava tanto calor como os calções e t-shirts dos transeuntes davam a entender!

Não sou arquiteta, mas as construções “diferentes” sempre me atraem. Já desviei muitas viagens por dezenas de quilómetros do seu curso, apenas para ver um monumento, um edifício ou uma ruina!

E ali estava o Panorama Pleven Epopee 1877 que eu queria ver!

Também conhecido como Pleven Panorama, contém representações dos acontecimentos da Guerra Russo-Turca de 1877, em particular o Cerco de Pleven. Mais uma forte referência ao cerco, que durou 5 meses, tornou a cidade famosa internacionalmente e foi crucial na libertação da Bulgária, após séculos de domínio otomano.

Aquele é o único monumento do género em todos os Balcãs e foi construído em 1977, exatamente 100 anos depois da libertação de Pleven.  

O monumento foi construído no local do campo de batalha e dizem que os três anéis horizontais que circundam todo o edifício, simbolizam as três batalhas de Pleven. O de baixo, ao que parece, simboliza o cerco da cidade!

O ar de O.V.N.I. ficava ainda mais evidente com o chão molhado e o céu cinzento!

Não há forma de uma pessoa não se sentir um bocado miserável quando viaja à chuva! Sobretudo quando sabe que está a atravessar uma zona bonita, com um rio onde se pode caminhar e fazer fotos giras… Mas com aquele tempo não dava para esses devaneios, por isso lá fui seguindo ao som da minha musica, até que uma construção encantadora me fez parar! Era o Ресторант “Родина” – em tradução macaca do Google – Restaurante “Rodina”.

Normalmente eu pararia numa estação de serviço, para ficar protegida da chuva enquanto descansasse e tomasse qualquer coisa, e até havia duas ao alcance da vista. Mas aquela casinha em forma de moinho retirado de um conto de fadas, era muito mais atrativa!

Atrativa o suficiente para que eu me dispusesse a fazer um picnic à chuva e me dedicasse mesmo a fazer uma ou duas aguarelas, meio borradas pelas pingas da chuva, mas muito engraçadas!

Uma pena que estivesse fechado senão eu teria almoçado ali mesmo, seguramente!

E segui para Sófia, pois não havia muito onde ir na chuva!

Lá estava a Catedral de Alexandre Nevsky (sim, ela tem um nome que não é Catedral de Sófia!) uma obra arquitetónica impressionante que fica no centro da praça. Foi construída no início do século XX e sua arquitetura reflete a influência da tradição ortodoxa oriental combinada com elementos do Renascimento russo. Construída em mármore branco e granito tem aquele ar robusto, mas elegante, com um estilo moderno de influencia neobizantina, visivel nas cúpulas altas e os detalhes das fachadas. 

Não pude deixar de sorrir ao recordar que, da primeira vez que a vi ela me fez lembrar um grande bolo decorado de branco, verde e dourado, no meio da grande travessa que era a praça!

Ok a praça é grande, mas não se percebe muito bem onde se pode estacionar! Dei duas ou três voltas para parar e já ia para dentro quando dois homens me avisaram que não devia deixar a moto ali. A sério? Parecia-me tão bem estacionada junto a uma fileira de carros! Tinha de a pôr no outro lado da praça onde era permitido o estacionamento ao publico, ali era só para entidades oficiais não sei de quê.

Então puseram-se a inspecionar a minha moto em pormenor. Um deles tinha encomendado uma NT1100 há meses e diziam-lhe que só a teria lá para janeiro!

Ficou muito chocado quando eu disse que a minha já tinha 6 meses. “Seis meses? Como é possível se simplesmente não existem para entrega?!”

“Olhe que não, ainda ontem vi uma em exposição em Drama, na Grécia”

“Não pode ser, você é que deve ser muito importante no seu país para ter uma NT há tanto tempo!”

E lá foram embora, convencidos de que eu era uma personalidade importante no meu país, para ter uma NT com 6 meses e já com 20.000km!

O interior apresenta uma planta em forma de cruz grega, com ícones religiosos decorando as paredes e tetos.

A história da Catedral de Sofia remonta ao período pós-libertação búlgara do domínio otomano, quando a construção da catedral foi iniciada para celebrar a independência nacional. Ao longo dos anos, a catedral testemunhou eventos marcantes na história búlgara e desempenhou um papel central na vida religiosa e cultural do país.

“As catedrais sempre me fascinam, mas a de Sófia é daquelas que me atraem particularmente, porque é ortodoxa e o seu estilo neobizantino me fascina! Está ali, no centro da praça Sveti Aleksandar Nevski, o mesmo santo a quem a catedral é dedicada, como um grande ícone vivo da capital búlgara! No interior ela é grande, ampla e sombria, cheia de beleza antiga, como se tivesse muito mais que os seus cento e poucos anos. Eu sempre tenho cuidado ao entrar num templo de outra religião de que desconheço os costumes, não gosto de perturbar quem está, mas ali vieram ter comigo, receberam-me com simpatia e puseram-me à vontade para visitar, só deveria pagar um valor para poder fotografar. Acho justo, aquela beleza tem de ser cuidada! ” Passeando pela Vida – a página in Facebook

O imponente trono do Czar!

Aqueles tetos altíssimos, que quase não conseguimos ver quando as luzes ofuscam o nosso olhar, são revestidos com afrescos que eu gostava de observar mais de perto. Mas dão, mesmo sem os conseguirmos ver direito, uma atmosfera impressionante como se estivéssemos no amago de uma entidade imensa!   

Tinha de parar na Praça da Independência Nezavisimost, só para apanhar a antiga casa do Partido Comunista Búlgaro, hoje funciona ali a Assembleia do Povo da Bulgária.

É um dos três edifícios de “estilo Império de Stálin” que foram construídos nos anos 50 para alvergarem diversas dependencias governamentais e continuam até hoje a ser sedes do governo Búlgaro.

“No coração de Sófia fica o monumento a Santa Sofia, a padroeira da cidade, no mesmo sitio onde esteve a estátua de Lenin, nos tempos soviéticos do país. A bela escultura, em bronze e cobre, fica a 16 metros do solo e pode ser vista de longe, acima de todo o movimento do transito. Hagia Sophia segura na mão direita uma coroa de louros, símbolo da glória, e no braço esquerdo esvoaça uma coruja, símbolo de sabedoria. Tão bonita!” Passeando pela Vida – a página in Facebook

A sua fisionomia foi baseada numa imagem de um emblema da cidade retirado de uma moeda antiga.

Ia deixar Sófia e a Bulgária para trás, apenas parei para captar uma ultima perspetiva da cidade, com os edifícios da praça ao fundo, e segui caminho antes que a chuva voltasse!

E lá cheguei à ponta de uma fila de carros que, certamente, era para passar a fronteira. Felizmente não chovia, mas, mesmo assim, fui furando tanto quanto pude até chegar aos separadores que não deixavam espaço para a habilidade.

E era tão custoso e doloroso andar numa fila de arranca-e-para com a mão esquerda sem força nem agilidade para acionar a embraiagem de metro em metro!

Quando cheguei ao posto da fronteira estava exausta e sem força nas mãos sequer para retirar os documentos da bolsa de cinta! E enquanto eu lutava com o fecho da bolsa e tentava retirar a carteira de lá de dentro veio a pergunta da praxe:

“Your friends?”

Não resisti e soltei uma gargalhada soltando os braços e deixando-os cair para baixo.

“no friends, I’m alone!” Felizmente o homem era um policia jovem que, depois de ficar surpreso com a minha reação, sorriu também.

Naquele momento eu já pus o passaporte no bolso de trás das calças, para não ter de andar sempre a lutar com a bolsa de cinta, a cada vez que tinha de mostrar os documentos.

E entrei na Sérvia!

Fui direta para o alojamento, rezando para que fosse um sitio fixe, com restaurante ou cafetaria, para eu não ter de sair de moto para lado nenhum.

Só ao chegar me lembrei que o sitio não era perto do centro de Kuršumlija, mas, felizmente, tinha restaurante no rés-do-chão. Embora se chamasse Motel, era uma pensãozinha de beira de estrada, onde paravam imensos camionistas para comer, nas suas rotas de grandes distâncias, a considerar pelas matriculas dos camiões que já lá estavam e dos que foram chegando depois de mim.

A minha chegada teve um impacto engraçado, as pessoas que estava no café ficaram em silêncio assim que eu entrei, só recomeçando a falar quando eu segui para a receção. As pessoas da receção ficaram muito espantadas a olhar para mim, como se eu tivesse acabado de aterrar num disco voador.

Depois percebi que não se tinham dado conta de que eu era uma mulher, perceberam que iam ter um motociclista como hospede, já que eu o tinha comunicado no momento da reserva, mas pensavam que eu seria um moço barbudo e tatuado, de correntes pendentes do cinto das calças.

Ainda me ri com eles ao jantar, quando me confidenciaram que a minha moto era muito bonita e que eu parecia uma versão moderna de um cavaleiro Raška!

Raška eu?

Então percebi pelas suas expressões que aquilo devia ser um cumprimento. E era, estavam a referir-se a principados e cavalarias medievais sérvias!

Amanhã darei mais um passo de muitas centenas de quilómetros na direção de casa, até Montenegro.