17.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Tórshavn, passeando pela capital

16 de agosto de 2019

Aquela noite foi realmente de bastante chuva.

Depois do magnífico nascer do sol que tudo iluminou, seguiram-se as trevas e a chuva permanente. Felizmente eu durmo bem com barulho e luz, por isso aproveitei para por o sono em dia dentro da minha tenda.
Do sol ficou apenas uma rápida memória!

O som do mar e o piar das gaivotas, que parecia miado de gatos, embalou-me até certo ponto, mas eu não podia ficar todo o dia na cama! Com chuva ou sem ela eu iria sair e passear!

Para lá do muro de relva o horizonte desaparecera no nevoeiro. Que pena, tanta coisa que eu queria ver e o tempo estava aquela bosta. Depois de tantos dias a suplicar pelo fim do vento, sentia que iria passar os próximos ali a suplicar pelo fim da chuva! Valha-me Deus!

Eu dormira cheia de roupa, como é obvio com o frio que estava e, só de pensar em ter de tirar tudo aquilo para tomar banho, a vontade era de sair assim mesmo! Peguei nos meus tarecos todos e lá fui, a quantidade de coisas que trazia vestida era para demorar. Na parede do chuveiro avisava para não se pousar nada no chão, porque a água sempre o inundava com o banho, por isso fiz uma ginástica para ir pendurando tudo à medida que despia:

o gorro,
o impermeável,
o blusão da moto,
a camisola de cima,
a camisola interior térmica,
a t-shirt,
as botas da neve,
as meias térmicas,
as calças impermeáveis,
as calças de ganga,
as calças térmicas interiores,
a roupa interior,

Ok, ali não estava tanto frio como na Islândia, tinha de pensar em vestir menos roupa… ou não, que a humidade gela a gente quando estão 9 ou 10 graus…

Então, quando ía toda catita, em pelote e chinelinho de dedo, tomar o meu banhinho… era preciso pôr moedinha para acionar o chuveiro! A SÉRIO?
Volta lá a vestir tudo outra vez, que tu ainda nem viste com o que se parece a moeda faroesa…

A receção estava fechada, para eu tentar arranjar a moeda, e sim, tive mesmo de ir passear sem banho tomado… merda!

Iria dedicar o meu dia a passear pela cidade, já que o tempo estava uma bostazinha qualquer.

Bem, já que não se toma banho, ao menos que se coma algo, não?

Perto do parque de campismo fica tudo, afinal ele fica muito perto do centro da cidade! Verdade seja dita, numa cidade que cabe mais de 5 vezes em Penafiel (e Penafiel é uma cidade pequena) tudo fica perto do centro!

Aquele seria o meu supermercado para os próximos dias, onde eu abasteceria o meu frigorifico e encheria a barriga, a cada vez que o tempo me prendesse em casa, ou depois das minhas explorações!

Nunca fiz as coisas tão relaxadamente ao explorar uma cidade. Tudo é tão perto que nem seria necessário ir de moto, mas já que estava com ela, não a iria deixar em casa para seguir a pé. Dei umas voltinhas em redor e fui parar na zona mais antiga da cidade, onde as casinhas de madeira pintada de preto, com janelas coloridas e telhados de turfa quase se encostam umas à outras, deixando apenas pequeno caminhos entre si.

Claro que não havia ninguém nas ruinhas!

Os turistas deviam estar a curtir os seus quartos de hotel e os habitantes enfiados em casa, que o tempo não estava para passeios!

Isso deixava-me livre e à vontade para apreciar os pequenos recantos e pormenores, sempre com a sensação de que andava a passear no patios de alguém!

“Depois do terrível vento islandês, a chuva nas Ilhas Faroé eram o paraíso! Claro que eu queria passear pelas ilhas e a chuva e nevoeiro não deixavam ver muito, mas eu estava a precisar daquela paz. Então passeava-me por Tórshavn, ali mesmo ao lado do parque de campismo, com ruelas estreitinhas ladeadas por casas com mais de 3 séculos de telhados de turfa, como quem passeia numa cidade de bonecas. Apesar da humidade no ar, consegui fazer vários desenhos, usando a própria agua da chuva para fazer as aguarelas e os colorir.” (in Passeando pela Vida – a Página)

Ali ninguém parece preocupar-se com barreiras ou armadilhas arquitetónicas, apenas caminham pelos caminhos que têm, sem corrimões, grades ou proteções para regos e desníveis!

E parece não precisarem de casas gigantescas, com muros altos ou sebes para proteger tudo de olhares alheios! Pelo contrario, vivem porta com porta pacificamente como sempre foi, desde há séculos.

E, na verdade, tudo é tão bonito assim!

Os pormenores são como ilustrações retiradas de livros infantis!

Literalmente, eu já não sabia onde era caminho publico e caminho privado, afinal nada me impedia de andar por todo o lado!

Depois de subidas e descidas, tomei um caminho que, pelas minhas contas, me levaria ao porto mais abaixo.

Sim, meti a moto em sitios que, se calhar, não devia, mas ela passou e isso é que era importante!

E lá estava o porto e a outra parte da cidade histórica que eu queria ver de perto, onde as casas deixam de ser negras e passam a ser vermelhas: Tinganes

Tinganes é a zona antiga da cidade, composta por casas de madeira com telhados de relva, que ocupa uma pequena península, onde fica o Parlamento Faroes, o Løgtingið.

Podia vê-la do outro lado da água mas, tal como eu imaginava, perfeitamente acessível de moto!

Por ali era tudo meu, podia pousar a moto onde quisesse que não havia mais ninguém para se estacionar!

E comecei a passear pelas ruínhas e ruelas ladeadas de casinhas vermelhas, impecavelmente conservadas.

” No meio de tanta chuva, que não dava sinais de ir abrandar, eu fui passeando pela cidade. Pertinho do parque de campismo fica o porto e, bem no meio, a famosa península de Tinganes, de casinhas vermelhas com telhados de relva. Ali ficam as diversas dependências do governo das ilhas, em casinhas com 3 ou 4 séculos! Com aquele aspeto de casinhas de pescadores, é um dos conjuntos parlamentares mais antigos do mundo em funcionamento e claro que eu tinha muita curiosidade de ver de perto! Não imaginava que se podia passear por ali livremente e caminhar até ao mar, sem qualquer restrição. Foram momentos muito bonitos que guardo na memória, pela beleza das ruelas e pelo silêncio apenas cortado pelo som das águas e o piar das gaivotas!” (in Passeando pela Vida – a Página)

Claro que tal nome chamou a minha atenção! Portugalid é uma antiga prisão com casa de guarda.

Pode-se literalmente andar por todos os caminhos ali, não há nada que nos impeça de seguir, nem nos proteja de cair! Cada um é responsável por si mesmo!

Depois dá-se a volta, porque nem todos os caminhos têm saída, e pode-se ir até ao fim da península

O último edifício é o Skansapakkhusid, uma construção que serviu para armazenamento e hoje abriga os escritórios do primeiro-ministro faroês.

E o limite da pequena península, em pedras sem qualquer proteção ou impedimento, para quem se quiser aproximar!

Definitivamente não havia muita gente pelas ruas naquele dia!

Há diversos exemplares de arte urbana pela cidade e edifícios decorados com pinturas criativas nas suas fachadas, em vez da pintura básica e lisa tradicional

E então lá estava um jardim muito bonito!

Eu vira-o desde Tinganes, encimado pela catedral

A Catedral de Tórshavn é um edifício do século XIX, é luterana e apenas foi consagrada catedral em 1990 quando a igreja faroesa se tornou independente de Copenhaga!

Estava fechada, uma pena pois teria sido giro vê-la por dentro, igrejas de madeira sempre me atraem a atenção!
Mas eu iria voltar para a ver, afinal a minha casa era bem perto.

A Câmara de Torchavn fica do outro lado da rua, diz-se Rådhus Tórshavn e eu adoro a bolinha em cima do “a”

mas muito mais interessante, bem abaixo da pequena colina da catedral, fica a H. N. Jacobsens Bókahandil, a mais antiga livraria das Ilhas Faroé e uma das lojas mais antigas, ainda em atividade, nas Ilhas. Foi fundada em 1865 por um encadernador e continua, hoje, muito bonita, cheia de coisas interessantes, preços fantásticos e funcionarias muito simpáticas.

Claro que me perdi lá dentro por muito tempo e por diversas vezes naqueles dias, e comprei uma pequena série de coisas que adoro, como pinceis, tinta da china, lápis e blocos de desenho… enfim, há quem compre souvenires de viagem e há eu, que compro material de desenho…

O meu dia estava por minha conta, por isso o meu almoço foi tipo lanche ajantarado, porque quem come uma pizza familiar às 6 horas da tarde está a concentrar, de uma só vez, todas as refeições do dia…

Coisas que gosto de apreciar numa cidade longínqua, são as suas lojas, como funcionam e o que vendem…

.. as roupas que se usam em eventos, roupas tradicionais e costumes em tais momentos.

Gosto de apreciar o cuidado que é dedicado aos cafés e esplanadas, isso mostra muito do que a cidade é, afinal um barraco no centro da cidade meio podre e todo sujo não seria de esperar numa capital tão pequena, onde todos se devem conhecer!

E, na realidade a organização, limpeza e cuidado com os pormenores cativou-me, definitivamente!

O Kioskin hjá Astu, que lindo nome!

Momentos em que qualquer um se sente pequenino!

Ainda subi à parte alta da cidade para ver de perto um edifício que me prendera a atenção desde o primeiro momento

Mas estava fechado. Uma espécie de igreja, centro paroquial, centro de recolhimento, algo de tudo isso, numa construção com um chapéu gigante. Só espero que quem projetou aquilo tenha aproveitado bem aquele sótão enorme. Tive de pôr a moto perto para servir de escala e não me deixar esquecer da dimensão estupida daquilo!

E voltei para casa, que o tempo estava a ficar cada vez mais irritado! Até as ovelhitas, nossas vizinhas, estavam meio desorientadas com a lã toda ensopada!

O parque de campismo estava alagado e a humidade no ar era quase palpavel.

Não sei onde aquelas motos todas tinham ido, mas já estavam de volta quando a minha se lhes juntou.

Uma agradável variedade de modelos se juntou em filinha:

Uma Tenere de Inglaterra
Uma África Twin da Dinamarca
Uma V-Strom da Inglaterra
Uma Transalp da Inglaterra também
E a minha CrossTourer de Portugal

Um belo bando de motos a tagarelar entre si, enquanto os seus donos se punham a tagarelar também lá dentro 😉

Aquele serão foi feito de memórias da Islândia. Um grupo de motociclistas comentara que eu fizera a Islândia toda sozinha por isso quando cheguei chamaram-me para o grupo. Fiz o meu chá e sentei-me junto deles.

Várias pessoas queriam saber como era passear por lá, as paisagens, as condições de acampamento, as distâncias e as belezas naturais. Eu queixava-me que não tinha conseguido ver tanta coisa, quando os três fulanos, que tinham vindo de lá no mesmo ferry que eu, chegaram à conclusão de que, perto do que eu vira, eles não tinham visto nada! E quiseram ver as minhas fotos no meu telemóvel como todos os outros, como se como eles, nunca lá tivessem estado! Foi tão bizarro!

“Ninguém volta igual depois de visitar a Islândia de moto sozinho!” disse um viajante dinamarquês, que viajava em grupo.
Percorrer aquela imensidão, lutando contra ventos ciclónicos e vencendo os obstáculos mais inesperados sem um cúmplice, a sós com a sua moto, muda um viajante para sempre. Por isso ele teria de lá voltar um dia, sozinho, quando tivesse coragem.
Parabéns para mim, concluiu ele!

E eu escrevi, para não me esquecer das suas palavras…

E viram o meu pequeno vídeo do embarque vezes sem conta. Eles tinham GoPro, mas não tinham filmado nada de especial e nem se tinham lembrado de filmar o panorama da partida. Eu nem uma camara de capacete levei…

Estava um frio de morrer, fui buscar a minha botija e enchi-a de água quente debaixo do olhar mais surpreso daquela gente, e fui dormir quentinha. Naquela noite vários deles dormiriam na sala de estar porque estavam gelados e molhados demais para dormirem nas tendas.

É, molhar um saco cama de inverno é do pior que pode acontecer, nunca mais secaria com toda aquela humidade…

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