15. Passeando pela Grécia/Balcãs – a caminho da Sévia com muita chuva…

2 de setembro de 2022

Às vezes perguntam-se se eu desenho os trajetos diários das minhas viagens no computador e depois os coloco no GPS para os seguir no local. Claro que não! Eu sei lá se em agosto me vai apetecer seguir um trajeto que desenhei e maio ou junho! Cada caminho é decidido na hora de acordo com as coisas que quero ver, mas, se não me apetecer ou o tempo não ajudar, eu improviso e passo apenas onde me apetecer! Não tenho espírito para ser escrava nem de mim mesma!

Embora estude atempadamente e direitinho tudo o que posso querer ver, é na hora que eu decido o que vou realmente fazer! E com o tempo que estava lá teria eu de improvisar até ao meu destino, nadando de moto até Kuršumlija…

Desanimadora a paisagem molhada a partir da minha janela…

Como sempre que está chuva quando acordo, enchi-me de comida num pequeno almoço muito simpático. Já que não poderei ver muita coisa posso, pelo menos, comer com muita calma!

Depois, sempre com muita calma e paciência, enchi-me de roupa, transformando-me na versão negra do Boneco Michelim para me fazer ao caminho. Detesto vestir fatos de chuva no verão, quando o que apetece realmente é vestir menos roupa!

Ao menos hoje, se a chuva molhasse minha mão, eu não sentiria o pulso esquerdo febril, o que acalmaria um bocado aquela dor permanente que me acompanhava dia e noite… sei lá, digo eu!

Ao menos não estava tanto calor como os calções e t-shirts dos transeuntes davam a entender!

Não sou arquiteta, mas as construções “diferentes” sempre me atraem. Já desviei muitas viagens por dezenas de quilómetros do seu curso, apenas para ver um monumento, um edifício ou uma ruina!

E ali estava o Panorama Pleven Epopee 1877 que eu queria ver!

Também conhecido como Pleven Panorama, contém representações dos acontecimentos da Guerra Russo-Turca de 1877, em particular o Cerco de Pleven. Mais uma forte referência ao cerco, que durou 5 meses, tornou a cidade famosa internacionalmente e foi crucial na libertação da Bulgária, após séculos de domínio otomano.

Aquele é o único monumento do género em todos os Balcãs e foi construído em 1977, exatamente 100 anos depois da libertação de Pleven.  

O monumento foi construído no local do campo de batalha e dizem que os três anéis horizontais que circundam todo o edifício, simbolizam as três batalhas de Pleven. O de baixo, ao que parece, simboliza o cerco da cidade!

O ar de O.V.N.I. ficava ainda mais evidente com o chão molhado e o céu cinzento!

Não há forma de uma pessoa não se sentir um bocado miserável quando viaja à chuva! Sobretudo quando sabe que está a atravessar uma zona bonita, com um rio onde se pode caminhar e fazer fotos giras… Mas com aquele tempo não dava para esses devaneios, por isso lá fui seguindo ao som da minha musica, até que uma construção encantadora me fez parar! Era o Ресторант “Родина” – em tradução macaca do Google – Restaurante “Rodina”.

Normalmente eu pararia numa estação de serviço, para ficar protegida da chuva enquanto descansasse e tomasse qualquer coisa, e até havia duas ao alcance da vista. Mas aquela casinha em forma de moinho retirado de um conto de fadas, era muito mais atrativa!

Atrativa o suficiente para que eu me dispusesse a fazer um picnic à chuva e me dedicasse mesmo a fazer uma ou duas aguarelas, meio borradas pelas pingas da chuva, mas muito engraçadas!

Uma pena que estivesse fechado senão eu teria almoçado ali mesmo, seguramente!

E segui para Sófia, pois não havia muito onde ir na chuva!

Lá estava a Catedral de Alexandre Nevsky (sim, ela tem um nome que não é Catedral de Sófia!) uma obra arquitetónica impressionante que fica no centro da praça. Foi construída no início do século XX e sua arquitetura reflete a influência da tradição ortodoxa oriental combinada com elementos do Renascimento russo. Construída em mármore branco e granito tem aquele ar robusto, mas elegante, com um estilo moderno de influencia neobizantina, visivel nas cúpulas altas e os detalhes das fachadas. 

Não pude deixar de sorrir ao recordar que, da primeira vez que a vi ela me fez lembrar um grande bolo decorado de branco, verde e dourado, no meio da grande travessa que era a praça!

Ok a praça é grande, mas não se percebe muito bem onde se pode estacionar! Dei duas ou três voltas para parar e já ia para dentro quando dois homens me avisaram que não devia deixar a moto ali. A sério? Parecia-me tão bem estacionada junto a uma fileira de carros! Tinha de a pôr no outro lado da praça onde era permitido o estacionamento ao publico, ali era só para entidades oficiais não sei de quê.

Então puseram-se a inspecionar a minha moto em pormenor. Um deles tinha encomendado uma NT1100 há meses e diziam-lhe que só a teria lá para janeiro!

Ficou muito chocado quando eu disse que a minha já tinha 6 meses. “Seis meses? Como é possível se simplesmente não existem para entrega?!”

“Olhe que não, ainda ontem vi uma em exposição em Drama, na Grécia”

“Não pode ser, você é que deve ser muito importante no seu país para ter uma NT há tanto tempo!”

E lá foram embora, convencidos de que eu era uma personalidade importante no meu país, para ter uma NT com 6 meses e já com 20.000km!

O interior apresenta uma planta em forma de cruz grega, com ícones religiosos decorando as paredes e tetos.

A história da Catedral de Sofia remonta ao período pós-libertação búlgara do domínio otomano, quando a construção da catedral foi iniciada para celebrar a independência nacional. Ao longo dos anos, a catedral testemunhou eventos marcantes na história búlgara e desempenhou um papel central na vida religiosa e cultural do país.

“As catedrais sempre me fascinam, mas a de Sófia é daquelas que me atraem particularmente, porque é ortodoxa e o seu estilo neobizantino me fascina! Está ali, no centro da praça Sveti Aleksandar Nevski, o mesmo santo a quem a catedral é dedicada, como um grande ícone vivo da capital búlgara! No interior ela é grande, ampla e sombria, cheia de beleza antiga, como se tivesse muito mais que os seus cento e poucos anos. Eu sempre tenho cuidado ao entrar num templo de outra religião de que desconheço os costumes, não gosto de perturbar quem está, mas ali vieram ter comigo, receberam-me com simpatia e puseram-me à vontade para visitar, só deveria pagar um valor para poder fotografar. Acho justo, aquela beleza tem de ser cuidada! ” Passeando pela Vida – a página in Facebook

O imponente trono do Czar!

Aqueles tetos altíssimos, que quase não conseguimos ver quando as luzes ofuscam o nosso olhar, são revestidos com afrescos que eu gostava de observar mais de perto. Mas dão, mesmo sem os conseguirmos ver direito, uma atmosfera impressionante como se estivéssemos no amago de uma entidade imensa!   

Tinha de parar na Praça da Independência Nezavisimost, só para apanhar a antiga casa do Partido Comunista Búlgaro, hoje funciona ali a Assembleia do Povo da Bulgária.

É um dos três edifícios de “estilo Império de Stálin” que foram construídos nos anos 50 para alvergarem diversas dependencias governamentais e continuam até hoje a ser sedes do governo Búlgaro.

“No coração de Sófia fica o monumento a Santa Sofia, a padroeira da cidade, no mesmo sitio onde esteve a estátua de Lenin, nos tempos soviéticos do país. A bela escultura, em bronze e cobre, fica a 16 metros do solo e pode ser vista de longe, acima de todo o movimento do transito. Hagia Sophia segura na mão direita uma coroa de louros, símbolo da glória, e no braço esquerdo esvoaça uma coruja, símbolo de sabedoria. Tão bonita!” Passeando pela Vida – a página in Facebook

A sua fisionomia foi baseada numa imagem de um emblema da cidade retirado de uma moeda antiga.

Ia deixar Sófia e a Bulgária para trás, apenas parei para captar uma ultima perspetiva da cidade, com os edifícios da praça ao fundo, e segui caminho antes que a chuva voltasse!

E lá cheguei à ponta de uma fila de carros que, certamente, era para passar a fronteira. Felizmente não chovia, mas, mesmo assim, fui furando tanto quanto pude até chegar aos separadores que não deixavam espaço para a habilidade.

E era tão custoso e doloroso andar numa fila de arranca-e-para com a mão esquerda sem força nem agilidade para acionar a embraiagem de metro em metro!

Quando cheguei ao posto da fronteira estava exausta e sem força nas mãos sequer para retirar os documentos da bolsa de cinta! E enquanto eu lutava com o fecho da bolsa e tentava retirar a carteira de lá de dentro veio a pergunta da praxe:

“Your friends?”

Não resisti e soltei uma gargalhada soltando os braços e deixando-os cair para baixo.

“no friends, I’m alone!” Felizmente o homem era um policia jovem que, depois de ficar surpreso com a minha reação, sorriu também.

Naquele momento eu já pus o passaporte no bolso de trás das calças, para não ter de andar sempre a lutar com a bolsa de cinta, a cada vez que tinha de mostrar os documentos.

E entrei na Sérvia!

Fui direta para o alojamento, rezando para que fosse um sitio fixe, com restaurante ou cafetaria, para eu não ter de sair de moto para lado nenhum.

Só ao chegar me lembrei que o sitio não era perto do centro de Kuršumlija, mas, felizmente, tinha restaurante no rés-do-chão. Embora se chamasse Motel, era uma pensãozinha de beira de estrada, onde paravam imensos camionistas para comer, nas suas rotas de grandes distâncias, a considerar pelas matriculas dos camiões que já lá estavam e dos que foram chegando depois de mim.

A minha chegada teve um impacto engraçado, as pessoas que estava no café ficaram em silêncio assim que eu entrei, só recomeçando a falar quando eu segui para a receção. As pessoas da receção ficaram muito espantadas a olhar para mim, como se eu tivesse acabado de aterrar num disco voador.

Depois percebi que não se tinham dado conta de que eu era uma mulher, perceberam que iam ter um motociclista como hospede, já que eu o tinha comunicado no momento da reserva, mas pensavam que eu seria um moço barbudo e tatuado, de correntes pendentes do cinto das calças.

Ainda me ri com eles ao jantar, quando me confidenciaram que a minha moto era muito bonita e que eu parecia uma versão moderna de um cavaleiro Raška!

Raška eu?

Então percebi pelas suas expressões que aquilo devia ser um cumprimento. E era, estavam a referir-se a principados e cavalarias medievais sérvias!

Amanhã darei mais um passo de muitas centenas de quilómetros na direção de casa, até Montenegro.

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