2 de agosto de 2013
A Provença é aquela zona perfumada que eu queria visitar!
É só escrevinhar o nome no Google e a cor da lavanda aparece por entre imensas imagens encantadoras de aldeias medievais lindíssimas, construções de pedra e imensas planícies de perder de vista, entre montes, e rios, e penhascos…
Desde a minha primeira viagem que por ali passo cheia de encanto e vontade de explorar mais um pouco. O perfume paira no ar vindo de todo o lado sem se saber de onde, porque o traz a brisa e o levamos na memória!
No ano passado os pequenos problemas com a gasolina fizeram a minha moto ressentir-se e preocuparam-me ao ponto de não me deixarem passear descontraidamente por ali, e trazia comigo a vontade de voltar. Este ano voltei e, de novo, me maravilhei!
Eu sabia que implicaria fazer uma série de quilómetros para passar onde queria, sabia que o calor seria um empecilho, mas não resisti!
Dei a minha volta por Albi, em tom de despedida e panorâmica geral.
O rio Tarn dá-lhe um encanto antigo e romântico! Aquele rio é, aliás, cheio de encantos no seu percurso!
Estava fresquinho por ali, àquela hora da manhã, eu parei a moto em cima do passeio junto à ponte e apeteceu ficar mais um pouco. Três velhotes pararam junto à moto e esperaram que eu me aproximasse.
“É você que conduz esta moto?” – perguntou um deles.
“Sim.”- Respondi
“Vês? Eu bem te disse que ela vinha sozinha, não havia nenhum homem com ela!” – dizia um deles para os outros.
“Bem! Mas esta moto é muito grande e pesada! Como consegue pegar nela?!” – perguntou outro visivelmente impressionado.
“Não há problema, senhor, é ela que pega em mim e não eu que pego nela! Por isso ela pode bem comigo!” – respondi rindo-me.
“Pois, mas você é tão magrinha e ela tão gorda!” – espantava-se um – “não leve a mal eu dizer que a menina é magrinha!”
“Uma senhora nunca se ofende se a chamam de magrinha!” – eles riram-se. Perguntaram de onde eu vinha e arregalaram os olhos quando perceberam que (para eles) eu vinha de muito longe.
“Pois, é magrinha mas aaaalta! Nem parece portuguesa!” – e olhavam para mim com uma admiração enternecedora.
Peguei na moto e acenei-lhes adeus, os 3 levantaram logo as mãos e acenaram também. Acho que fui o assunto de conversa para todo o dia!
Ainda passei no centro da cidade, estava deserta, o calor começava a chegar, e eu parti.
As distâncias nem parecem muito longas quando as paisagens são encantadoras!
E a Provença era logo ali, sentia-se pelo perfume que começava a pairar no ar. Os campos de lavanda apareceram nas bermas das ruelas mais à frente, primeiro ainda pálidos, ao chegar a Larnes.
O calor já era muito, sentia-me suada e com vontade de me meter na água e, de repente, era a frescura no meio do calorão e o perfume suave no ar fazia com que me sentisse de alguma forma, fresca!
Parei um pouco junto à Eglise de St Pierre, uma construção românica deliciosa do séc. XII, no meio do perfume e da cor púrpura!
Mas eu ia a caminho de Saint Montant, “Le plus beau site médiéval de l’Ardèche”! E era mesmo!
Uma aldeia na encosta, feita de cantos e recantos empedrados, com arcos, escadas e passagens encantadores!
Não havia por lá ninguém! Que maravilha, quase entrava na casa das pessoas nas infinitas voltas que dei lá por dentro!
Cada recanto e passagem era uma promessa de frescura e sombra que eu não conseguia deixar de apreciar!
O tempo que eu andei por ali, sem ninguém para me perturbar! Pude sentar e desenhar, fotografar e apenas estar!
Sem turistas por perto nem tive de esperar para poder “apanhar” espaços sem ninguém! Eu era a única pessoa a visitar aquilo tudo!
Escusado será dizer que tirei um milhão de fotos…
Uma pérola de silêncio e paz no meu caminho!
Os caminhos que segui eram igualmente feitos de paz e encanto…
Até chegar a Gordes… onde estava toda a multidão que não estava em St Montant!
Nem me apeteceu parar, pousar a moto e embrenhar-me na confusão! Preferi ver de longe, onde o barulho e a trapalhada do turismo nem se fazia ouvir!
Porque o meu destino era um pouco mais à frente! Podia ver lá em baixo, uns quilómetros à frente, o que eu procurava!
A Abadia de Senanque, do séc. XII, rodeada de campos de lavanda é quase um ex-libris da Provença, e é linda!
Então pude passear por entre a lavanda e pôr a mão e tudo! Por aquela altura eu já achava que tinha mesmo tomado banho e todo o meu corpo emanava aquele leve perfume delicioso!
Sentei-me e, por entre longos exercícios respiratórios, que não eram mais do que absorver todo aquele aroma, voltei a desenhar e nem quis saber se teria tempo de visitar a abadia!
“Quero lá saber, quero é curtir este êxtase!”
Quando eu pensava que nada podia haver de melhor para viver por ali, entrei na igreja e fui recebida pelos cânticos gregorianos de um grupo de monges! Que coisa extraordinária!
Quando lá voltar tenho de ir visitar os claustros que são lindos, naquele momento nada disso me apetecia!
E fui passeando pelos campos de alfazema, cada vez mais frequentes e cada vez mais perfumados e coloridos!!
Não sei quantas vezes parei para ver de perto e para pôr as mãos! Dois carros me seguiam e nunca me ultrapassaram, paravam sempre que eu parava e as pessoas saiam e faziam o mesmo que eu! Parecíamos todos tolinhos, parávamos, e íamos passear pelos carreiros entre a lavanda, voltávamos a seguir e a parar mais à frente!
Há mesmo miradouros para se poder apreciar os imensos tapetes purpura na planície lá em baixo!
Acho que ali ninguém planta batatas ou cebolas, ou flores de nenhum tipo para além da lavanda!
E quando a lavanda pareceria nunca mais ter fim, entrara já nos Alpes Provençais e Sisteron apareceu ao fundo!
E anoiteceu num espetáculo digno de toda a beleza que me acompanhara até ali!
A “minha casa” naquele dia era ali perto, numa montanha, em Authon.
Comecei a subir e os quilómetros a escoarem-se até que, 25km depois o GPS me diz “chegada ao destino à direita!”
Era noite fechada já e, à direita havia apenas o precipício, porque à esquerda nada havia!
“Raios, queres que eu durma em cima da pedra a 2.000 metros de altitude?”
Nada havia em redor e eu não sabia o que fazer, andei um pouco para a frente e nada havia também, via as luzes de uma casinha ao longe, mas o caminho era isso mesmo, um caminho manhoso! Fui até lá e nada mais faria, ou era ali ou iria para Sisteron arranjar onde dormir!
No escuro puder perceber um senhor que passeava o cão! Aproximei-me e perguntei-lhe se sabia onde era o sítio onde eu deveria dormir. O homem ficou aparvalhado a olhar para mim quando falei!
“Você é uma senhora!” – exclamou!
“Valha-me Deus, queres ver que se vai pôr com conversas sobre mim e sobre a moto, e de onde eu venho ou para onde vou, e eu estou aqui no meio do monte na conversa em vez de ir procurar a minha cama?!”
Mas não, passada a surpresa inicial, ele sabia onde era sim, só tinha de andar mais uns 4 ou 5 quilómetros e estaria lá!
Explicou-me então que ficou em pânico quando viu uma moto tão grande vir na direção dele, pelo carreiro onde nem os carros cabiam, e o quanto lhe soube bem ouvir uma voz de menina e não de um homem enorme e barbudo!
Ficou a ver-me dar meia volta, com as rodas a caírem para os campos mais baixos nas bermas do caminho e disse-me adeus quando parti, cheia de “mercis” e “bonnes nuits”.
O sítio onde dormi era um refugio para esquiadores e caminhantes e receberam-me cozinhando para mim, com direito a vinho e café e aquecimento no quarto pois por ali o frio chega cedo!
Que bem que eu dormi!
Fim do 4º dia de viagem!