42. Passeando por caminhos Celtas – Bulnes… antes de regressar a casa…

1 de Setembro de 2014

E este era o meu ultimo dia de viagem, o dia em que eu iria embora, aquele em que a minha casa, ao fim do dia, seria mesmo em casa.

Há sempre uma vontade de voltar e rever o meu canto, o meu moçoilo, parar e nada fazer para além de apreciar o estar! Mas há sempre também uma enorme vontade de continuar, de seguir explorando, descobrindo. É tão difícil lidar com a sensação de urgência, de necessidade de continuar fora do banal e da rotina do dia-a-dia…

O meu mapa seria o mais simples e menos criativo, como um ponto final pode ser…

Estava fresquinho ali em cima, mas eu tomei o pequeno almoço cá fora, com a minha motita como companhia e a paisagem inspiradora a alegrar a minha despedida!

Sotres estava particularmente solarenga e colorida, o que era uma inspiração para a minha ultima passeata por aqueles montes!

E de novo a estrada serpenteante, desde o topo dos montes, me fez querer continuar a conduzir eternamente pela montanha.

Cabrales lá ao fundo…

Mas eu não iria embora já, eu queria subir até Bulnes antes de partir e, demorasse quanto demorasse, eu iria faze-lo!

Antes de ser construído o funicular, o acesso à aldeia lá em cima era difícil, por caminhos irregulares e nem sempre acessíveis. Mas agora tudo é simples!

Entra-se naquela espécie de autocarro em degraus…

E sai-se lá em cima, junto da aldeia!

Uma pequena placa anuncia o nosso ponto de chegada!

“Bulnes (La Villa), como aparece designada na placa que nos recebe quando chegados ao pueblo vindos do funicular, é uma aldeia encantadora a mais de 600 metros do nível do mar, com a montanha gigantesca a servir de paisagem e protecção! E, para lá da montanha que fica mesmo em cima, fica o Naranjo de Bulnes, imponente, como uma entidade que tudo vê, tudo observa, lá em cima. Este pequeno pueblo já foi o mais isolado de toda a Espanha mas agora conta com o funicular que se tornou uma ponte tão pratica e bem-vinda, para turistas, alpinistas e habitantes. E foi nele que eu subi até ao paraíso. A calma e a paz tomou conta de mim mal cheguei lá acima, e a vontade era de ficar, caminhar, escrever, desenhar… fechar os olhos e reter para sempre aquela sensação. Subi um pouco o monte, nunca poderia ir até ao Naranjo, mas podia ficar lá em cima mais um pouco, no meio de vacas e riachos e ruídos feitos de silencio como só a natureza sabe fazer…”

(in Passeando pela vida – a página)

A aldeia é um encanto, com ruinhas estreitinhas e casinhas que parecem de brincar!

Passeei por ali sem qualquer pressa, afinal as coisas bonitas não têm tempo para ser apreciadas!

Pormenores que enchem de encanto o que já é encantador!

Tem ali mesmo, na berma do riacho, um restaurante lindo e eu decidi que iria almoçar ali. Seria o meu local de despedida da aldeia e da viagem, depois eu iria para casa contente e com uma belíssima memória!

Mas antes eu iria subir o monte!
Não muito, mas iria subir enquanto me apetecesse subir, para ver e ficar um pouco pelo caminho a apreciar o momento!

As perspectivas da aldeia eram sempre encantadoras, sobretudo quando me afastava e ela ia ficando para trás… lá para baixo…

O caminho é empedrado, o que facilita a sua descoberta no meio da vegetação e a sua escalada.

Mas à medida que ia subindo ele ia ficando cada vez mais torto e escavacado! Alguém andava a revirar as pedras que o calcetavam!

A subida ingreme valia a pena, pela paisagem que ia proporcionando e pela paz do silêncio que me permitia experimentar.

Sentava-me na berma do caminho e olhava em volta. Havia casitas pela encosta, refúgios ou apenas casebres de armazenamento de materiais, que tornavam o enquadramento perfeito!

Fiz zoom e percebi que eram mesmo casinhas habitadas!

Eu não tinha água nos meus pinceis de reservatório, uma falha minha que não os enchera lá em baixo, mas podia ouvir o restolhar da água por ali. Se a água fosse limpa poderia enche-los com água da montanha!

Lá estava ela! Não era muita, podia-se ver que o pequeno lago habitualmente suportaria muito mais água, mas o verão ia adiantado por isso já se perdera muita!

E sim, era bem limpa e sem impurezas! Eu podia encher os meus pinceis sem temer que alguma poeira entupisse a passagem da água do reservatório para o pincel em si!

Ora com os pinceis prontos já podia fazer umas aguarelas simples por ali!

Então eu vi de novo o Naranjo!

E enquanto olhava para ele um avião completou o quadro com uma linha branca. Que coisa bonita!

O pico é verdadeiramente impressionante!

Ouvia chocalhar perto de mim, no meio do silêncio da montanha, uma vaquinha pastava placidamente.

Vaquinhas de alta montanha que escalam os caminhos e lhes reviram as pedras! Entendi de repente quem dava cabo do caminho que eu vinha percorrendo!

Ouviam-se chocalhos mais em baixo e mais alem, havia vacas a pastar por ali sem que eu entendesse de onde vinham ou para onde iam!

E as suas pegadas de repente tornavam-se tão obvias por entre as pedras do caminho!

Comecei a descida, não tinha interesse em ir muito mais longe pois não iria caminhar até ao pico nem voltaria para Sotres por ali. Eu iria voltar a Bulnes, comer e descer o funicular!

Varias grupos de pessoas começavam a subir quando eu estava já a descer. Deviam ficar intrigados questionando-se de onde vinha eu de chapéu e blusão debaixo do braço, quando todos os que encontrei subindo iam equipados com roupas próprias para caminhar!

E, tal como decidira à chegada, fui almoçar, tudo aquilo a que tenho direito por aquelas terras, onde se come tão bem!

As mesas na esplanada são encantadoras, com flores por perto e o riacho a correr ao lado.

Havia gente do outro lado a comer sandes e eu não tive inveja nenhuma delas, pois o meu menu prometia ser bom!

A minha ultima refeição de viagem era composta por entradas de patê com tostas e vinho! Trouxeram-me uma garrafa inteira de vinho só para mim!!!

Depois uma bela fabada asturiana!

E foi só aí que me lembrei de fazer uma (tão na moda) selfie!

A seguir veio carne com batatas. Valha-me Deus, aquela gente não parava de me trazer comida!
E por fim ainda tive direito a sobremesa e café e não me apetecia andar, só rolar…

Não sei quanto tempo fiquei ali a curtir uma barriga cheia de comida, até que me obriguei a levantar da mesa e ir embora!

O funicular fica por ali, no meio dos montes…

E desci sozinha, àquela hora as pessoas queriam subir, não descer!

E fiz-me à estrada, sem vontade de parar em lado nenhum!

Afinal se eu tinha de voltar para casa, que fosse logo, não valeria a pena andar a catar as proximidades, pois essas eu cato a qualquer momento!

Cheguei a casa cedo, o moçoilo esperava-me na garagem para me dar as boas-vindas e me tirar as ultimas fotos da viagem.

A minha motita, mais uma vez, portou-se muito bem nesta viagem, sempre fiel e amiga, agora ficaria sem malas a dormir na sua casa depois de mais de um mês de estrada.

E eu cheguei ao meu escritório a tempo de ver o pôr-do-sol na minha janela…

E foi o fim do ultimo dia de viagem…

Cheguei a casa depois de:

34 dias
16.500 km
15.600 fotos
850 litros de gasolina
1.250.50 € em gasolina
629 € em dormidas
244€ Ferrys
Despesa total: 2.615.48 €

O que me faltou?
Um pouco mais de tempo para explorar tanta beleza que tive de deixar para trás!

O que sobrou?
Encantamento ao percorrer terras antigas cheias de lendas e vestígios de um passado que me fascina, como é o celta.

O que valeu a pena?
Tudo valeu a pena, porque depois das chuva os céus são lindos e límpidos e as nuvens da Escócia contrastam de uma forma deslumbrante esse azul…

O que teria dispensado?
Alguns momentos de frustração que a chuva provocou, quando começou a interferir com o mp3 e com a maquina fotográfica!

O que me apetece dizer ainda?
Esta viagem foi deslumbrante e variada o suficiente para ter deixado uma sensação de que ficou muito para ver!

Adeus e até ao meu próximo regresso à estrada!

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41. Passeando por caminhos Celtas – Passeando pelos Picos da Europa

31 de agosto de 2014

Eu queria tanto ficar ali por muitos dias…

O albergue fica no extremo do penhasco onde fica o pueblo, acima dos 1000 metros de altitude e com o precipício tão perto quanto deslumbrante. Podem-se ver algumas casas da aldeia mais à frente e apetece ficar, relaxar, aproveitar o tempo para escrever um pouco, talvez desenhar…

Mas não dava mais, eu tinha de partir, o mês de agosto estava a chegar ao fim e no dia seguinte eu iria para casa. Felizmente o tempo ajudava, com um sol radioso e uma temperatura amena, que desceria a pique ao anoitecer, mas tudo bem.

A cada vez que passo eu visito os Pico da Europa e, à semelhança do que faço em sítios onde passo muitas vezes, escolho uma parte diferente para passear e, desta vez, a minha estadia em Sotres tinha como intensão levar-me a reviver caminhos que não fazia há tanto tempo! Há tanto tempo que ainda os fiz de Africa Twin, percorrendo trilhos e catando caminhos cheios de beleza.

Sem uma trail eu não poderia meter-me por trilhos, mas podia explorar ruelas em caracol a pique que eu conhecia e era o que eu estava determinada a fazer: levar a minha motita até ao topo dos montes e rever picos que são para mim “velhos amigos”.

E sem querer ir muito longe, apenas me deixando ir, a quantidade de coisas que eu veria naquele dia!

No albergue estava alojado um motard que meteu conversa comigo na noite anterior. Era espanhol, já não me lembro de onde, e não queria ir a lado nenhum, não gostava de nada do que eu gosto, não via interesse nas coisas que me moviam e apenas viera até ali para fazer quilómetros.

Fiquei a vê-lo preparar-se para partir, imaginando o que eu faria naquele dia se tivesse a moto dele à minha disposição!

Eu não tinha pressa nenhuma, tinha o dia inteiro para passear e a minha motita leve e sem tralhas para me acompanhar, tudo o que eu precisava para ser feliz!

Apenas o caminho desde Sotres até ao mundo real cá em baixo já era um deslumbramento em cada curva!

Difícil seguir quando o que apetece é parar e fotografar cada pedaço de caminho!

Então, de entre as ruinhas sem pavimento, lá apareceu a que eu queria, estreitinha, cheia de curvas e com um piso aceitável para a minha bonequinha poder subir!

Era a estrada do paraíso!

Com uma sequência extraordinária de curvas em cotovelo a inspirar a condução!

Então eu vi-o!

Parei a moto mesmo ali e fiquei a aprecia-lo!

Ao tempo que eu não via o Naranjo de Bulnes e lá estava ele, imponente e tão visível como poucas vezes está!

Sentei-me na moto e desenhei…

Ali acima fica um mirador. É tão bom caminhar por tão impressionantes caminhos sem um milhão de turistas a perturbar o silêncio!

Como um altar onde se pode venerar a natureza, é o que aquele, e outros miradores por ali são!

Deslumbrante!

“O Urriellu Picu, ou Naranjo de Bulnes, é aquele pico extraordinário no coração dos Picos de Europa que se impõe, como se de gente se tratasse, sobre nós! Majestoso, não é o ponto mais alto daqui da montanha, mas é seguramente o mais mítico. E basta olhar para ele para se entender porquê. Fiquei ali a olha-lo como se fosse a primeira vez que o via. A montanha sempre tem esse efeito sobre mim. Tenho de o rever amanhã, antes de me ir embora, em tom de despedida.”

(in Passeando pela vida – a página)

Simplesmente não conseguia tirar os olhos dele!

E voltei a desenhar!

Que tempo inspirador estava! Um céu azul intenso sempre inspira para fotografar e desenhar!

Inspiração para explorar caminhos duvidosos mas que a minha bonequinha ainda vai conseguindo fazer!

E quando se vai aos Picos há sempre um ou dois pontos de passagem obrigatória!

Covadonga, uma rápida passagem, só para ver se está tudo no mesmo sítio!

Pelayo, o primeiro rei das Asturias, a quem chamam o primeiro rei de Espanha!

Ainda espreitei na igreja mas é proibido fotografar e quando me proíbem de fotografar a vontade que tenho é de voltar as costas e sair, e foi o que fiz!

“Diz a lenda que Nossa Senhora de Covadonga ajudou Rei Don Pelayo a vencer os mouros que atacavam e dominavam o norte de Espanha com um exército muito superior ao seu. Pela sua fidelidade e fé, Pelayo recusou-se a submeter-se e estava condenado a ser vencido, quando a terra tremeu e se abriu e engoliu boa parte do exército inimigo! Ele foi coroado rei das Astúrias, o primeiro e o seu quartel-general durante os tempos conturbados de guerras foi a gruta “suspensa nos rochedos”, onde hoje está a capelinha da Senhora de Covadonga. Olhando da rua, a capela ela lá em cima, numa reentrância escavada na montanha escarpada e vê-se o movimento permanente das pessoas que fazem filas para a visitarem e rezarem. Ali começou a reconquista da Península Ibérica aos Mouros, estávamos no início dos anos 700, bem antes da nossa nacionalidade!”

(in Passeando pela vida – a página)

Outro ponto de visita obrigatória é Cangas de Onis, com a sua igreja tão característica e o monumento a D. Pelayo na frente!

Ali não havia impedimento a fotografias. Eu nunca entendo muito bem porque não é permitido fotografar o interior de determinadas igrejas, parece que uma foto rouba algo ao monumento! Desde que não se use flash, nada se perde numa foto!

A igreja é recente, de meados do séc XX, e é consagrada a Nuestra Señora de la Asunción.

E logo ali fica o mercado que estava cheio de vida e de coisas boas!

Oh, o que eu me fartei de comer por ali enquanto catava todos os recantos e bancadas! Aquela espécie de empadas e bôlas de carne e de tudo, acompanhadas por uma boa cerveja, com uns pedacinhos de queijo que me iam oferecendo para eu provar, foi uma alegria!

Depois veio a ponte, tinha de vir! Incontornável a visita! Não sei quantas vezes já a visitei, nem quantas vezes já subi ali acima, mas naquele dia eu estava particularmente interessada em ficar um pouco junto dela.

Acontece-me frequentemente ao chegar a casa sentir que devia ter aproveitado mais um momento e, ao voltar a passar, corrijo o erro! E foi o que fiz, sobretudo porque queria fazer alguns desenhos e, da última vez que ali estive não estava sozinha, por isso não pude faze-lo!

De cima da ponte a paisagem é interessante! Ninguém imagina que a ponte é tão alta e que se consegue ver tão longe lá de cima!

Eu iria explorar aqueles lados a seguir, o Camin da la Reina, depois de explorar melhor a redondeza da ponte!

Aos pés da ponte há rochas com fartura para a gente passear, que estão frequentemente repletas de gente a fazer poses para a fotografia, com a ponte como cenário de fundo. Típico!

“Chamam-lhe ponte Romana mas ela denuncia traços posteriores, pode ser uma remodelação/reconstrução de uma ponte anterior e daí venha o seu nome! A Puente Romano de Cangas de Onís é como que o ex-libris da cidade, impossível passar e ficar indiferente! Da última vez que lá passei dei-me ao requinte de a viver bem de perto, passei-lhe por cima, desci ao rio Sella, passeei-me por baixo, pelos rochedos acessíveis, e admirei os seus encantos em todos os ângulos. É uma ponte admirável num ambiente encantador!”

(in Passeando pela vida – a página)

Mas eu queria ir para o outro lado, o lado que ninguém vê e onde ninguém quer ser visto!

O Rio Sella é muito bonito ali, tal como eu me lembrava e tal como eu precisava!

Sentei-me e ali fiquei, primeiro sem fazer nada, apenas a apreciar os encantos da envolvência…

A ponte vista deste lado é muito mais encantadora do que do outro, porque não se vê ninguém, aos magotes lá em cima a espreitar para a fotografia. Deste lado ela está só e linda!

Procurei um sítio menos frontal, gosto de ver as coisas em ângulos inspiradores…

e desenhei!

Fiquei ali tanto tempo, fiz vários desenhos, comi o resto das empadas e do queijo, acabei coma cerveja e só depois é que me fui embora.

O Camín de la Reina tem origem num caminho romano e deve o seu nome à Rainha Isabel II que o percorreu um dia a caminho de Covadonga! Começa logo a seguir à ponte e passa por 2 ou 3 pequenos povoados muito fofinhos!

E fui eu andando, parando e desenhando mais um pouco, aqui e ali!

Eu adoro aqueles espigueiros!

O rio, sempre encantador acompanha boa parte do percurso, tendo até uma central eléctrica algures numa encruzilhada, entre o voltar à estrada principal e o continuar pelo monte acima.

Claro que eu continuei pelo monte acima!

E quase pelo monte abaixo também, com a rua a desfalecer aqui e ali!

Que importa se as ruas têm saída ou se eu vou ter de voltar para trás a qualquer momento? Importa o que eu vou vendo e vivendo!

Então segui para Riaño que aquele embalse sempre me fascina!

“Eu nunca tinha visto o Embalse de Riaño tão vazio, talvez porque passe por aqueles sítios sempre no início da primavera e desta vez era já o fim do verão. Não sei! Mas a sensação foi de inteira novidade! A água era mais baixa, os montes eram mais altos e aquele leve toque de desolação provocado pelo vazio conferiu àquele reencontro um sabor de espanto, que não seria de esperar considerando a quantidade de vezes que já ali estivera antes. É sempre assim, nada está realmente visto para sempre, há uma emoção em cada visita que a faz ser única de novo!”

(in Passeando pela vida – a página)

Riaño é sempre um pueblo encantador, com os montes impressionantes como pano de fundo, esmo se o embalse está em baixo!

E a ponte, de repente, parecia tão alta! Uma sensação curiosa ver tudo de novo e ser como se fosse tudo novo!

O regresso a casa não tinha de ser pelo meso sitio, por isso atravessei o parque natural em direcção a Caín. Eu não iria até lá, mas iria curtir uma paisagem extraordinária e diferente do que vira durante o dia!

Tão relaxante passear pela montanha, tão gratificante sentir todas as variações de temperatura, todas as nuances dos odores da terra! Tão gratificante tudo por ali…

Era ali que eu viraria para casa…

“Não há nada que perturbe a serenidade de uma estrada de montanha, quando não há mais ninguém a percorrer o mesmo caminho que eu. E não há duas montanhas semelhantes, mesmo quando elas se erguem em altos muros de pedra bruta, a pique, a partir do chão, há algo no que vejo e sinto que me leva para os Alpes, algo que me traz para os Picos. E eu passeava por caminhos de Caín, como quem passeia pela primeira vez pelo paraíso, mesmo sendo caminhos tão conhecidos, tão já percorridos. Há sempre algo de novo na beleza, algo nunca visto, que faz com ela valha a pena reviver e revisitar…uma vez e outra…”
(in Passeando pela vida – a página)

E cheguei a casa que naquela noite seria ainda em Sotres…

E foi o fim do… penúltimo dia de viagem… amanhã eu iria para casa, para minha casa!

40. Passeando por caminhos Celtas – Até aos Picos da Europa

30 de agosto de 2014

O norte de Espanha era o fim do meu caminho celta. Eu não iria à Galiza, ultimo recanto celta antes de chegar a Portugal, mas iria às Astúrias, simplesmente eu queria acabar os meus dias de viagem ali, num dos recantos mais bonitos que conheço!

O meu mapa celta ficaria praticamente concluído nos dois dias seguintes e isso, se por um lado me enchia de satisfação, como sempre acontece quando concluo uma epopeia sem acidentes nem incidentes, por outro lado enchia-me de nostalgia… e os Picos da Europa seriam o sitio perfeito para eu parar, relaxar e passear um pouco, tão perto do céu, tão no meio do paraíso!

O dia acordou ranhoso mas mesmo assim eu não teria de correr por ali baixo até ao meu destino seguinte sem nada ver!

Dax estava ali à mão de semear e eu nada vira no dia anterior, por isso fui passear pela cidade! A cidade é conhecida como termal, portanto com vestígios romanos, como em todos os recantos da Europa onde há termas!

Junto da igreja havia feira, também é costume haver feiras ao fim-de-semana junto das igrejas, hábitos medievais a maior parte das vezes!

A igreja, que é uma catedral, a Cathédrale Notre-Dame de Dax, estava fechada mas a feira estava aberta e muito interessante.

Oh, o aspeto que a comida tinha já aquela hora da manhã! Apetecia atacar logo um frango assado ou um prato de paelha!

E os queijos! Oh os queijos franceses sempre me tiram do sério!

Mas eu ia tomar o pequeno almoço, não ia almoçar ainda, era muito cedo!

Foi curiosa a sensação de estar em casa que se gerou!

Sentei-me numa esplanada onde, pelo que me apercebi depois, toda clientela era gente da feira e por isso amigos e conhecidos entre si. Ficaram muito espantados a olhar para mim enquanto pousava amoto ali ao lado, até deram pareceres onde eu podia encosta-la sem perturbar. Depois quando me sentei e pedi um croissant e um café e o dono do café disse que já não tinha mais croissants os vizinhos das outras mesas deram-me dos deles, que não tinham comido.

“Mangez, vous avez besoin d’énergie pour conduire cet avion la!”

E foi na mais amena cavaqueira que eu me enchi de croissants e queijo e fiambre e sumo de laranja e tudo e não saia mais dali se não me forçasse a afastar com um adeus respondido por uma dúzia de mãos no ar!

Gente simples é gente boa em todos os países! Adorei-os!

A voltinha da praxe pela cidade foi feita de moto. É sempre assim, dou umas voltas por um lado e pelo outro, encontro o que procuro, paro um pouco…

Os morais sempre me fazem parar! Sempre que encontro “trompe l’oeil” eu paro!

Alguns são tão bem feitos que confundem mesmo os olhos, que vêem gente em janelas que não existem ao lado de gente que existe em janelas reais!

E lá estavam as termas romanas!

À saída da cidade, o touro!
As touradas e largadas de touros não são exclusividade peninsular, na França também são muito apreciadas, sobretudo por ali, pelo país basco francês!
As festas de Dax são parecidas com as de Bayonne, toda a gente veste de branco com faixas vermelhas, soltam-se touros e toda a gente corre em loucura pelas ruas, ao estilo do Festival de San Fermin em Pamplona e Navarra.

E por falar em Bayonne, era para lá que eu iria a seguir!

Ficava mesmo no meu caminho!

O dia estava cinzento, o que era uma pena, pois aquela cidade com sol é uma delícia! Assim o rio Adour estava meio tristinho com a cidade em seu redor menos colorida do que habitualmente!

A catedral sempre me despertou o interesse e nunca a tinha conseguido ver por dentro!

Sempre que passei em Bayonne havia festa e gente pelas ruas e a catedral estava fechada!

Mas desta vez a festa ia longe e estava mesmo à minha espera: aberta e sozinha!

A Catedral de Sainte-Marie de Bayonne é uma construção gótica extraordinária! Demorou uma eternidade até estar pronta, desde o séc. XIII quando começou a sua construção, com uns 4 séculos para acabar o corpo e mais 2 para terminar as torres! Como outras construções pela Europa, demorou para caramba a reunir as condições para a irem terminando!

Aquele teto, como sempre numa construção gótica, lindo!

E o claustro!

Como eu queria vê-lo…

Não havia ninguém por ali, embora o claustro tenha saída direta para rua, e eu sentei-me no chão e fiquei ali a olhar!

O centro do claustro é relvado e a igreja é visível dali como não é da rua, já que as casas estão muito perto e não dão ângulo para a ver!

Não resisti a tomar um café ali mesmo, numa esplanada junto ao edifício e curtir a sua presença tão perto!

E ali mesmo, nos recantos formados pelo próprio edifício da catedral, estava gente a vender as suas pinturas!

Pinturas para todos os gostos, incluindo o mau gosto!

Depois vinham as ruinhas, lindas, ladeadas de casa altas e coloridas!

Eu adoro aquelas ruas!

Com gente “maluca” sempre em festa algures! Pelo menos é assim sempre que ali passo!

A sensação de estar ali sempre se assemelha para mim a estar numa cidade espanhola!

Cheia de gente animada e viva e ambiente de festa, mesmo quando a festa já foi há tempos!

Apreciar a cidade de longe, do outro lado do rio…

Passear pelos seus recantos e descobrir pormenores curiosos…

Era tudo o que eu queria fazer há algum tempo, por isso desta vez eu passei lá no fim de viagem e não no início, quando apanho sempre as festas da cidade no auge!

A minha menina ainda encontrou uma prima antes de partirmos de Bayonne! 😀

O caminho é sempre o mesmo, por ali, e faço-o como se fosse uma rotina infinitas vezes repetida… e é! Quantas vezes já passei em Saint-Jean-de-Luz…

Depois entra-se em Espanha, quando a praia alterna com a montanha…

A foz do rio Agüera em Oriñón, sempre impressionante!

E a estrada encantadora que me levaria ao meu destino!

Chegar ali, depois de uma viagem cheia de coisas encantadoras, foi como colocar calmamente a cereja em cima do bolo!

Perdi-me pelos montes, como sempre me perco quando ando pelos Picos da Europa! São simplesmente caminhos por onde vale a pena e apetece perder-me!

Até que decidi subir até onde eu iria dormir!

As nuvens iam ficando ao meu nível… ou eu ao nível delas! Ali eu podia dizer que andava mesmo com a cabeça nas nuvens!

Eu queria subir e ficar, ter tempo para parar, ficar quieta, curtir aquele paraíso, naquele sitio onde eu já não ia há muito tempo!

Porque, como todos os sítios onde eu passo com frequência, eu alterno as zonas que visito, para que não me farte, para que haja sempre algo que eu não vejo há tempos, quando volto a passar!

O tempo que eu demorei a percorrer aqueles caminho de encanto, as vezes que eu parei, apenas para olhar, por vezes até me esquecendo de fotografar!

O sol punha-se e eu chegava a casa, que naquele dia seria em Sotres! Aos anos que eu não ía ali!

E foi o fim do 33º dia de viagem…

39. Passeando por caminhos Celtas – Descendo a França da Bretanha até à Aquitânia

29 de agosto de 2014

Um belo sol me despertou no dia seguinte! Que bom, para cobrir grandes distâncias a companhia do sol é sempre bem-vinda!

A casa onde eu estava hospedada estava em obras e fui acordada por alguém que esgravatava na parede do lado de fora.

Espreitei e aquilo deu quase uma cena tipo Romeu e Julieta, com o rapaz no andaime a conversar comigo na janela. Simpático, cobriu-se de desculpas por me ter acordado.

“Sem problema senhor, eu tenho mesmo de partir!”

Porque tem de ser tão perturbador o regresso a casa?

Porque não hei-de ser como toda a gente que, a certo momento, está farto de viajar e quer voltar para o ninho?

É claro que eu gosto de voltar a casa mas, a consciência de tudo o que eu gostaria de ver ainda é tão grande, que eu quero sempre continuar mais um pouco!

Naquele dia eu iria apenas descer a França, sem mais nada para fazer ou ver, apenas descer… e não é fácil descer um pais lindíssimo sem parar a cada quilómetro para ver mais um pouco! Por isso eu pus o meu GPS a pensar por mim, a levar-me por estradas secundárias, evitando tudo o que pudesse perturbar o meu caminho, e desci!

Voltei a passar na igreja de Pipriac, por uma questão de, já que não vou ver nada no caminho ao menos vejo a igreja da terrinha!

E aquela visita deu conversa para caramba com os senhores das lojas ali perto a fazerem-me imensas perguntas e a tirarem fotos à minha moto.

E então seguiu-se um percurso cheio de tudo e de coisa nenhuma!

Por entre searas e vinhas, campos e planícies adornadas com nuvens tão inspiradoras que nada mais me apetecia fazer senão conduzir, deixando a moto deslizar em movimento fluido e absorver tudo o que a minha memória conseguisse, porque o que via seria registado no meu mundo das sensações, não no das recordações históricas!

“Paisagem inspiradora é uma estrada cheia de possibilidades, de descobertas para fazer ou de sensações para despertar! E eu queria ter uma estrada no meu caminho, para fazer de novo amanhã, voltar a sentir que as minhas rodas me levam por onde eu quiser, a mim e aos meus sonhos. E quanto tudo parece tão longe e impossível, há sempre uma imagem gravada de espanto na minha memória, quando os céus me inspiraram e o horizonte me acolheu…”

(in Passeando pela vida – a página)

Cognac, quando as paisagens deixam de ser apenas searas e passam a ser também vinhas….

É tão inspirador viajar com paisagens deslumbrantes e céus impressionantes…

Entrei em Cognac, estava na hora de comer qualquer coisa e, para minha alegria, havia no centro um stand Honda!

A minha bonequinha já levava mais de 12.000 km de viagem sem nada pedir para além de gasolina mas, como já é hábito em todas as viagens que faço, uma luz vinha fundida há uma série de quilómetros!

Eu tenho de aprender de uma vez a trocar uma lâmpada, pois é coisa fácil e necessária, já que há sempre uma que me abandona pelo caminho!

“Como sempre a minha bonequinha ficou ceguinha de um olho há uma série de dias! Isso sempre me aconteceu em todas as motos e em todas as viagens! Mas desde que na Áustria fui a um concessionário Suzuki e quase me desmontaram a frente da moto, demoraram 2 horas a trocar a lâmpada, paguei 36€ e ainda levei o recado de que é muito difícil mudar uma lâmpada na minha moto… desta vez esperei por uma oficina Honda!
10 minutos e 6€ depois estava ela toda alegre e radiosa, com uma olhadela às pastilhas, ao óleo e à pressão dos pneus!
Honda é Honda, não há como a casa mãe! <3”

(escrevia eu no meu mural do Facebook)

A simpatia e prontidão com que fui atendida agradou-me bastante, um respeito por quem viaja e tem de continuar o seu caminho, sem que com isso me fizessem pagar excessivamente, como uma taxa de urgência! Apreciei muito!

Gosto de ver a minha bonequinha no meio de outras motos e mesmo assim acha-la a mais linda!

Linda!

E estava na hora de partir de novo…

e vieram mais vinhas, mais planícies, mais searas, até eu chegar a Dax…

Cheguei ao local onde ficaria hospedada e não me apeteceu sair mais.

Eu conheço a sensação de fim, de “não me apetece ver mais senão sinto mais que está a acabar” e foi o que me aconteceu ali. Fechei-me no quarto como uma acção de protesto contra mim mesma, contra a inevitabilidade da vida, contra a sensação de “tenho de amuar e mainada!”

E foi o fim do 32 dia de viagem…