16.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Adeus Islândia –

15 de agosto de 2019

Acordei tão cedo!

É sempre assim em viagem, não há despertador, ando cansada e, mesmo assim, acordo com as galinha! A excitação do que há para fazer é maior do que todo o esforço, cansaço ou desalento que me preencha. Ali a preocupação era o que me fazia acordar cedo. É sempre assim, quando tenho de apanhar um ferry. Sempre que as coisas não dependem apenas de mim, tenho receio de chegar tarde, de me enganar no sitio onde devo estar para embarcar, de ter algum percalço e perder o meu embarque.

Eu tinha muito tempo para chegar a Seyðisfjörður, afinal estava a apenas 70 e poucos quilómetros e o embarque era só às 10.30h, mas não há nada a fazer, acordo cedo e pronto!

Depois tinha um ancoradouro só para mim, com uma paisagem privilegiada e uma paz só minha para viver!

Quanta serenidade! Uma pintura ao vivo só para mim, pois não havia nada nem ninguém acordado àquela hora!

Ok, provavelmente a tripulação do barco de pesca estivesse alerta, e apenas eles e eu!

Como eu queria ter mais tempo naquele país!

Quando reservara os ferries decidi por uma semana na Islândia e uma semana nas Ilhas Faroé, não foi uma decisão fácil, mas acabei por deixar assim. Estando lá, a caminho da partida, lamentava tanto não ter reservado duas semanas na Islândia…

A cidadezinha de Eskifjörður dormia ao longe. Eu tinha a certeza que a atravessaria completamente sozinha.

Na minha frente o Holmatindur, hoje era completamente visível. Há quem vá ali para o escalar.

O Hólmatindur é uma montanha muito apreciada, tem 985 m de altura e não é fácil de subir até o topo. Lá de cima a vista é deslumbrante e dizem que vale o esforço. Quem chega ao topo pode escrever seu nome num livro de visitas e, posteriormente, obter um selo. Juntando 5 desses selos, (o que implica subir 5 vezes!) obterá o título de Conquistador da Montanha. 

Coisas que o clube de caminhadas local, Ferðafélag Fjarðamanna, organiza e a que muita gente adere.

Cada momento contava tanto, sabendo que deixaria o país e não poderia voltar atrás fazia-me viver tudo ao segundo.

Arrumaria as coisas na moto de acordo com o que tiraria e levaria comigo para o barco. Esse é um dos cuidados a não negligenciar, pois eu detestaria ter de abrir sacos, saquinhos e sacolas no porão do ferry, como vira muitos fazerem.

Costuma-se dizer: quem vai para o mar avia-se em terra! E era literalmente essa a minha situação, por isso bastar-me-ia abrir a top case para, ao por o capacete tirar a sacola que levaria comigo e pronto!

Tudo estava deserto na casa, o que facilitou tanto o meu trabalho. Pude trazer os meus sacos e organizar-me calmamente

Quando se tem tempo, tudo se faz tão facilmente! Embora eu seja uma pessoa prática e descomplicada, que prepara um saco para uma viagem em meia hora, detesto fazer as coisas a correr, tenho sempre a sensação de que algo fica esquecido.

E vamos lá, fazer os 70 e tal quilómetros até ao porto, com todo o tempo do mundo, olhando tudo o que houver em redor, para guardar como ultima memória daquele país apaixonante!

Os vizinhos ainda dormiam como passarinhos ou, pelo menos, as suas motos sim!

A minha motita mostrava um pouco pelo que tinha passado, nem a chuva nem o vento tinham conseguido apagar os traços da lama que foi recolhendo ao longo dos dias!

E quando eu digo que era cedo… era cedo mesmo!

5.22h da manhã, eu sei que sou meio esquisita em viagem, faço muito esforço, ganho muita energia, multiplico a minha força e adquiro uma resistência aparentemente infinita. Acordo quando quero e mesmo assim durmo pouco!

A serenidade das águas fazia o mar parecer um lago. O mar entra pelo rasgão na terra até ali, perdendo toda a sua força e ficando como um espelho.

A organização das localidades não é muito coerente, por vezes, como se as casas não se relacionassem muito umas com as outras. Ficam meio cada uma por si, voltada para onde quer. E do lado da montanha, lá estava mais uma igreja de formato curioso. Parece que por aquele país é comum as igrejas serem edifícios diferentes e meio arrojados até, por vezes!

As perspetivas do braço de mar eram grandiosas em todos os ângulos, enquanto eu dava a volta para passar para o outro lado para me ir embora…

Uma ponte faz a ligação entre a cidadezinha e os domínios do famoso monte Holmatindur, que eu via da minha casa naquela noite.

Depois começa-se a subir, contornando o monte, e a perspetiva sobre o mar é de cortar a respiração!

Tinha consciência que ia parando de quilómetro em quilómetro, mas não podia evitar, estava no modo despedida e isso fazia-me querer guardar cada momento, cada perspetiva, cada sensação, para memória futura, para os tempos em que a vida não me permitiria voltar ali…

Tão agradável aquele caminho, sem vento, nem chuva, apenas eu e toda aquela paz e beleza.

Contorna-se o monte Holmatindur e tudo em redor é a sua reserva natural

E o mar acompanha, formando um “Y” em relação a Eskifjörður, conferindo a tudo uma beleza extraordinária que me lembrava os lagos da Noruega!

Havia neve no topo dos montes, mas não estava muito frio… ou eu já enfrentara tanto que aquelas temperaturas pareciam-me amenas?

Qualquer rego de erosão era uma pequena cascata e eu podia ouvir água que caia em todo o lado, ecoando pelos montes em redor.

Cada passo caminhado era um passo de despedida. Registava na mente o quanto eu queria ver mais para não me esquecer de voltar….

Pus-me por ali a morder bolachas e a desejar não ter de ir embora!

Imaginava se tivesse mais uma semana o que eu poderia fazer, agora que o vento se fora! Seguramente ocuparia cada novo dia com mais e mais descobertas e caminhadas que ficaram por fazer!

E fui seguindo para Seyðisfjörður, queria apreciar o caminho como não pudera fazer ao chegar, quando o tempo estava miserável e fui recebida por ventos ciclónicos e brumas densas e deprimentes.

E realmente pude ver toda a beleza do caminho como nem sonhara que fosse!

Apenas dois carros passaram por mim, parece que o povo estava finalmente a acordar! De resto era o vazio e eu, como em toda a ilha fora!

Não me lembrava de ter visto lagos ou montes, não me lembrava de ter visto nada mais do que poças de água e apenas quando estavam bem perto de mim, tal era a densidade do nevoeiro, quando eu chegara!!

Mesmo sem sol aberto o caminho era deslumbrante, com farrapos de neve sobre os montes a estrada ladeada de paisagens verdes irregulares.

Não podia deixar de me sentir nostálgica ao avançar para a partida, mas estava feliz por os meus últimos quilómetros serem tão bonitos!

Cheguei finalmente ao pequeno passo de montanha que é a estrada que leva até Seyðisfjörður. Curiosamente o carro que passara por mim lá atrás ainda o descia muito devagarinho. Eu podia ver o ponto branco que ele era lá em baixo na curva. Difícil de acreditar que alguém stressasse a descer aquilo!

A catarata que eu vira ao chegar devia ser por ali e eu queria vê-la de perto agora, sem chuva.

Então eu percebi porque o carro seguia tão devagarinho! Tinham coberto a estrada com gravilha, muita gravilha! Provavelmente fazem isso para a estrada ficar circulável no inverno com neve e gelo, mas era horrível conduzir assim!

Aquele mar de gravilha estava solta, não tinha sido prensada, e a moto derrapava ao rolar sobre ela, sobretudo devido à inclinação da estrada. Fazer as curvas, então, era o inferno total! As rodas enterravam e a moto derrapava, fazendo regos na gravilha como se fosse areia!

Nada me preparara para aquilo, nem os percursos que fizera fora de estrada, pois sempre havia mais consistência nos pisos que fizera!

Parar na catarata foi um momento de alivio no meu caminho!

Gufufoss é uma cascata muito bonita, num rio que eu seguira de cima e que tem muitas outras mais pequenas. Por aqueles dias não estava tão forte como dizem que pode ser, ao ponto do seu nome querer dizer algo como “cascata de vapor” provavelmente porque quando a água é muita, cai com tanta força que levanta muito spray.

O rio continua seu caminho na descida meio vertiginosa até à cidade lá em baixo.

Parece que a gravilha não estava por todo o lado e eu lá fui seguindo mais sossegada!

Mas a ilusão de sossego passou ao perceber que era precisamente nas curvas que ela estava aos montes! Nas retas não tinham colocado nada! Estes gajos são marados de todo!! Tapetes de gravilha nas curvas, a sério?

Então tive de segurar-me, reduzir, sem travar demais e derrapando um pouco, voltar às curvas com as rodas a enterrar e a moto a ameaçar sair pela curva fora, deslizando em rios de gravilha!

Cheguei à cidade com o coração apertado, as mãos meio paralisadas e ainda travando a respiração! Que porra fora aquela?

O que vale é que a serenidade lá em baixo me fez relaxar imediatamente!

Antes de mais fui procurar onde ficava o local de embarque, afinal já não tinha qualquer memória de onde desembarcara! Percebi que tinha de colocar a moto numa rua normal que daria acesso ao porto. Facil.

Achei curioso porque tudo era organizado por miúdas muito simpáticas e bastante jovens. Disseram-me para ir tomar o pequeno almoço pois ainda era muito cedo. Até me disseram onde havia um excelente café aberto.

Dei umas voltas em redor, a cidadezinha é bonitinha, com pormenores muito curiosos.

Definitivamente a arte urbana é valorizada naquele país, o que me agradava bastante!

A igreja estava fechada e foi mais uma que eu não pude ver por dentro.

As motos alugadas eram entregues ali, à chegada e devolvidas à partida, achava eu, mas parece que muita gente apenas as recebia ali e as entregava em Rekjavik não fazendo por isso toda a ilha. Bem, ao preço a que elas são alugadas eu também não daria a volta à ilha, o dinheiro esgotar-se-ia na ida, não chegaria para a volta

Escolhi um sitio poético para parar a minha motita e fui tomar um belo pequeno almoço ali ao lado.

Podia ver a minha motita da esplanada, que bem ficava naquele ambiente! Chamam àquela rua The Rainbow Street.

O café tinha um aspeto ótimo, acolhedor e bonito. Havia muita gente a tomar o pequeno almoço ali, acho que tudo em redor estava fechado, logo não havia muita escolha! A comida era muita e com ótimo aspeto, fartei-me de petiscar de tudo um pouco mas, embora o sitio fosse acolhedor, preferi ir para o frio da esplanada.

Afinal a esplanada era muito fixe, com peles sobre os bancos para que a gente não tivesse frio ao sentar.

Dali eu podia ver a rua arco-íris e a beleza da paisagem em redor. Sim, isso fazia merecer um pequeno almoço ao frio!

Fiz um desenho rápido e tudo. Só passado um bom pedaço percebi que, de dentro do café, havia gente a espreitar para o que eu estava a fazer. Confesso que foi um bocado embaraçoso quando me voltei, dar com umas 5 ou 6 pessoas a olhar! Eu achava que, como as montras tinham cortinas não me veriam de dentro, mas as pessoas espreitavam por cima! Ok, nem vou pintar mais, vou-me pôr a andar antes que me distraia e perca o embarque!

Claro que eu nunca perderia o embarque, tinha ainda bastante tempo. Já havia motos na fila, onde me tinham dito para ir quando perguntei.

A fila da esquerda era para os motociclistas que iam para as Ilhas Faroé, a da direita era para os que iam para a Dinamarca.

Enquanto a minha fila não aumentava a outra crescia a todo o momento. Eramos muito poucos para as Ilhas Faroé!

Na casinhota de madeira umas miúdas muito simpáticas faziam a verificação de documentos e entregavam os cartões de embarque, que eram também os passes para abrir portas de camarins e camarotes.

Ficamos por ali à conversa, parece que aquela gente ficou espantada por eu ter feito toda a volta à ilha sozinha e ainda ir para as Ilhas Faroé. Espantavam-se por eu ainda ter folego e força para o fazer. Estavam todos bastante cansados e só queriam ir para casa. Sim, foi muito cansativo percorrer toda a ilha, mas a gente ganha força de dia para dia, não a perde, dizia eu. Mas eles continuavam séticos, achavam que eu era uma atleta que treinava muito diariamente para aguentar aquilo e ainda ir para as Ilhas.

Tive de me rir! Eu, atlética? Eu não vou à padaria a pé! A minha única atividade física é andar de moto, gente! Ahahahah

Então quando disse que depois das Ilhas ía para a Noruega e só depois começaria a descer para Portugal, as suas caras não tiveram preço! Nem sei se foi por ter dito que ía à Noruega, ou se porque disse que ia para Portugal! Alguns foram espreitar a traseira da minha moto. Tu vens de Portugal? – perguntou um muito incrédulo. Mas isso é no fim do mundo!

Oh valha-me Deus, o fim do mundo é muito mais longe, podem crer!

Começaram a discutir entre eles sobre a segurança de uma mulher andar por ali sozinha. Havia mais 2 mulheres entre eles, mas estavam acompanhadas, perguntei-lhes se realmente precisaram tanto assim da ajuda dos colegas. Ambas comentaram que se sentiam mais seguras por estarem com eles. Sim, mas para além do apoio moral, que mais precisaram? Ninguém conseguiu responder.

Acho que é o medo que faz a companhia ser necessária, mais do que o perigo.

O nosso transporte estava a chegar. Percebi que era o mesmo ferry que me levara, será que é o único que circula? Seguramente que não mas, definitivamente, na minha vez era sempre ele que vinha!

O rapaz letão do skate, que eu encontrara em Sólheimasandur, a praia do avião, embarcaria naquele dia também e pela fila onde a sua moto estava, iria também para as Ilhas Faroé.

Foi naquele momento que ele percebeu que eu estava realmente sozinha! Pelo que percebi, quando me viu e comentou que a Islândia de moto não era só para homens valentes, não tinha noção que eu estava realmente sozinha. Ele pensou que eu estava sozinha ali, na visita ao avião, mas que tinha um grupo de amigos, algures à minha espera! Bem isso muda o quê? Perguntei com humor! “Respect” respondeu ele muito sério!

O meu GPS desenhava o caminho que eu faria nas próximas 15 horas… céus, tanto tempo em alto mar dentro daquele ferry, que grande seca me esperava! Felizmente muito desse tempo seria de noite e eu podia dormir e simplesmente deixa-lo passar…

Quando não tenho mais nada o que fazer vou conversando com ele e ele faz desenhos para mim, como o percurso para sair do porto.. 570 km até Torshavn seriam mais rápidos de fazer se houvesse estrada e eu os percorresse de moto…

Desta vez amarrei a minha motita como uma profissional! Não há como ver fazer para se aprender, afinal!

E fui até a primeira a concluir a coisa, quanto orgulho!

Todos continuavam atarefados a amarrar suas motos e a tirar as coisas necessárias das suas bagagens. Eu tinha deixado tudo à mão. Sou muito prática e despachada, heim?

Mais um porão deserto que demoraria uma hora a ser preenchido de carros!

A minha couchette não era a mesma da ida, mas era igual. Tudo se processa mais facilmente quando já se passou por ali uma vez.

Até a minha cama era no mesmo sitio, em baixo, à esquerda, para que eu a encontrasse facilmente se fosse dormir tarde. E pronto, agora era só deixar passar o tempo e apanhar a maior seca até desembarcar de novo.

O ferry é tão alto que proporciona perspetivas giras sobre o mundo lá em baixo.

Acho que fui a primeira a estar pronta para partir, todo o barco estava deserto!

O fiord de Seyðisfjörður visto lá de cima era impressionante, com as nuvens a tapar o topo dos montes, como se estivessem ao nível que eu estava.

Eu andara em cima daqueles montes, tão perto da neve e agora ele já não era visível.

Lá em baixo os carros esperavam para embarcar e havia uma moto no meio deles, Não sei como conseguiria chegar até onde as nossas motos estavam embarcando junto com aqueles carros todos! É o que dá chegar tarde ao porto!

Dezenas de camiões transportam o que a ilha não produz. Depois de uma infinidade deles terem descido para terra, outra infinidade entrava para voltar à Dinamarca para abastecer.

Podia ver o caminho que fizera desde a tal ruinha aparentemente banal até ao ferry, atravessando a ponte.

Estava frio mas não estava vento, por isso podia-se usufruir do convés sem se ter de agarrar a tudo quanto pudesse voar.

É sempre nestes momentos que se tem hipótese de ver mais gente, como se todos estivessem a despedir-se de um país que nem é seu. É, aquele país deixa muitas saudades…

E começamos a percorrer o fiord… sentia-me tão triste por deixar a Islândia, como excitada por estar a rumar à Ilhas Faroé…

Tinha de aproveitar enquanto a paisagem era feita de montanhas em meu redor, porque em breve seria apenas mar!

E a última paisagem da Islândia era lindíssima, com águas cor de esmeralda e nuvens fofas que davam a tudo um ar de mistério…

Fiquei cá fora até me sentir completamente gelada. Ok, vamos lá tratar de comer e nada fazer até chegar!

Tinha de aproveitar a cerveja no barco pois no meu destino eu nunca sabia se a teria!

Quando finalmente passeei pelo ferry que eu já conhecia, por isso não me trazia nada de novo, fui fazer compras ao supermercado. Normalmente eu não como doçaria, mas estava-me a apetecer um chocolate. Coisa rara pois nem sou grande apreciadora.

Na Islândia não se encontra água engarrafada, acho que a única que encontrei foi mesmo no ferry. Eles dizem que a sua água é de tão boa qualidade que basta bebe-la onde ela está, não há necessidade de a empacotar.

Então, quando fui para a caixa pagar, um grupo de motociclistas estava já lá, com garrafas de whisky, bombons e uma série de salgadinhos e coisas afins. Estavam muito animados e, quando cheguei, cumprimentaram-me efusivamente. Então começaram a escolher um peluche, agarraram em vários, mas lembrara-se que eu ia para as Ilhas Faroé e eles não, por isso escolheram um Pulfin que diz na camisola “Eu amo as Ilhas Faroé” em faraonês!

Ainda não tinha chegado às ilhas e já tinha um amigo de lá!

O dia estava lindo e eu passei a maior parte do tempo lá fora a ver as diferentes perspetivas que o sol proporcionava no mar.

Os meus amigos era barulhentos e eu deixei-os mais além, com o pretexto de me ir conectar à internet e falar com o meu moçoilo.

As perspetivas do mar era verdadeiramente impressionantes.

Embora eu tivesse já constatado que a chuva me esperava em Torchavn… por isso eu queria aproveitar o sol enquanto o tinha!

Não ha mais nada para fazer além de comer e olhar para o balão, é deprimente!

Comer e ver o mar passar e mudar de cor…

Ok, e beber cerveja a ver se o tempo passa mais de pressa.

O serão foi feito de barulho e algazarra, cada um contando suas aventuras pela Islândia acima e abaixo. Fiquei chocada porque eles não tinham visto nem metade do que eu vi! Como era possível se tudo está tão no nosso caminho? Então percebi que eles se tinham distraído com os percursos fora de estrada e deixado sítios incríveis para trás. Por exemplo estavam muito tristes porque não tinham visto o lago dos Icebergs! Sério?

Percebi que os percursos que fizeram nem sequer foram para os levar a ver nada de extraordinário. Eu tinha tido momentos em que me questionara se seguisse determinados trilhos não iria até sítios impressionantes, mas não arriscara pois tudo parecia tão longe e arriscado demais para não ter a certeza de ver algo que valesse a pena!

Não acham muito caro ir até à Islândia para fazer todo o terreno e não aproveitarem para ver o que o país tem de mais extraordinário? É, eu devia ter razão, diziam, ao olharem algumas fotos que mostrei no telemóvel…

Lá estava o nosso aviso para desembarcar em Torchavn às 3.00 horas da manhã…

O barco estava deserto, eu não dormira nada e não tinha sono nenhum e era a única que andava por ali.

Assim que se ouvisse a ordem de desimpedir os camarotes alguém apareceria a qualquer momento.

Noite fechada e a lua como um lampião ao fundo! Desembarcar a meio da noite tinha um ar de desalento e abandono estranhos…

Foi tudo feito num instante, a primeira vez tudo é difícil, na segunda tudo é prática, na terceira seria melhor ainda?

Eramos meia dúzia de motos a desembarcar, e tínhamos de esperar que os carros saíssem de trás de nós.

É desalento mesmo desembarcar às 3 horas da matina!

Sobretudo quando me apercebi que não tinha reservado dormida para aquela noite! Oh céus, que me deu para não pensar que 3 horas da manhã não é hora de passear?

Tinha lugar no parque de campismo a partir do dia seguinte e o que iria fazer entretanto?

Não chovia como previsto, mas não tardaria aquele céu desabar em chuva, seguramente. Dei umas voltas em redor tentando decidir o que fazer, podia ver a cidade a ficar para baixo.

Não conseguia ativar o mapa das Ilhas. Aquele mapa fora sempre meio confuso porque, embora o GPS trouxesse nele todos os mapas da Europa, e as Ilhas Faroé sejam Dinamarca, elas não apareciam. Tive de instalar o seu mapa, mas então percebi que, para ver o mapa das ilhas tinha de tornar o mapa da Europa invisível ou ele cobri-lo-ia. Simples! Se eu me lembrasse naquele momento, na beira da estrada, a meio da noite e sem ter onde dormir, como o fazer!

Demorei um bom bocado a procurar onde faria a habilidade e logo apareceu o parque de campismo onde eu tinha reserva a partir do dia seguinte. Eu vira as motos todas pararem no escuro, junto de um portão aberto, e percebi que era lá o parque. Percebi que estava aberto à espera do desembarque no ferry, por isso não custava nada tentar arranjar lugar.

Fui recebida por 2 ou 3 miúdas muito simpáticas que me indicaram onde pôr a moto e onde podia montar a tenda, sim senhor, mesmo sem reserva. Será que por aquelas terras todos os serviços de turismo são tratados por gente jovem e simpática?

Havia gente acordada no parque e os fulanos que acabavam de chegar puseram-se a montar as tendas no escuro. O sol estava a preparar-se para nascer, podia-se ver o clarão vermelho a formar-se ao fundo.

Não eu não iria pôr-me a montar a minha tenda à luz de um pequeno lampião! Eu iria esperar que o sol abrisse e depois trataria da tenda. Até porque as previsões eram de que a chuva começasse a qualquer momento e eu não queria perder o meu primeiro nascer do sol e não voltar a ter outro tão cedo!

Um casal de namorados viu-me olhar em redor e disse-me que tinham feito café, que eu podia tomar uma caneca dele lá dentro. isso era excelente! Thank you so much! Tirei as coisas da moto para as pôr no lugar onde montaria a minha casa.

Para o caso de haver vento escolhi um lugar perto do muro de terra que separava o parque no mar. Isso, esse seria um bom sitio, depois de um pequeno rego escavado na terra e revestido de relva, assim a água da chuva não chegaria a mim…

E fui tomar o meu café num pequeno banco de madeira que ficava em cima do muro de terra e relva, bem acima do sitio onde montaria a minha tenda.

E foi um momento mágico, que valeu a pena presenciar, considerando que os próximos dias seriam de chuva intensa e o sol não seria visto tão cedo.

Então montei a minha tenda num instante, sem vento aquilo monta-se de olhos fechados!

Dei uma última olhada ao sol nascente…

E deitei-me para dormir… Eu sabia que me esperava um dia de chuva, por isso estava mentalizada para ficar por ali, sem stress, a descansar até o sol voltar… sei lá quando!

15.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Subindo a costa leste –

14 de agosto de 2019

Aquela noite foi uma festa!

Começou pela montagem das tendas. Havia várias pessoas a tentar montar tendas debaixo do maior temporal. O vento era muito forte e os mochileiros tinham igloos altos demais para aquele vendaval. Juntaram-se vários a montar cada tenda, mas era difícil, quando tinham de colocar o oleado no chão, depois armar a estrutura e segura-la para aplicarem o interior de tenda e depois por cima prenderem a cobertura. Isto com a chuva a molhar tudo ao mesmo tempo. Percebia-se bem porque os islandeses aconselhavam usar tendas de uma peça só, tendas de alta montanha e estepes!

Eu escolhi o meu sítio e repeti a operação que fizera em Rekjavik. Arrastei primeiro todas as minhas tralhas para perto, estendi a tenda na terra negra e pousei tudo o que tinha em cima, para evitar que o vento a levasse. Preguei as argolas laterais da base com as estacas maiores, ergui a tenda com o grande aro e rapidamente preguei toda a tenda ao chão com as restantes, puxei a espias tanto quanto pude e pronto, estava a casa montada em pouco mais de 10 minutos. Sentei-me numa das minhas malas laterais e fiquei a olhar. Aquela gente ainda estava a lutar para montar uma tenda, e demorariam mais umas horas até terem todas montadas.

Mas mesmo depois de tudo montado era um pouco difícil entrar-se nas tendas que, com a força do vento, ficavam reduzidas a meias luas de pé, com os panos laterais a ficarem encostados, ameaçando levantar voo.

Ok, acho que vou apanhar com uma tenda em cima durante a noite!

O pior é que vários tinham as suas coisas molhadas, e molhar um saco cama grosso era passar uma noite gelada. Coitados. Ainda tentei ajudar e até emprestei a minha bomba elétrica para encherem os colchões, embora alguns nem um bom colchão tivessem! Foi uma das coisas que li antes de partir, naquela terra é bom ter-se um colchão de ar, que afaste o corpo do solo, ou o frio subirá durante a noite, gelando-o, como se estivesse deitado no verdadeiro gelo.

E sim, de noite duas tendas voaram, ficando presas como bandeiras, por uma ou duas estacas mais resitentes. A minha aguentou-se firme, como se nada tivesse acontecido!

De manhã o tempo estava calmo! Oh benção dos céus! Afinal a costa marota ir-me-ia deixar subir sem voar, até Eskifjörður!

A minha maior pena foi não ter podido carregar o telemóvel para poder tirar fotos àquela praia magnífica… perda imperdoável…!

Fiz alguns desenhos e passeei pela praia cheia de nostalgia. O meu tempo estava a esgotar-se e tudo o que eu queria era poder ficar mais uns dias…

Ainda pensei em dar umas voltas para dar tempo ao telemóvel carregar um pouco, na tomada de isqueiro, mas acabei por seguir. Tinha de confiar desta vez nas memórias que ficariam na minha mente, pois comecei a divertir-me com os caminhos que fiz e voltar para trás foi deixando de ser uma opção.

Alguns percursos fora da estrada alcatroada foram surgindo e, sem a ventania de todos os dias, foi uma alegria explora-los!

Tudo é tão facil sem a força do vento a empurrar-me em todas as direções! Que bom!

Dei comigo a conduzir como se estivesse no alcatrão, sem nem pensar que o fazia, tal era o alívio da ausência do vento!

Depois eu queria ir visitar o desfiladeiro de Fjaðrárgljúfur. era um dos pontos que eu queria muito ver e precisava de tempo para isso!

A aproximação é muito bonita, com árvores e rio e tudo. Mas então percebi que a estrada estava cortada e não se podia passar para a frente! OH! Teria de caminhar e eu sabia que era bastante longe. Fiquei inconsolável…

Tentei saber o que se passava e não havia hipótese de moto ou carro passar, estavam a compor uma ponte de madeira mais à frente. Parei ali, sem saber o que fazer, precisamente quando a estrada era tão boa que eu não poderia imaginar que não se pudesse passar mais adiante!

São momentos como este que me fazem fazer promessas a mim mesma, pormessas de voltar….

A paisagem ali era tão bonita que dava para imaginar como seria uns quilómetros mais à frente! Por outro lado eu sabia que, desde que Justin Bieber lá tinha estado, os visitantes e fans tinham começado a estragar um bocado os caminhos e locais, para tirarem as fotos mais impressionantes para o Instagram… como eu odeio essas merdas….

E pensar que eu poderia ter ficado mais um pouco em Vik, deixar o telemovel carregar e tirar umas fotos fantásticas…

Não sou pessoa de choramingar muito, mesmo quando fico muito frustrada, por isso segui viagem e pronto, da próxima vez que cá vier tenho de vir preparada para caminhar tanto quanto for preciso para ir até ao Canion, garantido!

Arranjei um sitio muito fixe para tomar um sumo e comer um pão de ontem, tudo é melhor do que passar fome!

E fui descontar a frustração fora da estrada!

Não foi nenhuma aventura extraordinária, mas foi muito fixe!

A vida ensinou-me que aquilo que nos assusta quando é novidade, torna-se normal com a continuação e o receio reduz bastante, por isso, desde qua a moto não derrapasse muito eu seguia calmamente por todo o caminho!

Não havia vivalma em lado nenhum, as pessoas que eu encontrara em alguns sítios deviam evaporar-se pois na estrada era o vazio e eu!

E no entanto soubera que uns otários tinham saído da estrada, para tirar fotos em sítios nunca antes pisados para o Instagram e atolaram o carro alugado. Não há ninguém em lado nenhum, mas as autoridades logo apareceram e os influenciadores foram fortemente penalizados com multa e ordem de abandonar o país!

Porque não basta às pessoas ver o que está na frente dos seus olhos, sem terem de perturbar a natureza com a sua estupidez?

Afinal a gente para onde quer, por quanto tempo quer, pode caminhar, explorar, até pode sair da estrada com veículos próprios em sítios marcados. Porque tem a foto tirada lá mais ao fundo de ser mais interessante do que a tirada aqui?

Eu podia não conseguir ver as coisas todas que queria, mas ia-me divertindo à brava!

Sai-se da estrada e volta-se a entrar mais à frente, não falta onde pôr as rodas!

A sensação era de que tudo estava ao meu dispor, como se passeasse numa paisagem só minha!

Mas há sítios onde nem é bom pensar em andar. Mesmo que a vegetação possa parecer insignificante, é intocável. Se a gente se atrever a saír por ali fora, vai-se meter em problemas!

Mais à frente já é permitido explorar em redor. Longos caminhos em cascalho são uma aventura fascinante, sem que se perceba muito bem que distancias estamos a percorrer, porque ali tudo parece perto e longe ao mesmo tempo, como se a paisagem se afastasse ao nosso avanço!

Os caminhos são visíveis mas depois tornam-se longos e longínquos à medida que avançamos e não há atalhos, vai-se até ao fim, faz-se a curva pelo deserto e segue-se por ele até ao fim, que normalmente é a estrada mais à frente, depois de uns quilómetros de aventura no meio de nada!

E embora os glaciares pareçam alcançáveis, eles estão mais longe do que parecem, muitas vezes.

Mas consegue-se uma boa aproximação em alguns trilhos se a gente arriscar!

Os glaciares vão-se tornando mais frequentes e mais próximos à medida que se vai avançando e isso alegrava-me pois eu procurava do chamado Glaciar Rei da Europa!

Muito do que se vê pelo caminho faz parte dele, dizem que só na Gronelândia e na Antártida se encontram glaciares comparáveis a ele! O Vatnajökull é a maior superfície de gelo da Islândia e da Europa, podia ver pontas dele a todo o momento!

A fascinação fazia-me saborear cada quilómetro do caminho, como se me aproximasse pouco a pouco de uma grande entidade!

Fiquei feliz por fazer uma aproximação de baixo para cima. Se eu tivesse feito a volta à ilha ao contrário, teria passado ali debaixo do maior temporal, de chuva e vento, teria visto estes caminhos primeiro e seria como um anticlímax!

Assim eu ia subindo calmamente, com vento moderado, algumas pingas aqui ou ali, mas nada que me impedisse de apreciar em pleno aquela aproximação.

Glaciares, neve, gelo, sempre me fascinam de uma forma que não consigo explicar. E ali, eles são diferentes dos que eu vira até então nos Pirenéus ou nos Alpes.

Eles não são altos e bicudos, nem muito altos, parecem rasos, como se o grande glaciar derramasse seu gelo em extensão até quase à estrada! Fascinante! Como eu gostaria de um dia voltar ali e caminhar até ao glaciar, caminhar sobre ele, por os pés no gelo que dá afinal o nome à terra do gelo…

Então começaram a aparecer aquilo que eu chamei de dunas! Como muros ao lado da estrada que iam tapando a montanha e o gelo.

E eu previ o que estava por trás. Parei a moto e subi, para espretitar se a minha suposição estaria certa… e lá estava o Jökulsárlón, o lago dos icebergs!

Eu sabia que ele teria sempre os seu icebergs flutuando por ele, mas temia que o verão os tivesse reduzido a nada…

Dali eu podia ver os pedacinhos de gelo, como farrapos de esferovite, boiando, uma perspetiva encantadora, mas tinha de haver mais e maiores junto do ponto onde o glaciar chega ao lago… eu esperava que sim…

Mas ver o lago numa perspetiva que não atrai dezenas de turista, já era uma grande satisfação para mim, como se um pequeno segredo se desvendasse apenas para mim, quase em privado!

Vamos procurar então os grandes icebergs! Recordo que o meu coração estava acelerado de expectativa!

E sim, logo a seguir às ditas dunas, lá estavam eles!

“Cada pessoa tem os seus sonhos e um dos meus era ver os icebergs! O gelo e o frio sempre me fascinaram e estar tão perto de um glaciar, que solta seus pedaços de gelo, é como estar junto de um vulcão, uma grande caverna, perto do coração da terra! Sentei-me na berma do lago Jökulsárlón e fiquei quieta, como se o tempo parasse para mim e o silêncio fosse absoluto. Sempre vivo cada sitio como se não fosse voltar a vê-lo, mas regresso a casa prometendo a mim mesma voltar, porque estas sensações são vida, que não pode ser apenas eternamente relembrada…” (Passeando pela Vida – a Página)

Havia uma sensação de euforia dentro de mim, que me fazia acelerar o coração! Fiquei muda e quieta olhando e fiz um rápido esboço da primeira sensação que ficou na minha retina.

Eram tantos os monstros de gelo, muitos mais e maiores do que eu esperava encontrar! WoW

Havia uma lancha que levava pessoas para os verem de perto, mas nem tive o raciocínio ou a vontade de me juntar! De alguma forma sentia que arrebanhar-me com os turistas iria estragar a atmosfera de encantamento que preenchia o meu coração!

“Por muito que eu tivesse investigado sobre o Jökulsárlón, chegar perto foi toda uma surpresa! Eu vinha vendo o glaciar desde longe e, ali pertinho, eu podia ver a ponta dos icebergues por cima daquela espécie de dunas que separam o lago da rua. Mas ao passar a ponte que une o lago ao mar, tudo se revelou de repente. Pousei a moto e aproximei-me. Fiquei surpreendida por ver cabeças a emergirem das águas, enquanto um ou dois barcos passeavam por ali. Não estava muito frio, mas não estava seguramente temperatura para tanta gente se aventurar a mergulhar. ainda por cima não davam braçadas como quem nada, apenas mergulhavam e voltavam à superfície. O glaciar e o gelo flutuante fascinaram-me de tal maneira, que só muito depois de estar a olhar deslumbrada percebi que não eram pessoas que mergulhavam! Aquelas cabeças que apareciam e desapreciam, e eram bastantes, eram focas que brincavam na água! O lago era como um parque de lazer para focas brincalhonas. Momento lindo e inesquecível!” (in Passeando pela Vida – a Página)

E estava tudo tão perto da margem, como se a água não tivesse espaço para se tornar suficientemente profunda e gente pudesse caminhar até lá e tocar!

Fiz mais um ou dois esboços, até me render e ficar simplemente ajoelhada na areia negra a olhar…

Não sei quanto tempo fiquei ali a olha até decidir ir até à praia dos cristai. Ela fica do outro lado da estrada, mas mesmo assim levei a moto. Tudo o que parece perto é, na realidade, longe e eu não queria andar pela estrada a caminhar para lá e para cá.

Eu preparara-me mentalmente para não encontrar cristal algum. Afinal os cristais são pedaços de gelo que se soltam e são evados pelas vagas até à areia. Ora o tempo estava fresco, mas não tão frio que consevasse durante muito tempo gelo que flutua em pequenos pedaços…

E lá estavam eles, poucos, mas os suficientes para me encantarem!

Como pedaços de vidro, desgastados e esculpidos pelo mar, as pedrinhas de gelo misturavam-se com as pedras cinzentas da areia…

Havia gente procurando-os mais além, mas eu não precisava de mais, precisava de ficar sozinha com os meu pequeno tesouro gelado…

Tinha de ver de perto como eram aqueles cristais.

Nunca vira nada assim. Eram irregulares, como se fossem um aglomerado de pequenos cristai pontegudos, num cristal só!

“O meu verão foi feito de inverno, passeando cheia de roupa como nem agora, no nosso inverno a chegar, visto! Toda a roupa que eu trazia vestida, com o fato de chuva por cima, permitia-me caminhar e sentar em qualquer lugar, e eu sentei-me na areia negra vivendo um momento único para mim, vendo as vagas irem e virem levando consigo cristais enormes de gelo, impressionantes! Não eram lisos, como os cubos de gelo dos nossos congeladores, eram muito mais trabalhados, em superfícies irregulares e reluzentes de mil reflexos, como mil cristais num só. Um momento inesquecível na minha memória…” (in Passeando pela Vida – a Página)

Tive de me forçar a sair dali! Credo, estava cheia de fome! Já era tarde, eu tinha de procurar comida e ainda me faltavam mais de 300 quilómetros até ao meu destino

Há sempre onde comer, mais atrás ou mais à frente, basta seguir a estrada.

Encontrei um sitio muito acolhedor, onde me trataram com muita simpatia e me mataram a fome.

Não importava quantos quilometros faltassem, nem se eram 4 horas da tarde, importava que eu tinha de viver cada coisa como se fosse a ultima que viveria naquele país, porque não faltava muito tempo para eu ir embora…

Café, muito café tomei naquela viagem, a forma mais facil de me aquecer e me manter alerta!

Turistas tinham-me contado como fora assustador descer a estrada dias antes de autocarro, com muito vento e carros que apareciam quase em sentido contrário ao contornar a costa. Ouvi-os com atenção, mas fiquei surpreendida, eu não imaginava a estrada da costa tão estreita assim, que fizesse os carros aparecerem em sentido contrário, nem imaginava como eles poderiam “aparecer” pois eu achava que a estrada era aberta e ampla e pouco elevada em relação ao mar! Mas eles tinham-na feito e eu ainda não, por isso tentei imaginar como sería… até chegar lá e constatar que a estrada era exatamente como eu a imaginara!

Linda, larga e ao nivel do mar!

O mar parecia um lago quieto! Um espelho de água sem nada que o perturbasse!

É por ali que o vento levanta areia e pedras negras da praia e as projeta, contra tudo e contra todos, partindo os vidros dos carros e martelando a sua chaparia. Eu vira Jeeps todos marcados com inúmeras pequenas covas em todo o seu corpo, como se tivessem sido metralhados em todas as direções!

A minha sorte tinha-se reservado para aquela subida, justamente quando eu precisava que o vento acalmasse… ele acalmou mesmo!

Até na Islândia os motociclistas se entusiasmam com a história de colar autocolantes nas tabuletas… enfim!

Aquela costa é simplesmente maravilhosa a meus olhos!

Com as praias de areia negra a confundirem-se com o negro da falésia que se lhe junta!

E o monte parece que vai desfazer-se, como um monte de areia, por ali abaixo!

Aquela é, sem dúvida, uma das estradas mais fascinantes que eu fiz até ali, e eu já fiz muita estrada fascinante na minha vida!

“Acho que os turistas que viajam de autocarro não têm muita noção de como é percorrer um caminho, pelo menos na Islândia não! Quando em Reykjavik falei que iria subir até Seyðisfjörður, varias pessoas esforçaram-se por me avisar e explicar que a costa era montanhosa, que a estrada contornava a costa e que se apanhavam carros meio em contra-mão, por isso era um percurso perigoso… Eu não tinha essa ideia, mas como eles já tinham ido até lá, achei que teria de ter cuidado, imaginei a encosta em fiord, com a estrada escavada na berma da escarpa, estreita e ziguezagueante, pois só assim poderia acontecer de os carros virem fora de mão! Mas afinal tudo era tão diferente do que elas me diziam e tão mais parecido com a minha primeira ideia! As paisagens eram quase surreais, com a montanha a parecer um monte de areia que escorregou até às praias negras e uma estrada larga, fascinante e solitária, onde não parecia andar mais ninguém para além de mim, por mais de 400 quilómetros! Onde foi aquela gente buscar a imagem que me transmitiu?” (in passeando pela Vida – a Página)

Então, pimba, deparei com mais um sinal que me obrigava a sair da estrada e aderir ao todo-o-terreno!

Nada demais nisso se não fosse o estado do caminho, com gravilha solta e revolta, a forma abrupta como ele subia, com marcas profundas de erosão, e as nuvens negras que se amontoavam naquela direção!

A coisa complicou-se à medida que eu subia, porque, não bastando a gravilha solta e a erosão do caminho, as nuvens que eu vira lá em baixo não eram de chuva e sim de nevoeiro. E que nevoeiro! Não se via nadinha! Eu nem conseguia perceber se a rua curvava ou era a direito, pois não tinha marcação e era negra, por isso eu só via a mancha negra por todo o lado, abaixo de mim e cinza acima de mim!

No meio daquele nevoeiro todo havia um ou dois carros parados, de que me consegui desviar no último momento, pois eram invisíveis a menos de 2 ou 3 metros de distância. Chineses pularam aos magotes quando eu passei, pregando-me o maior suto. Aparentemente ficaram entusiasmados por ver uma moto passar… eu acho! Porque se era para me pedirem ajuda, eu nem parei! E um jeep apareceu atrás de mim, sei lá de onde, e seguiu por todo o caminho de neveiro sem me ultrapassar. Oh homem, passa para a frente para eu te seguir! Mas ele nunca o fez, acho que eu fui a fazer de farol para ele. Merda!

Então, de repente, tudo ficou para trás e eu saí do nevoeiro serrado para o sol! Este país tem o clima mais marado que eu conheço!

“Um bom pedaço da N1 – a Ring Road – está fechada….
Passei por tudo para chegar aqui!
Primeiro fizeram-me desviar por uma ruela de terra batida e gravilha, pensando eu que era só um bocado, como já aconteceu noutros pontos do país… mas foram dezenas de quilómetros!
Subi ao monte, cheia de medo que a moto derrapasse, pois era a pique, depois foi sempre a ziguezaguear, subindo subindo, e quando parecia que não podia piorar, cheguei às nuvens e ao nevoeiro e começou a chover!
50 e tal quirómetros depois encontrei o sol e fiz esta foto, enquanto finalmente respirava descansada…” (in facebook)

Sol e céu azul, quem diria que do outro lado do monte o mundo era tão colorido!

O prazer que foi percorrer aquele vale verdejante e solarengo!

Quando o desvio me fez percorrer mais 50 quilómetros que o previsto…

O meu destino estava para lá da fileira de montes à minha direita. Tinha noção que estava a andar para a frente para depois andar para trás!

Mas que importava! Importava que a paisagem era deliciosamente serena e cativante!

E lá estava o mar, mesmo em frente à minha casa por aquela noite!

“Hoje a minha casa é aqui, a minha Scarlet já fez duas amigas e somos três a embarcar amanhã, eles para a Dinamarca e eu para as Ilhas Faroé! Por isso não chamem ainda regresso à minha epopeia pois ela vai continuar” (in Facebook)

Tive direito a ancoradouro privado, com mesas e cadeiras e tudo, para poder apreciar o anoitecer!

E anoiteceu, com as luzes de Eskifjörður a brilharem ao fundo. É uma ciidade piscatória e podia-se ver um barco que saia para a pesca.

A montanda de Holmatindur fica mesmo em frente à minha casa e eu vi-a desparecer no novoeiro, que me devia ter seguido e acabava de chegar! O barco que saira para pescar, ao que percebi, pescaria por ali mesmo, pois não foi mais longe.

E aquela era a minha ultima noite na Islândia…

Tanta coisa que eu deixei para ver, que voltava a dar a volta áquilo tudo se pudesse! A minha alegria é que ainda teria muita coisa para descobrir nas Ilhas Faroé!

14.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– As belas cataratas e as imensas praias negras –

13 de agosto de 2019

Naquele momento o vento já não era um problema, eu queria ir mais para a frente, o meu tempo estava a esgotar-se e havia uma infinidade de coisas que eu tinha de ver, a todo o custo. Queria ver as cascatas maravilhosas e acampar algures para poder disfrutar de tudo o que pudesse. É assim quando acordo cheia de energia e com vontade de devorar o mundo! 

Estava sol, o que já era um bom combustível para o meu ânimo. A parte mais aborrecida do dia era sempre arrumar os bagulhos na moto. E eu, que estou habituada a viajar com nada, tinha aquelas tralhas todas para gerir. Detesto viajar com bagulhos, mas, enfim, vai-se ganhando pratica e as coisas vão ficando mais mecanizadas e fáceis de gerir, ao longo dos dias!

Memo assim era muito cedo quando partir. A bem dizer, não havia ninguém em lado nenhum da pousada, como se todos dormissem ainda!

Primeira paragem para pôr gasolina. Como eu gostava daqueles momentos de abastecimento, com croissants quentinhos e gente meio ensonada para dar vida aos primeiros quilómetros do meu dia!

O famoso Kaffi para ajudar a acordar e siga para a luta.

O camino desde Reykjavík era da maior violência, de estrada desamparada e vento fortissimo, por isso aquela pausa era como a primeira etapa superada e recuperação de energia para prosseguir!

De manhã tudo parece muito menos assustador e a paisagem inóspita era tão fascinante!

Lua, estava a atravessar de novo a superficie lunar!

O vento continuava tão forte que o percurso pelo monte tinha sido cortado e o trânsito desviado de forma a contorna-lo. Teria de fazer mais uma série de quilómetros e o vento não era menos forte por ali. Eu poderia ter facilmente enfrentado o vento do monte, com a prática que já adquiria, mas enfim, pela segurança de todos e de cada um, tinha-se de dar a volta e pronto!

Cheguei a Selfoss. Eu sabia que estava numa zona a explorar, mas não teria tempo.

Parei junto ao rio Ölfusá. Parece que por ali até um simples rio se enche de mistério facilmente!

Não havia ninguém na rua, apesar de ser um ponto de passagem para as paisagens mais impressionantes.

O facto de não poder decidir quantos dias ficar, condicionara as minhas escolhas. Afinal eu tinha os dias contados para percorrer toda a ilha, não podia acrescentar um ou dois, eram os dias determinados pelo ferry e pronto. Por isso eu tinha de fazer as minhas escolhas e segui…

Muitos dos encantos do país estão junto à Ring Road N1, nem é preciso procurar muito, basta seguir a estrada.

E lá estava a Seljalandsfoss…

“Não há muitas cataratas no mundo onde a gente possa entrar e passar por baixo das suas águas, sobretudo com a dimensão e imponência de Seljalandsfoss. A água cai violentamente, porque não provem de simples águas que escorrem de pedra em pedra e sim de um grande rio que nasce num enorme glaciar que, na realidade, cobre um vulcão! O Eyjafjallajökull, de onde toda aquela água provém, é o famoso vulcão que entrou em erupção em 2010 e encheu os céus de fumo e poeiras e fez parar todo o tráfego aéreo na Europa por 5 dias. Cá em baixo, onde a água cai como uma cortina enorme, não parece possível que estejamos tão perto do gelo como do fogo…” (Passeando pela Vida – a Página)

A sensação de estar ali dentro era espantosa!

Os turistas vestiam capotes de plástico todos iguais, julgo que as empresas os forneciam aos seu passajeiros. Faziam lembrar os miudos dos infantários, quando saem à rua todos vestidos de igual. E como se divertiam!

A presença das pessoas não me chateava, o barulho das águas era demasiado forte para se puvir o barulho das pessoas. A natureza a sobrepor-se ao poder dos homens, era fascinante!

” A paz e o sossego estavam por todo o lado, como se o tempo não fosse importante e não houvesse nada de especial para ver ou fazer. E no entanto havia, porque a beleza está por todo o lado também! A imensidão é tanta que os grupos de turistas, que eu pensava seriam aos magotes, eram na verdade insignificantes, como se nada pudesse perturbar aqueles momentos de contemplação. Enfiei o gorro até aos olhos, o carapuço do blusão impermeável por cima, e fui percorrendo o caminho pelas entranhas da Seljalandsfoss, um percurso raro e único, ao som da água caindo de 60 metros de altura…” (in Passeando pela Vida – a Página)

Sentei-me na beira do penhasco, onde a erva estava molhada, mas o meu fato de chuva, que era o meu unifrome desde o primeiro dia, me protegia de tudo. E desenhei, usando a água da catarata! Aquela gente ficou meio confusa quando eu me pus a catar água de uma poça com o tubinho do pincel e eu sentia-me eufórica!

“Pertinho de Seljalandsfoss fica Gljúfrabúi, uma cascata escondida no meio das pedras onde só vai quem a quer ver, porque não é famosa como a sua vizinha, nem permite fantásticas selfies instagramáveis! Entra-se no seu espaço como no interior de um come de pedra, onde ela cai de forma ensurdecedora, espalhando o seu “spray” em redor, como quem diz “isto é tudo meu!”. Valeram-me as botas da neve e o fato de chuva para poder andar por ali a seco, pois todo aquele que teima em entrar nos seus domínios sai molhado, muito molhado!” (Passeando pela Vida – a Página)

Não foi fácil convencer as pessoas a deixarem-me passar. Um ou outro aventurava-se mas saía molhado. Naquele dia a catarata estava violenta, dizia o guia. Parece que normalmente se entra melhor sem se molhar muito.

Acabei por conseguir entrar, finalmente, apesar dos protestos de uma fulana que estava aparentemente muito preocupada coma minha saúde. Sem stress minha senhora, eu não me vou molhar!

“Sentei-me dentro da cascata, não é a todo o momento que se pode fazer tal coisa, mas eu estava bem protegida com o fato de chuva da moto e as botas impermeável da neve. Na entrada as pessoas ficavam a olhar para mim, elas não podiam fazer o mesmo, pois não tinham roupa que o permitisse. Capotes de plástico não eram suficientes para estar ali sem ficarem uma sopa. Desenhei, com as folhas do diário de viagem a ficarem todas molhadas. As minhas aguarelas foram alimentadas pelas águas do glaciar que pairava por todo o lado, e eu estava tão feliz, como quem desenha as entranhas de um enorme dragão, que mais acima é de fogo mas ali é de gelo. E eu podia ouvi-lo rosnar bem alto em meu redor! ” (Passeando pela Vida – a Página)

Sempre me acontece, quando vejo e vivo algo que me fascina, tenho dificuldade em ir embora, como se estivesse a deixar para trás mais mistérios para desvendar que eu esqueci. Então ando em redor, olho em todos os ângulos até me afastar!

Parecia-me incrível que toda aquela água não formasse um rio enorme, na realidade a água escapulia-se por todo o lado e formava apenas um pequeno curso de água…

Vamos lá embora, mais à frente há mais cataratas para ver!

Toda a montanha ao longe jorrava água, podiam-se ver os fios brancos, mas não havia caminho para lá e eu não tinha vontade de atolar a moto!

E não muito longe fica a Skógafoss!

Eu sabia que se acampava por ali e tinha sonhado faze-lo. Só precisava saber onde, pois eu vira fotos de tendas muito perto da cascata!

A estrada de aproximação era mais à frente, pude ver o rio que a catarata formava antes de chegar a ela.

Uma placa para memória futura da minha moto!

Arrastei o meu saco dos bagulhos comigo e num instante montei a minha tenda!

Fiquei tão contente por conseguir pôr a minha tenda ali! Yess! Tinha arbustos para a proteger do vento e não havia humidade no solo.

Claro que também não haveria mais nada, nem cozinha, nem sala de estar, nem eletricidade, nem banho! Mas eu não morreria sem essas coisas, amanhã dormiria numa sitio civilizado e cuidaria de tudo.

Eu nunca acampara fora de sítios legais, mas ali eu não estaria sozinha, havia uma série de gente a montar tendas logo a seguir, outras tinham ar de estar por ali há algum tempo.

Era cedo e eu já me livrara dos bagulhos na moto. Assim seria mais facil conduzir com o vento, sem nada em cima do banco a empancar o vento! E senti-me livre para explorar a zona à minha vontade, sem pressas!

Fiz uma aproximação lenta, olhando o conjunto em cada ângulo. A catarata era impressionante! Fiz alguns esboços daquele que seria o jardim da minha casa por aquela noite!

Passeei por ali com quem tem todo o tempo do mundo. A catarata é tão grande que a gente tem a sensação de que está mais perto do que realmente está!

Aré chegar realmente perto dela e a ver em toda a sua amplitude!

É simplesmente espantosa! O spray que gera em seu redor estende-se por todo o lado a bastante distância, molhando tudo e todos.

Era tão bom poder aproximar-me, entrar na água para a ver de outro ângulo sem me molhar! Sentia-me uma criancinha a pular nas poças depois da chuva forte!

As pessoas atrás de mim dedicavam-se a procurar ângulos favoráveis para fazerem selfies com a catarata como fundo.

Mas não era fácil, pois havia sempre gente a perturbar a paisagem.

Aquele era um dos momentos que fizeram valer tudo o que passei até chegar ali. Estava sol, não estava frio, (estavam uns fantásticos 15º), tinha a minha tenda montada junto daquela cascata impressionate e o mundo parecia meu!

Claro que me dispus caminhar em redor e subir à cascata.

Aquela água vem de dois glaciares Eyjafjallajökull e Mýrdalsjökull, que formam o rio Skógaá, (de onde sai o nome da catarata) como todos aqueles nomes são giros!

Estava no topo dos 60 metros da Skógafoss, vendo o rio se dobrar e cair por ali abaixo! Que momento mágico!

O mundo lá em baixo, visto lá de cima, era menos cheio do que parecia.

Toda aquela gente que subia e descia, não era suficiente para encher o local de gente. Quando tudo é tão grande e amplo, nada parece suficiente para encher e abarrotar os espaços!

Podia ver o pequeno ponto cinzento que era a minha tenda, lá em baixo. É, ela não estava tão próxima da catarata como parecia quando a montei!

“Skógafoss parece colocada na natureza para encantar! Pode ser apreciada desde a estrada como um postal ilustrado vivo, numa manifestação fantástica de um rio que transborda desde os glaciares, o Skógaá. Subi ao seu topo, acampei pertinho dela e sentei-me na relva por tempos infinitos, como se todo o tempo do mundo não chegasse para guardar toda a sua beleza na minha memória. De alguma forma nada mais importava enquanto estive por ali, como se estivesse na presença de uma entidade cheia de personalidade que tudo dominasse…” (in Passeando pela Vida – a página)

Livre de bagulhos, peguei na minha motita e segui para explorar outras coisas em redor.

Eu sabia que ali perto ficava o glaciar de Sólheimajökull, que faz parte de um dosglaciares que alimenta a catarata de Skógafoss.

É facil caminhar até ele desde o ponto onde pousei a moto, dificil foi chegar até ao ponto em que a pousei. O vento ali era tão forte que tive dificuldade em segurar a moto no seu caminho!

Os glaciares sempre produzem uma água esbranquiçada, mas ali estava cinzenta. A terra toda é negra em redor, dando aquele tom cinza sujo à água e preto ao gelo. Como deve ser bonito aquilo tudo no inverno!

Um dia eu quero voltar para caminhar mais para dentro, com mais tempo.

Literalmente o mundo é preto e branco naquele glaciar!

O vento soprava tão forte que o som era quase assustador.

A minha motita parecia em paz mas, na realidade, lutava para se manter de pé, completamente desamparada, sem nada para travar o vento em seu redor! Felizmente o regresso à Ring Road foi menos penoso do que eu esperava, apanhei o vento mais de trás do que de lado. Que felicidade!

Eu ainda iria mais para a frente, até ao deserto negro que é a praia de Solheimasandur.

Quando se fala em praia, não se imagina um deserto tão imenso, onde o mar nem é visivel de tão distante que fica!

Pousei a moto e dispus-me a caminhar!

O piso irregular, de pedras soltas por todo o lado, cansava os pés e quanto mais caminhava mais caminho havia para fazer. Não me lembro de ter lido em lado nenhum qual a distância que percorreria, mas podia prever que seriam vários quilómetros.

A música ajuda sempre a percorrer grandes distâncias, mas tenho de reconhecer que a caminhada começou a ser monótona e cansativa!

Então, ao fim de não sei quanto tempo e milhares de passos, lá estava o objetivo da minha caminhada…

Não podia deixar de me sentir eufórica cá por dentro!

Olhando em redor, podia entender porque aquela praia tinha sido escolhida num momento de aflição, tantos anos atrás…

… para a aterrissarem de emergencia de um avião!

” A história do avião no meio da imensa praia negra de Sólheimasandur não é muito antiga, foi em 1973 que o avião americano ficou sem combustível e caiu ali, no meio de lado nenhum! Os tripulantes ainda são vivos e podem testemunhar a aventura! Sim, ninguém morreu e, na realidade, parece que não faltou combustível nenhum, o piloto apenas se enganou e mudou para o deposito errado. Hoje o DC3 Plane Wreck é uma atracão surreal, com a sua carcaça a contrastar com o solo negro, de poeiras amareladas, que faz turistas e viajantes caminharem 4km desde a estrada, apenas para o verem de perto. Como uma caminhada pela lua!” (in Passeando pela Vida – a Página)

Como sempre, as pessoas visitam os sítios e não podem deixar de os destruir um pouco apenas para deixarem a sua marca, sabe-se lá para quem ver!

Pouco a pouco o avião foi sendo delapidado até que um dia, provavelmente, nada mais restará dele!

Ainda é uma presença bizarra no meio daquela paisagem. Lembro-me que, a primeira vez que vi uma foto daquele avião, fiquei tão impressionada que o quis ir ver. Estava pronta a fazer toda uma viagem só para isso!

E ali estava eu, no meio do maior vendaval, testemunhando a vedeta daquela primeira foto que vira tanto tempo atrás!

Mesmo com todo o vento, dispus-me a registar o momento, usando ainda a água da catarata de Skógafoss. tudo a condizer com o momento!

O tempo que me paseei em redor, os milhões de fotos que eu fiz…

O mar não era logo ali, ainda era preciso caminhar bastante para ir até ele! Tudo é tão distante!

Tudo é tão surreal!

“Desertos me fascinam, me enchem de espanto e me fazem sentir tão pequena e insignificante que me silenciam e imobilizam! A praia de Sólheimasandur teve esse efeito sobre mim, mesmo sendo uma praia com mar ao longe. Fiquei ali sentada nem sei quanto tempo, a olhar o infinito em redor, com o glaciar ao longe. Tão difícil definir as distância quando não se tem termo de comparação, que a sensação é de que em qualquer direção que caminhasse, todo o destino seria muito longínquo. Que experiência fascinante viver toda aquela imensidão!”
(in Passeando pela Vida – a Página)

De repente apetecia-me montar a tenda ali perto e ficar!

Mas além de proibido, o solo é bastante rijo e sujo. Apesar de a terra, que era mais cascalho que outra coisa, ser negra, o pó que voava e sujava as minhas botas era amarelo! Teria sido bem mais fascinante se fosse negro também!

Vi pelo telemvovel, sim, ali não faltava rede para eu ligar os meu dados móveis, que estava a mais de 4 quilómetros da minha moto. Teria de caminhar até lá de novo… ou não!

No caminho até ao avião um autocarro, que parecia um jeep de rodas grandes, passou várias vezes por mim, levantando uma imensa poeirada. Eu poderia apanha-lo no regresso. Havia uma placa com o seu horario e não faltava muito para as 17.00h chegarem! O problema é que eu não tinha dinheiro para pagar a passagem. mesmo assim decidi esperar, se não pudesse ir, tanto pior, caminharia de novo.

Disse ao motorista que queria ir embora no autocarro mas que não tinha dinheiro, só cartão multibanco e visa. Seria possível eu ir mesmo assim? Claro que sim! Disse-me mesmo que apenas se podia pagar com cartão! Não só eu podia ir, como era a única que estava devidamente preparada para o fazer, já que todas as outras pessoas tinham estado a juntar o dinheiro para pagar! Yesssss, ainda bem que arrisquei em esperar e não me pus a caminhar por não ter dinheiro vivo

Meti conversa com o condutor e ele explicou-me ali e em todo o país tudo se pode processar com cartão multibanco e que cada vez o dinheiro é menos usado. Percebi que não era permitido a outros veículos circularem por ali e nem pensar em acampar, imediatamente apareceria alguém para correr com os aventureiros. Mas que mais à frente, em Vík í Mýrdal, jé era permitido montar tenda.

Perguntou-me de onde eu vinha e ficou surpreendido por eu ter vindo desde Portugal de moto, pois muita gente aluga motos lá! Pois aluga, mas é tão caro que, sem contar com a gasolina, gastaria metade do orçamento total da viagem, apenas para pagar o aluguer de uma moto equivalente à minha!

Se acrescentasse as viagens de avião, a gasolina, as dormidas e a comida, gastaria em 7 dias, sem ir a mais lado nenhum senão a própria Islândia, o dobro do que gastei no total da viagem, por mais de 35 dias de viagem e uma série de países…

Pois, não fazia ideia, ainda assim você é uma valente mulher! – murmurou o homem.

Não pude deixar de dar uma gargalhada.

A minha motita tinha uma companheira bem original, uma moto cheia de tralhas e com um skate na bagagem! Bem interessante devia ser andar por aquelas estradas de skate! Um letão que viaja de moto de tão longe com skate acoplado.

Afinal Islândia de moto não é só para homens valentes, exclamou ele quando me viu chegar e percebeu que a outra moto era minha!

Olhava para a minha moto sem bagagem amarrada e pensava que afinal podia ter deixado para montar a minha tenda mais à frente!

Voltei a Skógafoss e fiquei meio desiludida. Havia mais tendas no local. Isso não seria problema se aqueles tipos não se pusessem a por música aos berros. Claro que conviver seria giro, mas eu nem apreciava a sua música.

Tudo piorou quando começaram a falar do vento. Eu tinha lido que o vento na costa leste podia ser verdadeiramente terrível. Havia histórias de que, quando ele era verdadeiramente forte, levantava as pedras das praias e partia os vidros dos carros. Histórias de motos serem arrastadas e não conseguirem circular… Parece que aquela costa podia ser assustadora. Um fulano, que fizera a costa dois dias antes, contou que tinha caminhado por quilómetros, lutando com o vento, pois não conseguira montar a sua moto e mesmo caminhando, tivera uma luta desigual e esgotante para chegar até ali. Por isso ficara por vários dias quieto a recuperar-se.

Todos eles tinham tempo porque estavam na ilha por mais de uma semana, já que tinham ido de avião, e estavam a voltar a Rekjavik para apanharem o voo e voltar para a Dinamarca. Ficaram espantados por eu ter ido de ferry, com moto e tudo, e preocupados por eu estar a subir para Seyðisfjörður, com data certa para embarcar! E se eu não conseguisse passar a costa, qual era a minha alternativa?

Voltar para baixo e dar a volta toda à ilha, por onde eu descera, e chegar a Seyðisfjörður por cima. Isso implicava fazer mais de 800km em vez dos 500 e poucos pela costa… O chato era que poderia não ter mais tempo, para além de não ver as coisas que queria por ali acima!

Então decidi levantar a tenda e seguir mais um pouco, assim teria mais noção do tempo que me esperava pela costa, no dia seguinte, e decidir se subia por ali ou se dava de novo a volta à ilha por onde viera.

Aquela gente achou que eu era louca, (e eu sou mesmo) e lá fui para Vík í Mýrdal, onde o condutor do autocarro me dissera que era permitido montar tenda!

Nem pensei em subir ao rochedo, por terra batida com todo aquele vento ninguém subia! Gostava de ter podido ver as praias lá de cima, mas o vento não estava para brincadeiras.

E mais à frente o tempo era outro. O sol desapareceu e nuvens meio sombrias cobriram tudo. Como é possivel as coisas mudarem tando depois de umas pedras ou morros?

Podia ver as pedras aguçadas da praia de Vík ao fundo e a encosta junto à igreja parecia a paz absoluta. Mas não era, o bendito vento estava infernal…

Pousei a moto no melhor ângulo possivel para que se aguentasse em pé e eu mesma quase fui levada pelo vento.

Se contiinuasse assim, seguramente que no dia seguinte teria de voltar para trás e dar a volta à ilha pelo mesmo caminho que viera, que chatice!

Cheguei a moto à igreja para que ela a protegesse e conferi o tempo para amanhã… Aparentemente o vento abrandaria, YESSSSS…. mas antes disso a coisa prometia ficar mais ruim do que já estava!

E ficou, tão depressa desci a colina da igreja e desatou a chover. Credo, as gotas de chuva pareciam torpedos em mim! Lembrei-me que tinha várias coisas nos bolsos do blusão, mas contava que eles fossem tão impermeáveis quando o blusão em si, ou as coisas podiam piorar lá dentro. De qualquer maneira nem queria parar, com a ventania que estava e com a tromba de água que veio sei lá de onde, queria tudo menos parar desamparada no meio de nada que me abrigasse!

Nem pensar em ir mais longe, ficaria em Vík custasse o que custasse!

Fiquei sem telemóvel, a power-bank deu o berro, com toda a humidade que apanhou, e eu só o poderia carrega-lo de novo na tomada de isqueiro da moto, no dia seguinte. Paciência, amanhã penso nisso, agora tenho uma casa para montar debaixo do maior temporal e isso é trabalho de profissional!

Havia mais gente a chegar e a preparar-se para montar tendas. òtimo, não ficaria sozinha!

E que bem ficou a minha casinha ali plantada! Não podia fotografar mas podia desenhar!

O vento uivava e a chuva parecia uma metralhadora sobre a tenda… aquela noite prometia ser animada!

13.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Explorando um pouco do sul –

12 de agosto de 2019

É claro que não tive coragem de deixar a minha bonequinha para trás e apanhar um autocarro! E também é claro que sofri mais um pouco por causa disso, mas que importa, diverti-me mesmo assim!

Não conseguia perceber se o vento continuava forte pois o edificio não o deixava passar. Havia motociclistas acampados no parque da Pousada de Juventude que não tiraram as motos do parque e partiram de autocarro, mas eu devo ser meio masoquista e sai na minha! Não importava se conseguiria ir longe ou perto, importava que não queria ir sozinha, e eu sabia que me sentiria muito só se saisse sem a minha motinha…

Fiquei a ver o povo partir no autocarro, que era mais uma navette…

Não precisei de andar muito para perceber que o vento estava onde o deixara no dia anterior, com um pouco de chuva à mistura e muito frio. Realmente, só eu para sair de moto quando toda a gente as deixava em casa por causa do mau tempo. Na noite anterior tinham comentado na pousada que era desaconselhado o uso de motociclos e eu, feita palerma, a perguntar se as autoridades tinham proibido a circulação de motos, como não tinham, siga para a estrada!

A verdade é que a minha moto é a minha companhia, se a deixo para trás e apanho um outro transporte, sinto como se tivesse deixado uma amiga em casa. Depois de tantos dias sozinha também não tinha vontade de passar umas horas a conviver com estranhos, sair onde me deixavam sair e voltar quando me mandavam voltar. Simplesmente não era o meu espírito, preferi ver menos coisas, lutar mais e fazer os meus caminhos de vento e deserto.

E logo à frente o céu parecia de chumbo, a paisagem meio apocaliptica e a chuva parecia agulhas a baterem em mim!

Por vezes perguntam-me como seleciono o que ver numa viagem, dado que não tenho possibilidade de ver tudo. Eu costumo dizer que vejo o que puder e me apetecer, sem remorsos do que deixo para trás, pois acredito sempre que voltarei a cada lugar!

E é verdade, só assim posso sentir-me livre de parar e observar coisas insignificantes em vez de correr de lado para lado para “picar o ponto” em cada sitio imperdivel.

E aquelas paisagens, tão belas quanto agrestes, enchiam-me de nostalgia e deslumbramento, de tal maneira que não pude sacrificar a sensação de as percorrer de moto, para poder ir mais longe, mais confortável numa navette!

Eu ía a caminho de Grundarfjörður, uma das paisagens mais famosas da Islandia, mas cada quilómetro era assunto para me encantar. Houve momentos em que tive a sensação que o vento estava ainda mais forte que nos ultimos dias, mas eu já estava profissional na coisa. O que nos assusta na novidade, nos relaxa na experiência!

Claro que o contraste entre o que os meus olhos viam e o que o meu corpo sentia era, no mínimo, contraditório, porque eu via paz mas sentia-me numa guerra, e isso era fascinante!

E quando conseguia parar em segurança, sem correr o risco de que o vento atirasse a minha motita ao chão, já que perigo de acidente com outros veículos estava completamente fora de questão, deslumbrava-me com o imenso vazio que me cercava.

Mais do que em muitos outros países que visitei, percorrer aquele país era uma experiência que eu só podia viver sozinha, por imensidões insanas e estradas infinitas, sem ninguém a distrair-me de cada momento do caminho, apenas eu e aquele mundo!

Parte do caminho era o mesmo que eu fizera ao descer para Reykjavík, mas visto na perspetiva inversa, parecia novo!

Mas não era novo ainda, bora lá saltar para fora da estrada outra vez! Deus queira que não chova muito, pois não é nada agradável andar por terra batida à chuva!

A vantagem é que a terra por ali é tipo gravilha que não faz lama. Aquela gente é inteligente, usa a gravilha para manter os caminhos sem alcatrão meio drenados das águas que são abundantes!

E lá estava uma bomba de gasolina para eu parar, tomar um café, aquecer-me um pouco e ganhar lanço para mais uns quilómetros de luta. É curioso como um país tão grande e tão pouco povoado, com extensões gigantescas de terreno sem vivalma, está tão bem coberto por estações de serviço. Nunca há stress com gasolina ou algo para comer por ali!

O tempo pode mudar em poucos quilómetros de distância, foi algo que percebi por lá, apenas o vento permanece, muda de direção a todo o momento, mas permanece, sempre forte!

Ora chove, ora faz sol, como se eu estivesse a percorrer grandes distâncias e, no entanto, nem eram tantos quilómetros assim!

Poças, pocinhas, lagos e mar, tudo está sempre por perto. Não há arvores, nem aldeias, nem casas, apenas eu, a estrada e planicies desoladas, quase deserticas.

E então volto a atravessar superficies lunares, a falha tectónica aparece a cada momento dos percursos. Tão fascinante!

Eu já percorrera zonas vulcânicas de terra negra, mas nada se assemelhava ao que me rodeava ali.

Não sei quanto tempo andava em redor a cada vez que parava para apreciar de perto as paisagens. Eu sei que não havia muito para ver para além do que os meus olhos podiam alcançar a partir de minha moto, mas mesmo assim eu caminhava em redor, sempre que o vento me permitia pousar a moto em segurança.

Nem sequer precisava me preocupar em encostar muito a moto pois nunca havia carro algum no horizonte, era sempre apenas eu e a paisagem! De alguma forma aquele isolamento era tudo o que eu precisava para preencher o meu ânimo e reconfortar a angustia que viajava comigo…

Estava a chegar a Grundarfjörður e tudo o que eu desejava era poder passear por lá, sem nada nem ninguém a perturbar os meus pensamentos!

Embora a dada altura todas as estradas se parecessem, havia sempre algo de único em cada uma, pequenas diferenças que me encantavam!

E então cheguei…

Quanta desilusão!

Eu nunca estou à espera de muita coisa, mas ali esperava uma grande cascata, a considerar pelas fotos que se veem pela net! Depois de tanta paz e solidão, carros, carrinhos e navettes, era o que não faltava por ali. Uma espécie de alarme soou dentro de mim, turistas, gritinhos, selfies e chineses! Oh Deus, tudo o que eu não queria!

Pus-me a olhar lá para o fundo, A cascata era pequena e as fantasticas fotos da net não eram mais que uma questão de perspetiva.

Nem tinha um lugar decente para pousar a minha moto! Dei uma volta em redor à procura de um espaço, mas não havia sitio nem paciência.

O montanha, que se vê de fundo às fantásticas fotos, é muito mais impressionante que a própria cascata! Deixei a moto na berma da estrada com os quatro pisas e dispus-me a caminhar até à cascata, de muito mau humor, e só o fiz por ser o que era e onde era…

Tal como imaginava, andava por ali gente demais nas bordas da água a fazer selfies às dúzias. Amuada que estava, sentei-me a apreciar como as pessoas se punham em todos os lados em todas as posições e poses. Encontrei o sítio de onde as fotos mais famosas são tiradas e fiz um desenho. Ao menos ninguém estragaria a minha foto, porque eu faria um desenho excluindo toda a gente e bagunça!

É claro que no momento eu já sabia que mais tarde me arrependeria de não ter feito um milhão de fotos, com gente ou sem ela, mas no momento realizei-me apenas desenhando!

O monte Kirkjufell é fascinante e prendeu muito mais a minha atenção e fiz mais um desenho ou dois.

E fui embora. Acho que estava viciada no vazio e na solidão. Na verdade não queria estar com ninguém e porque devia enfiar-me no meio das pessoas se não era essa a minha vontade?

Então quando cheguei a Þingvellir, foi a decepção. O vale é lindo, mas a multidão é desanimadora!

Era de esperar. Afinal é um dos sitios mais famosos de toda a ilha, ali foi o centro de tudo, onde se fundou o primeiro parlamento do pais e, como se não bastasse, é onde as placas teconicas europeia e americana são visiveis.

Podia ver o Þingvallavatn por todo o lado, o maior lago da Islandia, podia também ouvir o barulho das pessoas, e isso era tudo o que eu não queria naquele momento. Percebi que tinha de me arrebanhar com uma pequena multidão para ir percorrer os caminhos da falha e as gargantas do Almannagià.

Carros por todo o lado inspiravam-me a prosseguir…

Fiquei-me com a paisagem de Hakid…

Mais uma vez eu sabia que me arrependeria mais tarde por não ir visitar tudo aquilo, mas sentei-me e desenhei, enquanto ouvia o barulho da pequena multidão a descer pelo percurso. Eu estava a apreciar demais a minha paz, por isso prometi a mim mesma que voltaria ali um dia, com mais tempo e melhor disposição, para ir até às famosas placas…

Aquele vale é fascinante para percorrer de moto, com percursos de terra batida e recantos para apreciar a paz do lago.

Contrariamente ao que temi, não havia ninguem a passear por ali, aparentente as pessoas iam até ao vale para visitar a falha, caminhar até à cascata e levar consigo as melhores fotos do local. Porque eu tinha de ser diferente e pôr-me a brincar em redor? Não sei, mas eu apenas faço o que me apetece, e brincar em redor do lago encheu-me de energia.

O vento nem se sentia tanto ali em baixo, por isso foi uma experiência extraordinária andar em volta do lago a derrapar no cascalho negro.

Não importa para onde a gente vá, o que sentimos e somos vai connosco, e isso sempre determina as escolhas que faço. Estava um pouco no mood do poema “LIBERDADE” de Fernando Pessoa, tanta coisa imperdivel e eu sem vontade:

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa…

Que bem me soube um cafézinho ao som do silêncio do lago, depois de uma pequena aventura na gravilha! Era tão bom poder finalmente conduzir um pouco sem o tormento do vento. Ui, quanta paz!

Foi tão reconfortante a minha brincadeira pelo Þingvellir, que, de repente, não estava nada disposta a voltar já para casa! Que se lixe o vento lá em cima, vou ver mais uma ou duas coisas!

Tinham-me mandado uma mensagem de texto desde a televisão local para me intrevistarem, mas eu não queria ir a correr para casa por causa disso. Alguem se tinha interessado pela minha história depois da publicação da Raga no dia anterior e ela fornecera o meu numero de telemovel. Tudo bem que eu aceitei fazer a entrevista, mas isso não podia prender-me o perturbar demais os meus planos! Sei lá, apareçam à noite, né?

Por isso segui para outro vale, Haukadalur, onde fica um dos sitios que eu queria muito ver, Geysir.

Geysir, deriva de “jorrar” em islandês e deu origem ao nosso nome para a coisa “géiser”. Uma nascente bem ativa, como uma espécie de poça de água profunda que borbulha de forma cadenciada, como se respirasse, e de repente espirra com toda a força, uma enorme quantidade de agua fervente. Como se a terra estivese constipada! Eu tinha de ver aquilo!

Mas, tal como eu estudara antes de partir, era o Strokkur o mais ativo, Lá estava ele a deitar fumo e água por todos os lados!

Fiquei ali a ver a cadencia da água e a tentar prever quando aquilo ia explodir, nem me incomodou que houvsesse bastante gente em redor, porque era fascinante!

E quando a gente se distrai, pimba, a água sobe a uma altura imprevisivel!

Uma coisa que percebi é que a água não dispara em tempos certos. Embora possamos ver a água dentro da fonte a oscilar, como se ameaçasse subir a qualquer momento, não adianta contar quantas vezes ela oscila para prever a subida seguinte, pois isso não acontecerá!

Outra coisa que não é regular é a altura a que a água dispara, umas vezes sobe uns 2 ou 3 metros, outras sobe uns 15 ou 20.

Então uma pessoa fica ali hipnotizada esperando ver até onde ela vai subir na vez seguinte, com o ruido do sopro que é quase assustador, como se a terra soprasse realmente!

Nem sei quantas vezes vi o Strokkur explodir, só sei que me tive de forçar a ir embora ou ficaria ali até ser de noite, hipnotizada pelo espectáculo!

Há outras pocinhas em redor que burbulham, não sei se alguma vez disparam como o Geyzir ou o Strokkur, mas são fascinantes mesmo assim!

Da televisão diziam que esperariam por mim na pousada, mas antes de ir para casa eu ainda passaria no Kerið.

Uma cratera de muito facil acesso, que fica na beira da estrada. A gente olha e reconhece facilmente a tradicional forma de um vulcão.

Lá dentro, no fundo, fica um lago bem redondinho, ok, mais oval que redondo. A gente pode descer até à sua margem e caminhar em redor, ou pode caminhar sobre o “muro”, cá em cima.

É fascinante em todas as perspetivas, embora o lago não seja aquela enorme poça azul, toda editada no Photoshop, que o povo teima em publicar no Instagram.

Mas é muito bonito todo o conjunto, ainda me sentei na borda, cá em cima, mas o vento quase atirava comigo lá para baixo!

Ok, estava na hora de ir para casa e esticar-me para descansar o esqueleto.

Estava exausta!

Todos aqueles dias de luta permanente com o vento, mais as caminhadas e as explorações estavam a cobrar o seu preço. Voltei para Reykjavík, na última luta do dia. Provavelmente já nem iria a tempo da entrevista, mas não importava, tinha aproveitado o dia da melhor forma possível e isso sim, era importante! A volta que dera fora bem maior do que eu imaginava.

Não havia ninguém à minha espera, tanto pior, amanhã vou montar a tenda num sitio qualquer na costa leste e ninguém me verá mais aqui…

12.Islândia-Ilhas Faroé-Noruega

– Reykjavík, um dia de paz –

11 de agosto de 2019

Dormi como uma pedra!

Mas aquela noite foi uma confusão, depois de muitas horas de sono (porque me deitei estupidamente cedo) acordei com um enorme estrondo sobre a minha tenda. Algo embateu nela e resvalou ruidosamente, até ser projetado para longe. Acordei assustada com o barulho. O vento era tão forte que a tenda, por muito bem esticada que estivesse, era empurrada e abanada violentamente, ficando o pano tão tenso que parecia ir rasgar-se. Senti que ela aguentaria bem aquela pressão toda, pois permanecia sólida, mas o barulho era infernal! Agora, que fora aquilo que viera contra ela?

Eu estava gelada. Não me metera no saco cama e, mesmo usando um fato interior térmico, mais a roupa, o fato da moto e o fato de chuva por cima, sentia frio. Calcei as botas da neve, enfiei o gorro, pus o cachecol e enfiei as luvas, tinha de sair e ver o que se passava. Ouviam-se vozes, alguns gritos abafados, definitivamente estava muita gente acordada. Olhei o telemóvel, passava pouco das 4 horas da manhã!  Porra, esta gente não dorme?

Mal abri o fecho interior da tenda percebi que estava muito frio, mas quando abri o fecho exterior… não estava só um frio dos diabos, estava o inferno lá fora! Um inferno gelado, por sinal! A noite estava clara, e eu pude ver a confusão. Aparentemente muitas outras pessoas tinham chegado entretanto, mochileiros, ciclistas e automobilistas. A minha moto era a única e estava quietinha, junto da cabina onde funcionava a sala comum. Mas acho que só eu me lembrei de proteger a minha moto do vento, pois bicicletas tinham sido arrastadas pelo vento e tendas tinham sido arrancadas do chão. Uma tenda tinha sido projetada conta a minha, fora esse o barulho que me acordara. Era o caos em meu redor!

Assim que saí da tenda e me pus de pé, percebi que o vento era capaz de atirar comigo para o chão. Era preciso lutar para me manter de pé! As pessoas recolhiam com dificuldade as tendas levadas pelo vento e enrolavam-nas em bolas, pois era impossível voltar a monta-las ou dobra-las para as arrumar, e arrastavam-se para a sala comum para se protegerem, tentando salvar as suas coisas que voavam em todas as direções. Sim, que o vento, além de estupidamente forte, era também estupidamente imprevisível. Era a tal sensação que eu tinha ao conduzir na estrada, embora não se visse obstáculo, muro, casa, ou monte, ele mudava de direção abruptamente, sem que se pudesse prever de onde viria a seguir.

Observei as espias da minha tenda, ainda estavam fortes e firmes, mas dei-lhes um aperto, por via das dúvidas. Eu tinha de me aquecer. Peguei no meu saco de água (sim, eu levei uma botija para água quente, imaginando que podia estar frio!) e fui, lutando com o vento para me manter de pé, até à sala comum. O que me esperava lá dentro apanhou-me de surpresa! Estava cheia de gente enrolada em mandas e sacos- cama pelo chão. Parecia um recanto de refugiados! Tive de avançar pés e sacos para me aproximar da kitchenette e pôr uma grande chaleira de água a aquecer. Aquela gente seguiu os meus movimentos como se eu fosse um E.T. que desceu à terra e entrou ali.

Eu devia ser a pessoa menos experiente em campismo dali e no entanto era a mais bem apetrechada e a mais calma, afinal nada acontecera comigo a não ser ter levado com uma tenda em cima da minha tenda! Como se não bastasse, eu estava toda vestida de preto e a minha botija de água quente era vermelha, só para dar mais nas vistas. Um fulano perguntou onde eu tinha arranjado aquilo. “Trouxe de casa! Sabia que aqui faz muito frio de noite, por isso vim preparada para ele!” respondi, enquanto a enchia com quase 2 litros de água. Podia senti-la aquecer o meu corpo, que sensação boa!

Voltei para a minha tenda, enfiei a botija dentro do saco cama e preparei-me para dormir até ser dia, pensando naquela gente amontoada lá dentro, sem conforto nenhum. Adormeci ouvindo o vendaval em torno de mim, tão forte que até assustava, mas eu sou pessoa de dormir em qualquer situação, sem stress…

Quando acordei tive a sensação que nada daquilo acontecera realmente. Estava cheia de calor, o saco cama, próprio para suportar temperaturas abaixo dos -10º, mais o saco de água quente, fizeram-me transpirar! Por isso a sensação de que estivera tanto frio de noite parecia irreal… até eu abrir os fechos da tenda! Céus, a ventania soprou um frio tão incrível lá para dentro, que a vontade foi de voltar de deitar e continuar a dormir!

E não havia nada nem ninguém em meu redor!

A minha tenda estava literalmente sozinha no meio do nada, com alguns carros ao longe!

Parece que o pesadelo da noite anterior fora real, para os outros pelo menos!

O frio e o vento ameaçavam gelar-me por completo. A pior parte é tomar banho, a gente vai cheia de roupa, demora uma eternidade a tirar peça a peça, e depois tem de voltar a vestir tudo outra vez! E o parque não tinha tão boas condições como eu desejaria. O aquecimento não era muito eficiente e o banho foi verdadeiramente refrescante, com água morna e um fiozinho que entrava sabe-se lá por que frinchas.

Tomei o meu pequeno-almoço cá fora, pois era impossível faze-lo no meio de tanta gente deitada no chão lá dentro, e decidi que, se encontrasse uma dormida em conta nem Reykjavík, iria reservar! Eu sabia que na capital havia pousada de juventude e hosteis acessíveis, faltava saber se arranjaria espaço, assim, no próprio dia!

O wi-fi era inexistente, mas os dados moveis funcionavam bem em todo o lado, por isso foi facil aceder ao Booking.

E sim, havia! Yess!

Desmontei a tenda como pude, no meio da ventania, enfiei-a de qualquer maneira dentro do saco (ok, fiz uma bola com ela!) e preparei-me para a guerra de ir embora dali, no meio do maior vendaval! Não apetecia nem parar para fazer umas fotos da desolação que era o caminho. Houve momentos em que segui em contramão, para ter a certeza de que tinha margem para que nenhuma rajada de vento me atirasse borda fora.

Em Reykjavík era a paz! Não faltavam obstáculos para fazerem o vento abrandar, coisa que não existe em mais lado nenhum por aquele país acima e, finalmente, descontraí!

Encontrei logo a Solfar Sun Voyager, como o esqueleto de um barco viking, na beira da estrada junto ao mar, como quem recebe os visitantes,

Passeei pela cidade apreciando os seus pequenos encantos, fiz desenhos, apreciei a sua arte urbana. Oh, que paz!

A cidade não é grande, mas é acolhedora e bonita.

Um terço da população do país está em Reykjavík e, mesmo assim, ela é comprável à população de Leira, muito menos do que Porto ou Coimbra, portanto. Isso faz dela uma cidade adorável, com pormenores encantadores!

E finalmente vi turistas e pessoas em pequenos magotes, coisa que me era desconhecida até àquele dia! Mas havia também uma serenidade e uma paz, como só uma pequena cidade pode oferecer!

E lá estava, uma das esculturas mais conhecidas por figurar frequentemente nas listas de escultura incomuns, ou engraçadas, no mundo. Algo como “Memorial ao Empresário Desconhecido”

Claro que a igreja mais famosa do local, e de toda a Islândia, é visível à distância e fácil de encontrar

A Igreja de Hallgrímur, luterana, já foi considerada tanto como uma das mais feias como uma das mais bonitas do mundo! Pessoalmente acho-a fascinante!

Estava muita gente por ali à espera para a visitar por dentro, mas estava em hora de culto, por isso não me dispus a esperar e acabei por não a visitar… Imperdoável, mas pode ser que um dia eu volte e vá lá dentro!

Eu simplesmente não estava habituada a estar no meio de tanta gente, acho que me tinha tornado meio antissocial, naquele momento!

As casinhas, no centro histórico da cidade, são encantadoras. Até as casas dos gelados são fofinhas e eu nem gosto de gelados!

As pinturas pela cidade cativaram-me, não só nas pareces, mas também no chão!

E eu andei de um lado para o outro seguindo de pintura em pintura

Algumas eram verdadeiramente fascinantes

Não encontrei quase motos nenhumas na cidade, mas consegui encontrar uma para não deixar a minha Scarlett sozinha, enquanto passeava em redor. Fiquei toda orgulhosa quando um grupo de mulheres se aproximou dela e se pôs observa-la em pormenor. A minha moto é linda!

E as paredes pintadas multiplicavam-se de rua em rua

Mas a rua pintada era a mais fascinante!

Soube que tudo aquilo foi pintado num momento muito próprio e com uma finalidade!

Reykjavík festejava os cinquenta anos sobre o levante de Stonewall, (o evento que lançou o movimento moderno dos direitos LJBT no mundo), e os vinte anos do Pride da cidade. O Reykjavík Pride 2019 tinha começado no dia 8 e iria durar até 17, por isso estava ainda em andamento por aqueles dias.

Era como se as tiras de cor tivessem saído da casa e tivessem ido passear para a rua

Em frente à casa arco-iris, ficava a casa mais fascinante do pedaço!

Dava para ficar ali a apreciar os pormenores por um bom tempo!

Impossivel ver uma casa assim e não ter vontade de pintar uma também!

São tantas as casas e muros pintados!

Mas eu tinha de apreciar também as casinhas anónimas! Por vezes isso fascina-me mais que os grande monumentos, onde toda a gente quer tira selfies!

Desenhei algumas, porque apetecia mesmo, pelas formas e pelas cores, como casinhas de brincar, tiradas de um parque de diversões, tipo Disney World!

Eu sei que estas coisas não são muito turísticas, mas são fascinantes para mim!

Eu tinha de comer um franguinho! Nunca vou a um restaurante destes por cá, mas em viagem parece que se torna muito mais apetecível, e lá se vai criando outra tradição, para acrescentar à de comer mexilhões em França!

Muito bom, com direito a cerveja e tudo! Ao tempo que eu não bebia uma cerveja!

E fui procurar a pousada de juventude, que já estava na hora de fazer o chek-in. A minha motita iria  ter companhia para a noite.

A pousada tinha parque de campismo, bem abrigado pelas sebes, mas não era eu que ira montar a tenda podendo dormir numa cama por 19€!

Eramos só duas no quarto, o que foi excelente, pois tive com quem conversar, finalmente!

E não me apetecia fazer mais nada. Estava a precisar tanto de ficar quieta num sofá e simplesmente ler, desenhar ou ouvir musica, depois dos últimos dias de luta, que nem senti remorsos de ter deixado tanta coisa para ver e enfiar-me em casa!

De qualquer maneira tinha combinado encontrar-me com uma islandesa para entregar um pacotinho. Não me lembro mais do nome dela, só sei que era complicado, mas o diminutivo era Raga.

“Eu tinha uma missão, encontrar uma islandesa linda e entregar-lhe um pequeno presente que trouxe de Portugal para ela, a pedido de um amigo. E foi assim que ela descreveu o momento:

“Met this amazing woman this afternoon! Gracinda Ramos is Portuguese and came to Iceland on her beloved motorbike all the way from Portugal. Gracinda is an artist and teaches art as well. She loves to explore the world on her motorbike and has been to 46 countries and covered many thousands of kilometres. In this trip she is visiting Iceland, Faroe Islands and Norway.
She has already been in the North and West of Iceland and later this week she will continue her trip to the South and East before sailing off to Faroe Islands. Hopefully she will not have as strong wind as she had on her way to Reykjavik. Bom voyage Gracinda
Thank you for introducing us dear Joao Baltazar”

E o próprio comentou:

“Alguém poderá dizer que enviou um presente para uma terra tão distante por serviço especial de entregas: MotoXpress in Hand!!?? 😉
Obrigado Gracinda, uma vez mais!” (João Baltazar)

Fiquei por ali, curtindo a sensação de estar estendida num sofá, até chegar a hora de ir para uma cama de verdade!

Amanhã, se continuar este vento infernal, vou deixar a moto para trás e vou passear de autocarro… se tiver coragem de a deixar!