20. Passeando pela Grécia/Balcãs – de Ljubljana até Zone

7 de setembro de 2022

Há momentos numa viagem que são difíceis de gerir.

Por um lado, tenho de seguir para casa, por outro lado quero ficar…

Há tanta coisa que eu quero ver e não posso, que tudo o resto parece secundário, como a dor no meu pulso, o trabalho que me espera, ou as saudades de casa. É nestes momentos que sinto que não devo ser normal, quando todo o tempo do mundo me parece pouco para realizar tudo o que quero…

Um dia, numa viagem qualquer, eu comentei que as coisas já sabiam a saudade e alguém respondeu que era compreensível que eu estivesse com saudades de casa… mas o que já me sabia a saudade era a própria viagem, porque se aproximava do fim.

Hoje eu estava nesse espirito…

Olhando pela janela do corredor podia ver lá em baixo a minha moto e isso perturbava-me tanto…

No dia anterior, para guardar a moto no pátio, eu percorrera um carreiro estreito em lajes de pedra, que alargava apenas um pouco no extremo, onde eu a parara, tudo o resto era gravilha!

Mas não havia espaço para dar a volta sem pisar a gravilha e eu não tinha habilidade para manobrar avançando e recuando até dar a volta, pois a minha mão esquerda não seria capaz de segurar o guiador.

Manobrar a moto à mão, então, estava completamente fora de questão, pois se eu nem conseguia pegar direito no capacete e tinha de o enfiar na cabeça essencialmente com a mão direita!

Então andava pelo hostel apreciando todos os recantos, enquanto mantinha o meu pulso esquerdo no gelo e ginasticava a mão, a ver se ela acordava e recuperava um pouco de força e mobilidade.

Por isso custou-me sair dali e fui aproveitando o espaço até me sentir suficientemente corajosa para partir.

Aquele dia não seria cheio de descoberta, seria mais como percorrer um caminho, por isso havia tempo para apreciar de perto a tão famosa transformação da prisão em hostel, com uma decoração muito zen

O recanto de apoio à cozinha dos hospedes era tão original quando bonito. Na realidade, em vez da mesa e os bancos sobressaírem, estava escavados no chão.

Não sei se foi um aproveitamento de uma configuração já existente ou se foi um trabalho de design original, mas que resultou muito interessante, resultou!

Finalmente a minha mão fechou, eu enchi-me de coragem e arrisquei tirar a moto para a rua.

Eu, que sempre tive os pulsos tão frágeis e tão pouca força nas mãos, percebia agora o quanto a habilidade e experiência são, por vezes, mais importantes que a força!

Dei a volta por cima da gravilha, usando a força da mão direita, enquanto a esquerda apenas seguia pousada no guiador.

Tive de o fazer em piloto automático, sem pensar muito, para não deixar os receios tomarem conta de mim, e foi limpinho!

E segui para Kamnik, uma encantadora cidade situada no vale do Rio Kamniška Bistrica, aos pés dos Alpes eslovenos. Dizem que é uma das mais bonitas cidades medievais da Eslovénia.

Sempre sorrio com as placas de “zona” daquele país!

mania de escrever zona com um “c”!

Šutna é a rua principal que atravessa a zona mais pitoresca da cidade. Está repleta de casas fofinhas coloridas e lojas pitorescas.

A Igreja Paroquial da Imaculada Conceição de Maria é o principal templo da cidade, de arquitetura de influência barroca, com linhas elegantes e fachada imponente.

Sempre acho piada como as igrejas parecem rebeldes, ao não estarem posicionadas no alinhamento das casas! Na realidade o seu alinhamento não obedece ao das casas e sim ao do sol, tendo sempre o altar virado a nascente e o portal a poente, para que os fieis caminhem da escuridão para a luz.

Porém isso faz com que seja difícil, por vezes, fotografar uma igreja de manhã, pois corre-se o risco de a apanhar em contraluz!

Era um pouco estranho para mim encontrar ruas completamente vazias. Não gosto de ruas cheias de turistas, mas ruas sem ninguém é um pouco desolador também!

Provavelmente noutras cidades haveria muita gente ainda, mas ali não é um sitio muito turístico, por isso não se via vivalma!

A Glavni trg é a praça principal da cidade. Encantadora sem ser demasiado decorada, como praças de noutras cidades, que são claramente desenhadas para turista ver. A simplicidade elegante da decoração apenas realça a verdadeira essência do local, tornando-o ainda mais especial para quem o visita.

Há ali um charme e autenticidade, combinando perfeitamente a atmosfera acolhedora da praça com a serenidade da cidade.

E ao fundo fica o lindissimo café Kavarna Kalipso!

Aquela fachada chamou-me a atenção desde a primeira vez que pesquisei sobre Kamnik. Ok, não fui lá por causa do café, mas estando lá, tinha de o encontrar e desenhar!

A casa chama-se Maistrova e tinha acabado de ser restaurada pouco antes de eu chegar. Eu pensei até que ainda a iria encontrar em obras, mas ela tinha-se vestido a tempo para mim!

Na realidade meses antes, tinha sido concluído o restauro da fachada da casa, como parte do projeto de reestruturação da praça principal da cidade.

Antes do restauro, a fachada era bege acinzentado, com elementos decorativos laranjados. Após a renovação, as novas cores da fachada geraram confusão por parecerem completamente novas e inadequadas. Mas, na realidade, as cores foram escolhidas conforme o original, antes do desgaste do tempo e a ação do sol.

Para mim ficou perfeita!

Ao lado fica o Caferacer Bar, onde eu tomei um café, um bom sitio para apreciar a fachada do Kavarna Kalipso!

Não havia motos nem motards à vista, apenas eu!

No topo da colina do Calvário, que pertence ao Mali grad, fica a Capela de Santo Eligius, ou Kapela Svetega Eligija.

Mali grad quer dizer, literalmente, castelo pequeno.

O portão para a capela estava aberto, mas tudo o resto estava fechado. Acho que é a desvantagem de se passear fora de época, ele só abriria muito mais tarde.

A capelinha empoleirada lá na ponta da colina, estava fechada também.

Felizmente as paisagens estão sempre abertas e dali podia verboa parte da cidade.

Fiquei surpreendida com a fidelidade da foto e de todas as explicações. Às vezes estes painéis são tão diferentes do que a gente vê na nossa frente, que se demora um pedaço até se descobrir onde está cada coisa!

Dali podia ver-se como as montanhas estavam perto.

A moto estava no outro extremo da rua Šutna. Estava na hora de pegar nela e seguir caminho.

Antes de sair do país tinha de encher o deposito, que a gasolina em Itália é sempre um roubo! Na realidade, comprovaria mais tarde que ela estava “só” mais cara 40 cêntimos por litro em Itália!

A Eslovénia continua a fascinar-me, podia sentir isso à medida que me aproximava da saída. Ainda há muitos mistérios, lendas e belezas naquele país a chamarem a minha atenção. Um dia terei de voltar!

Um dia terei de voltar!

Onde há monte há motociclistas e os avisos para que tenham cuidado começam a aparecer.

Ali diz: Secção de estrada perigosa.

E, ao dar uma olhada ao meu Ambrósio, podia perceber que tinha montanha gira para fazer. Os Alpes Julianos estavam tão perto e, infelizmente, eu não os iria atravessar, mas pude pelo menos ter um vislumbre!

Ora vamos lá Itália!

É sempre tão pouco interessante atravessar aquela zona de Itália, até chegar aos Alpes, mas eu não estava com disposição para andar a dar voltas em busca da montanha. Tinham previsto chuva para a zona onde eu pernoitaria e eu queria chegar lá antes dela, pois aquilo é bonito e montanhoso e não teria qualquer graça subir em meio à tempestade!

Enquanto as estradas eram vazias e distantes, a coisa teve piada, mas depois começam a aparecer as cidades e as estradas pilhadas de carros. Eu tinha consciência de que estava a passar perto de cidades muito movimentadas, como Pádua e Verona…

Estava tão perto de Veneza! Ui, aos anos que eu não passo lá!

É aquela sensação de estar perto de tanta coisa que quero ver ou rever e não posso. Uma pena!

O pior que me podia acontecer ainda, era ter de conduzir no meio do transito, e eu fazia tudo por evitar usar a embraiagem. Na realidade, naquela viagem, eu vinha usando e abusando da 4ª mudança, aquela que me permitia fazer mais coisas sem ter de mudar. Subi, desci, curvei e acelerei por dias a fio usando basicamente a 4ª.

Agora ia no meio de trânsito lento por quilómetros, rezando para que me deixassem usar pelo menos a 5ª, sem ter de baixar!

E finalmente cheguei à estrada de Zone.

Eu já lá tinha estado uns anos antes, com uma CrossTourer, quando regressava da Islândia, por isso sabia que a estrada era fixe, com curvas e subidas excelentes para a minha 4ª mudança.

É, parece que qualquer terra pode ficar no caminho da Islândia. Neste caso no regresso da Islândia, quando eu decidi que seria uma boa ideia passar pelos Alpes Italianos, pelas Dolomitas e pelo lago de Garda!

Zone fica na montanha, nos Pré-Alpes de Bréscia, conhecidos em italiano como Prealpi Bresciane, com vista para o Lago d’Iseo.

E fiquei no mesmo albergue da ultima vez. Eu lembrava-me bem, mas não contava que se lembrassem de mim!

“Ainda da série, quanto tempo as pessoas se recordarão de nós após a nossa passagem, aqui fui recebida com um alegre ” questa è la tua seconda volta qui!” e um enorme sorriso a acompanhar a exclamação! Eu já não me lembrava bem quando cá estive, mas a senhora lembrou-me que a minha moto era preta. Puxa, sabe bem que se recordem de mim depois de tanto tempo e tanta gente que aqui passou…” in Facebook

Depois lembrei-me que a moto não era totalmente preta, tinha o deposito vermelho. A senhora lembrava-se que era uma moto alta e que eu apanhara muita chuva. Eu sei, e hoje quase a apanhava outra vez!

Lembrava-me da paisagem da janela do meu quarto, que era o mesmo.

Será que o hostel só tinha um quarto?

Eu tinha percebido da ultima vez que muita gente se alojava ali para praticar desportos de montanha, subir os trilhos e relaxar. Já da outra vez eu era a que estava de passagem, que vinha de mais longe e que ia para mais longe também!

Desta vez a história repetia-se!

Aquelas paisagens deslumbravam-me! Não me admirava que houvesse quem fosse para ali só por causa delas!

É sempre curioso como uma terra estranha se torna, depois de uma viagem, terra conhecida! E era isso que eu sentia, que passeava por terra conhecida, tentando descobrir algum recanto novo.

A igrejinha é muito fofa, da ultima vez estava fechada, mas desta vez consegui vê-la por dentro. Pareceu-me que era consagrada a S. Pedro, a considerar pelo santo que está no altar, vestido de escuro e com barbas e cabelo branco!

Irónico se o santo padroeiro for o S. Pedro, pois parece que por ali chove que se farta! O santo não tem consideração pelos seus fieis?

Eu e o meu braço, todo folclórico, com as fitas de drenagem neuromuscular azuis para dar um pouco de cor ao conjunto.

Regressei à base, antes que o temporal se instalasse. No hostel tinham avisado que vinha aí muito mau tempo, a confirmar as previsões que eu vira no meu telemóvel.

A comida estava deliciosa!

Aquela carne estava um luxo, acho que apenas como carne com aquela qualidade e grelhada exatamente no ponto, lá ou cá! Como se em mais país nenhum conseguissem entender como ela se prepara!

Então um fulano entrou no restaurante e pôs-se a falar com outro que estava numa mesa perto da minha. Percebi, pela conversa, que o homem que tinha entrado era português, por isso falei…

Eu, que fico sempre no meu canto, que nunca revelo quem sou nem de onde sou a outros portugueses, disse que era portuguesa. Ele veio sentar-se na minha mesa, o que já me deixou meio desconfortável, mas lá nos pusemos à conversa e tudo correu bem, até eu falar do meu moçoilo…

O homem ficou em choque, então eu tinha marido e andava por ali sozinha?

– Não está certo, não está correto, não pode ser! – dizia abanando a cabeça negativamente.

– Mas então porquê? Eu não ando a fazer nada de errado!

– Mas um casal tem um compromisso, têm de andar os dois! – defendia ele

– Como isso? O meu homem não gosta de viajar e viajar é um dos grandes objetivos da minha vida, não dá para andarmos juntos!

– Não importa, têm de arranjar um entendimento porque vocês têm um compromisso!

Eu olhava-o incrédula!

– Temos o compromisso de nos fazermos infelizes um ao outro? E se eu fosse um homem, para si já estaria tudo bem, certo?

– Bem, não, sim, talvez…

Peguei nas minhas coisas e fui embora, prometendo a mim mesma manter a boca calada, como sempre faço quando percebo portugueses por perto…

Então a tempestade começou, para complementar o meu aborrecimento pela conversa que eu não pedi, mas tive de aturar.

A cada trovão que explodia o céu se iluminava mostrando o perfil dos montes em redor, num espetáculo que me fascinou e me fez esquecer o estupido lá de baixo.

As noites de tempestade sempre me fascinaram, mesmo quando as apanho na estrada. Mas ali, protegida, com uma janela privilegiada para ver o espetáculo, foi o máximo!

Além dos flashes que iluminavam tudo, a chuva tornou-se violenta, curiosamente sem qualquer vestígio de vento!

E lá fui dormir quando o espetáculo terminou, esperando que o São Pedro tivesse gasto a água toda e não houvesse mais para amanhã!

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