14. Passeando por caminhos Celtas – de Dublin até Belfast

8 de agosto de 2014

O dia estava uma bosta e eu iria sair da República da Irlanda para a Irlanda do Norte sem poder levar comigo as paisagens mais encantadoras… simplesmente porque nada se via do fim da rua para a frente! Uma pena!

Quando isto acontece nunca sei muito bem o que fazer, ir direta por ali acima ou tentar dar uma volta procurando alguma aberta nas nuvens cerradas? Decidi pela segunda hipótese, dar uma voltinha antes de seguir para Belfast!

Segui para a Upper Lake region of Glendalough, um recanto encantador que eu não queria deixar de visitar antes de partir. Glendalough, em irlandês “Gleann Dá Loch” significa “vale de dois lagos”, é um vale glaciar que é conhecido pelo seu mosteiro medieval do séc. VI.

Eu não sabia se o veria, pois o tempo estava mesmo miserável, mas eu iria tentar!

A paisagem por ali é linda e seguramente que, com um dia de sol, seria deslumbrante!

Apesar de por vezes a humidade no ar ser altíssima e a visibilidade quase nula, passear por aqueles caminhos era ainda um prazer! Sem ninguém na única rua que rasgava a montanha, com os tons verde intenso, que pareciam ativados pela humidade, era a sensação de estar sozinha no meio do mundo! Tão bom!

O rio Inchavore acompanhou boa parte do meu caminho e eu voltaria a passar por ele no regresso, podia perceber pelo mapa, por isso olhei-o na sua descida pelo vale, em catarata e depois iria ve-lo mais de perto na volta!

Era imponente a forma como ele escorregava por ali abaixo, assim de repente, sem que a gente suspeitasse vendo-o de cima!

Finalmente cheguei ao Lower loch. Apesar de o dia estar cinzento o verde era intenso e a água parecia um espelho!

São aqueles momentos em que apetece parar e ficar, simplesmente, a olhar!

Não sei quanto tempo fiquei por ali, o lago nem ficava no meu caminho, nem tinha seguimento, o caminho apenas levava ao outro lago. Eu fui ali por ele e por ele ali fiquei.

Eu não sabia, mas aquele recanto de paraíso, seria a ultima coisa que eu veria da República da Irlanda…

Eu vira ao passar para o lago a torre redonda tão característica, o mosteiro seria mesmo ao lado, seguramente!

Lá estava a relva fofinha e muito verde, a parecer irreal, um cenário de um filme qualquer, com cenas a puxar para o tenebroso, já que cemitério lembra sempre ambientes desses!

Mas não havia nada de tenebroso no local, apenas muito de histórico, isso sim!

A catedral é do mais antigo que há, da época da transição da cultura celta para a cultura cristã e mantem-se totalmente original, o que é espantoso!

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E foi mais uma visita sagrada, pelo antigo e histórico que continha! Eu nunca fico indiferente a essa carga histórica de um local tão antigo…

Logo ao lado fica a cruz de Saint Kevin que, embora pareça mais pobre que todas as que vi, é simplesmente extraordinária porque é esculpida numa única pedra de granito, um monólito. Tem 2.5m de altura e é um dos primeiros exemplares da combinação da cruz céltica com a cruz cristã, num esforço dos monges em receber a cultura pagã no seio da cultura cristã, incluindo e aceitando o círculo que representa o sol, venerado pelos celtas.

Há uma lenda que diz que quem conseguir abraçar a cruz de St Kevin e tocar os dedos do outro lado, fechando o círculo, verá os seus desejos realizados. Mais uma vez nada tentei e nada pedi… uma pena pois eu tenho os braços compridos e certamente conseguiria dar a volta à cruz com eles e tocar os dedos do outro lado. Sim, porque parece fácil porque não há ninguém perto da cruz na foto, senão ver-se-ia como ela é grande e grossa!

Por entre tumbas de lápides inclinadas pelo passar do tempo e a vegetação que levanta a terra, chega-se à Igreja de São Kevin, o fundador do mosteiro e o primeiro santo irlandês.

E logo a seguir um riacho de águas escuras…

olhando bem eu achei que as águas eram mesmo castanhas! Curioso!

E a “Monastic City” como lhe chamam é fantástica! Estivesse um pouco mais de sol e seria um encanto, assim foi um encanto misterioso, por entre brumas e gotas de agua que molhavam os meus pés e faziam as varias pessoas que visitavam o local, enfeitarem-se com capas de plástico coloridas!

Havia sítios onde eu tinha de passar por baixo das lápides das tumbas,

que coisa mais inspiradora!

O tempo piorava a olhos vistos e começava a chover a sério, só para encher a minha despedida de tristeza!

Não haveria condições para visitar mais nada, só me restava seguir para a Irlanda do Norte a ver se o tempo melhorava para lá. Mas a Republica da Irlanda ficou-me no coração e a vontade de ver muito mais, procurar, descobrir e viver histórias antigas, uma sensação que tenho de voltar a sentir!

Uma certa nostalgia acompanhava-me já ao fazer-me à estrada.

Parei um pouco para apreciar o rio Inchavore que vira em catarata na ida para Glendalough.

E sim, ele é castanho!

“O tempo estava cinzento, uma pena porque a paisagem por ali merecia pelo menos um céu cheio de nuvens revoltas e inspiradoras, com nesgas de azul por trás… mas estava cinzento, com promessas de chuva a cada momento. E os montes inspiravam-me, com lagos a aparecer a cada momento, na solidão do meu caminho. Que coisa linda é o Wicklow Mountains National Park, podia passear-me por ali por muitos dias seguidos e encantar-me sempre. Então parei junto do rio e… espantei-me! O rio Inchavore é castanho! Ainda pensei se poderia ser apenas influencia da sombra da vegetação, do reflexo sei lá do quê! Mas não, a gente aproxima-se, desce até ele, e as suas águas são mesmo daquela cor! Impressionante!”

Coisa estranha olhar para um rio da cor do chá! Não, aquilo é mais da cor do café!

Eu conhecia rios de águas brancas, de águas azuis turquesa, de aguas verdes… agora posso dizer que também os conheço com águas castanhas!

Claro que fui investigar a razão daquela cor e, a cor castanha é provocada pela turfa que há por aquelas terras, e é muita, o que torna a água castanha e ácida e a vida aquática não é muito rica por causa disso, mas existe e até há espécies raras a viver nela! Claro que sendo eu meio fora das biologias e ciências, imaginei logo que uma água acida teria uma espécie de sabor a limão! Associação lógica não? Eheheheh

Muito curioso!

Acabei por ficar por ali mais um pouco, a chuva parara e eu fui desenhando umas ovelhas que estavam muito quietinhas em pose para mim, para juntar à minha coleção de animais dos meus percursos!

E a seguir lá estava a estrada magnífica que precisava tanto de um céu azul por cima para me levar ao êxtase…

A dada altura já só com fato de chuva poderia continuar. Que pena ter de guardar a maquina fotográfica e embrulhar-me toda num momento em que tudo o que eu queria era ver um pouco mais daquele país lindíssimo…

e foram mais de 200 km de chuva e estrada, sem nem parar para passar a fronteira, sem nem tirar uma foto junto da placa a dizer Irlanda, até entrar em Belfast.

Quando eu amuo com o tempo acontece-me isso, “ai não é para ver nada? Então conduzo sem parar e pronto!”

A minha chegada a Belfast e ao hostel foi o primeiro contacto com uma realidade que eu conhecia mas não imaginava ser “tão possível”! Por entre as coisas que me foram dizendo, recomendações, indicações de atrações e tal, disseram-me onde era o ponto mais perto para comprar bebidas com álcool!

Oh valha-me Deus, então comprar álcool é assim mesmo, um momento extraordinário na vida da gente, que até é referido no meio das atrações e curiosidades da terra?! Estes irlandeses são malucos!

E veio o sol! E eu peguei na moto e fui passear, depois da chuva todo o sol seria de aproveitar! Claro que estava tudo fechado, passava das 6.00h da tarde, mas não importava nada!

St Anne’s Cathedral ou a catedral de Belfast, um edifício do inicio do séc. XX que teria valido a pena visitar mas nada feito! Eu não voltaria ali por isso fiquei-me pelas imagens exteriores!

O que eu procurava era outras coisa em Belfast e ainda bem que a procurei naquele dia, ou não teria tempo de ver mais tarde!

Guiei-me pela St Peter’s Cathedral que eu via ao longe!

Mais uma igreja imponente e extraordinária, a primeira igreja católica a ser construída em Belfast, ao estilo gótico francês, por isso mais uma construção revivalista!

Muito bonita, fica no meio de bairros habitacionais com ar pouco asseado, pensei eu, até perceber que lixo é o que não falta nas ruas da cidade!

A catedral foi projetada pelo padre da paróquia, que tinha estudado arquitetura antes de se tornar sacerdote, e construída num terreno doado por um padeiro local. Uma história simples para uma construção extraordinária!

Ali perto começam os Murais, descrevendo as divisões políticas e religiosas do passado e do presente da região… era isso que eu queria ver!

Diz-se que perto de 2.000 murais foram documentados entre os anos 70 e 2014 e o ‘The Belfast Mural Guide’ diz que mais de 300 estão hoje visíveis pela cidade, em diversos estados de conservação/degradação!

Os murais servem para comemorar, comunicar ideias, mostrar aspetos culturais e históricos de populações, crenças e ideologias de comunidades, eu sei lá! Sei que são fantásticos!

Andava ali eu sozinha a ver tudo em pormenor, quando chegou um grupo de táxis! Eu sabia que as pessoas se organizavam em táxis para visitar aquela zona da cidade, sendo os próprios taxistas guias que contavam as histórias e tal. não sabia é que eles andavam assim aos magotes!

Eu não queria ver todos os murais possíveis, queira ver alguns, estar perto, tocar-lhes, ver como eram pintados, nada mais!

Alguns não são pintados sobre a parede, diretamente, são impressos em grandes painéis e colocados ali, com placas que explicam de onde vêm.

E alguns têm placas informativas e identificativas.

Alguns murais ficaram-me na memória pela mensagem que transmitiam.

Ao lado de tão fantástica arte, outros cartazes se impõem!

Escrevia eu no meu Facebook:

“Curioso, eles proibirem o álcool nas ruas, mas as pessoas devem embebedar-se em casa pois deixam as ruas cheias de lixo! Não seria de proibir o lixo pela calçada então?”

Mas havia outras placas por la que me fizeram sorrir! Tão bom quando tratam bem as motos!

E fiz uma selfie de cima da minha motita, refletidas as duas numa montra!

E fui para casa, pois tinha marcado jantar no hostel, mas não sem por o olho ao que me aparecia na berma da estrada:

“Na margem do rio Lagan, na berma da Queen’s Bridge, fica Beacon of Hope, uma escultura feminina de 15 metros, trabalhada em aço inoxidável e bronze. É tão imponente quanto leve e frágil, como facilmente uma imagem feminina pode parecer. O escultor, Andy Scott, escreveu sobre ela: “Espero que a figura seja adotada pelo povo de Belfast como um símbolo de paz e reconciliação, e como um farol luminoso de modernidade e progresso”. Está ali desde 2007 e é já uma referência, um recanto a visitar, para quem chega a Belfast!”

A menina do hostel tinha referido aquela escultura por isso eu tinha de a ver!

O jantar que me esperava era muito louco, com gente muito maluca, com direito a conversa fiada sobre tudo e em todas as línguas possíveis e eu la fui dando “agua sem caneco” até às tantas, que um serão animado sabe sempre bem!

E foi o fim do 11º dia de viagem!

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