18. Passeando por caminhos Celtas – mais um azar em Glasgow…

12 de agosto de 2014

O tempo não melhorou nadinha de ontem para hoje, a bem dizer piorou e muito, isso sim!

É deprimente acordar com um dia cheio de chuva e humidade, de cima a baixo, um dia daqueles em que nem é bom pensar sequer em tirar a máquina fotográfica para fora, sob pena de a humidade no ar dar cabo “dos seus rolamentos”!
M%//()%$da!

De novo me punha a questão, “saio ou fico no choco, a ver a água correr pelos vidros da janela?”
Decidi sair, eu decido sempre sair, na esperança de que algures, a uns quilómetros dali, o tempo esteja melhorzito… não estava e eu iria mesmo arrepender-me de ter saído de casa…

..  fui para sul!

Uma coisa que eu gosto é conduzir à chuva. Aprecio aquela sensação de atravessar o temporal sem me molhar, ouvindo musica confortavelmente, ao mesmo tempo que sinto a chuva bater em mim e o vento abanar um pouco a moto. Mas só aprecio esta sensação quando me convenço de que nada mais haverá para fazer, e foi o que aconteceu naquele dia.

O tempo não melhoraria em direção nenhuma que eu fosse, por isso decidi passear um bocado à chuva, voltar para Glasgow e enfiar-me “em casa” a escrever e a desenhar e pronto.

Há um encanto na natureza em reboliço que eu fui apreciando, percorri ruínhas estreitas que me levaram para longe de cidades ou aldeias, alegremente cantarolando ao som da música, até que precisei de abastecer… e foi aí que começou o pesadelo.

Estava numa pequena localidade e a bomba era quase a única coisa que havia ali para ver. Foi ao sair dela que eu senti algo de diferente na moto.

“Puxa, a rua é bem torta por aqui!” foi o primeiro pensamento que me veio à cabeça quando ela oscilou. Mas a rua era mesmo uma ruela por isso não estranhei de todo. Acelerei, reduzi, travei e aparentemente estava tudo bem, por isso siga para o monte…

Mas ou a rua era cada vez mais torta ou a moto não estava mesmo bem!
Eu estava já no meio de lado nenhum quando processei o que não quisera processar antes… eu tinha um pneu furado!

Quando a gente teve 11 furos numa moto durante apenas um ano e meio, como me aconteceu com a minha Africa Twin, a gente sabe muito bem qual é a sensação, eu apenas não quisera acreditar, até porque num pneu tubeless demora a perceber-se um furo. Na Africa Twin sentia-se logo pois quando a camara de ar fura o pneu vai-se abaixo rapidamente e pronto!

Ora eu estava algures na Galloway Forest, com uma moto de 326kg nas mãos com o pneu de trás furado, um temporal infernal cheio de vento e chuva e Glasgow a quilómetros de distância…

Não parei sequer para ver o pneu, enquanto eu conseguisse controlar a moto eu iria seguir. A sensação era que, se parasse a olhar para a moto, perderia o ar do pneu sem avançar dali para fora, por isso eu queria continuar, como quando uma moto deixa de funcionar e a gente a deixa continuar rolando até perder de todo a velocidade e parar por ela! E assim fui andando, quase sem reduzir a velocidade, por milhas e milhas!

Eu sentia a moto oscilar, como se a rua estivesse cheia de buracos e eu não conseguisse seguir a direito, mas o que me começou a perturbar mesmo foi o barulho do pneu vazio! Era horrível e assustador! Comecei a fazer filmes de terror, imaginando a jante a trilhar o pneu, este a esmagar-se para um lado e para o outro e a moto a descontrolar-se!

Calma, um dia eu conduzi a minha Varadero por centenas de quilómetros com o pneu de trás furado, por isso eu faria o mesmo com a minha Ninfa, e ponto final! Pus a musica mais alto, para não ouvir o barulho do pneu, e segui cantarolando, o que ajuda a relaxar!

Mais de 20 milhas depois cheguei a uma localidade, Maybole! As pessoas olhavam para a moto, tal era o barulho que o pneu vazio fazia! Havia uma oficina numa estação de serviço, fui pedir ajuda!

Só aí eu vi o pneu… e vi o furo, ou antes, o que provocava o furo, e processei que 20 milhas são mais de 30 km, a distância que eu já percorrera com o pneu assim!

Os homens não queriam acreditar que eu conduzira a moto desde a Galloway Forest até ali com tamanha monstruosidade enfiada no pneu!

Não me podia resolver o problema, pois não trabalhavam com motos, por isso encheram-me o pneu e indicaram-me uma oficina mais à frente umas milhas onde me ajudariam a seguir mais para frente.

A oficina seguinte também era de carros, por isso não me resolveriam o problema lá, mas o responsável/dono era um tipo muito simpático, que ficou impressionado por me ver ali sozinha, com aquela moto enorme, depois de a conduzir por tantas milhas com o pneu assim e deu uma grande ajuda. Ele também era motard e iria tentar remover o parafuso e pôr um remendo provisório que aguentasse o ar dentro do pneu para eu poder ir até à cidade seguinte e aí sim, trocar o pneu!

Fui dar uma pequena volta pela localidade, comer algo, relaxar!

Quando voltei a moto estava com o pneu em cima! Oh maravilha!! E o senhor deu-me um presente… a principio não entendi o que ele me dera para a mão, foi preciso ele dizer-me que aquilo era o parafuso monstruoso que estava enfiado no meu pneu! Céus!

“siga por umas 4 ou 5 milhas e encontra uma oficina de pneus, peça para lhe verem a pressão e lhe indiquem a oficina que fica na estrada X” dizia o senhor “tenha cuidado, não vá para Glasgow, porque o que eu fiz é muito provisório e pode sair a qualquer momento!”

“Go on and good luck brave girl!” terminou ele, erguendo o polegar para mim…


E foi um percurso em estafeta, seguindo indicações de oficina em oficina, onde me verificavam o pneu e me indicavam a oficina seguinte, até chegar a Ayr, num “Turn left, go straight and left again!” lá estava a ultima oficina para onde cada um me foi guiando, como se estivessem coordenados entre si: uma oficina Honda!

Fui recebida com simpatia, mas só tinham um mecânico a trabalhar, por isso teria de esperar até às 3 horas para ser atendida. “No problem”, com a bosta de tempo que estava a pressa não era nenhuma! Alem de que passava da 1.00 hora e eu tinha de comer, o esforço e a preocupação sempre me enchem de fome!

Senti-me vaidosa porque a minha bonequinha despertou a atenção de quem estava, várias pessoas a vieram ver a elogiar! Era a única Pan no estacionamento e era a mais bonita moto que lá estava! A mim chamaram-me “the best rider in the world” porque cheguei com ela ali depois de mais de 40 milhas de Estrada com o pneu furado!

“Glasgow ficará para sempre lembrada como a terra do azar para mim! Se alguma vez eu disser que vou voltar à Escócia, por favor alguém me lembre de não ficar em Glasgow, apenas passar e andar!
Apenas falhou por uns 7 dias para ser exatamente 3 anos depois do tal dia 19 de agosto de 2011, quando o primeiro azar se manifestou…
Pois, e hoje foi dia de azar de novo!
Às vezes perguntam-me como farei eu se tiver um azar em viagem, estando sozinha, uma avaria um furo, qualquer coisa!
Uma avaria, tive-a cá no tal dia 19 de agosto e resolvi-a com a minha seguradora e a gente daqui.
Um furo, tive-o hoje e resolvi-o conduzindo por mais de 40 milhas até chegar onde me pudessem ajudar. Gente simpática, de oficina em oficina, lá me foram mantendo o pneu suficientemente alto para a jante não chegar ao chão, até chegar a uma oficina Honda em Ayr.
O furo? Era uma enormidade, o que foi mantendo um pouco de ar foi o próprio parafuso que o provocou. Um parafuso enorme que atravessou o pneu em dois sítios, por onde entrou e por onde saiu a ponta!
O parafuso era uma coisa monstruosa!
Tudo está bem quando acaba bem… espero!”

E fui passear por Ayr!

É uma cidade muito antiga e interessante, não fora a situação que lá me levara e o péssimo tempo que me recebera, e teria sido uma visita muito interessante a uma bonita cidade!

Foi uma alegria, porque apesar do mau tempo as ruas estavam cheias de gente e isso era tudo o que eu precisava naquele momento para me distrair e alegrar um pouco!
A Wallace Tower é quase como a torre dos Clérigos no Porto, vê-se de todos os cantos da cidade!

Deu para comer e passear, ver montras, visitar o posto de turismo e o rio Ayr, que dá o nome à cidade!

Quando voltei estava a minha bonequinha na “mesa de massagens” toda contente!

Foi quando o senhor que me atendera me veio dizer que o meu pneu da frente estava muito gasto para eu fazer todo o caminho que ainda me faltava fazer naquela viagem, por isso não me queria deixar ir embora assim e me aconselhava mudar também o pneu da frente!

Fiquei a olhar para ele! Como é que ele sabia o caminho que eu estava a fazer se eu nada lhe dissera a propósito! Então ele explicou que foi para a internet procurar pelo nome que está nos autocolantes da moto e descobriu o meu blogue “Passeando pela vida” onde estava o desenho da minha viagem.

Ora, mesmo não sabendo se eu estava na ida ou na volta, já que naquela zona a viagem cruzava sobre si própria, percebeu que eu estava muito longe de casa e que o meu pneu da frente não aguentaria de qualquer maneira, trazer-me em segurança até cá, por isso o melhor era mudar o pneu ali, pondo o par do que me estava a pôr atrás, e eu não teria mais com que me preocupar até casa!

E deixaram-me estar junto da moto e ver tudo o que faziam. pude ver os estragos do furo de perto..

E ver, por dentro, o remendo que o outro senhor fizera. injetara uma matéria tipo borracha que soldara o furo provisoriamente.

Aqueles escoceses são mesmo como nós, gente simpática que sabe conversar e argumentar. Fez-me um preço de amigo e pôs-me o par de pneus Michelin, um pneu novo que ele diz ser especialmente bom para chuva e inverno, e que eles usam muito por lá por causa do clima…

A verdade é que o piso dos pneus é muito diferente do que estou habituada com os Bridgestone!

280£ e não se fala mais disso!

Toca a pôr o pneu da frente, porque o outro estava mesmo bastante gasto e eu sabia que teria de o trocar algures mais dia, menos dia, por isso fi-lo ali mesmo e pronto!

E o pneu da frente ainda tem um piso mais curioso que o de trás!

Uma voltinha para ver se está tudo bem e a minha bonequinha estava pronta para enfrentar o mundo… se não encontrasse outro parafuso mafioso pelo chão, claro!

Se a cada vez que eu for à Escócia eu for tomar um chá a uma oficina Honda nova, o melhor é eu pensar em não ir lá muito frequentemente!

Despedi-me antes que começasse a querer comprar bugigangas pela loja e fui embora.

Uma belíssima bosta de tempo esperava-me para me acompanhar até Glasgow!

Não segui imediatamente para Glasgow, quando estou longe e vou a uma oficina com a moto, nunca parto a correr dali para longe, pode alguma coisa não estar bem com ela e eu quero estar perto para poder voltar à oficina se for necessário. Por isso fui dar uma volta… para o cemitério da terra!

Ok, eu sei que normalmente as pessoas não passeiam em cemitérios, mas eu gosto! E por lá parece que toda a gente gosta de passear em cemitérios também, por isso até me enquadro na mentalidade deles!

E uma coisa que me chamou a atenção e me fez entrar foi o cemitério dos bebés!

Eu sempre acho que a morte não é coisa de criança ou bebé, por isso sempre achei os cemitérios “normais” muito “pesados” para uma criança pequena! E ali eles têm um jardim todo enfeitado para as criancinhas, como se elas pudessem querer brincar a qualquer momento e nada lhes faltasse.

O ambiente enterneceu-me e foi isso que me fez ir ver de perto! Muito bonito…

E como por aquele país se passeia pelo cemitério como por um jardim, pode-se também conduzir por ele e foi o que eu fiz!

Lá estavam as cruzes celtas, aqui e ali. E o ambiente era muito bonito para se passear mesmo!

Ainda bem que se podia andar por ali de moto, porque aquilo era mesmo muito grande para se visitar a pé!

Finalmente lá segui para Glasgow, quando me certificara já de que tudo estava bem com a minha motita!

A Glasgow Cathedral é uma construção impressionante que eu não tinha visitado da última vez que estive na cidade e, infelizmente, desta vez encontrei-a fechada! Pousei a moto num canto e fui explorar a zona, já que a igreja estava fora de questão!

O edifício é lindo, é gótico e é a única catedral que sobreviveu ilesa à reforma religiosa escocesa. Foi construída no séc. XII, dedicada a Saint Mungo, e hoje não é católica.

Por trás, depois de atravessarmos uma ponte pedonal, fica a Glasgow Necropolis, que se estende por uma grande colina em construções extraordinárias que fazem dela muito mais que um mero cemitério.

E sim, fui visitar mais um cemitério! 😀

Aquilo é um verdadeiro jardim de esculturas imponentes e impressionantes!

E juntei mais duas ou três cruzes celtas à minha já extensa coleção… tão lindas!

Um jardim vitoriano que é um memorial aos patriarcas e comerciantes da cidade e que contém os restos dos grandes nomes da época. Hoje é um dos cemitérios mais importantes da Europa e é, por isso, uma grande atração para os visitantes do Reino Unido!

Com o tempo escuro e chuvoso a visita ao local tornou-se muito mais inspiradora e as perspetivas da cidade e da catedral eram espantosas, para quem olhava lá de cima. Inspirador!

E foi o fim de um dia esgotante, fui-me enfiar no bar do hostel a comer e a beber porque estes dias em que nada se faz para além de apanhar chuva e resolver problemas, esgotam um viajante!

E foi o fim do 15º dia de viagem…

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