25. Passeando por caminhos Celtas – descendo a Escócia…

17 de agosto de 2014

Um regresso é sempre triste para mim e, naquele momento, eu sentia que começava o meu regresso! Talvez porque estava no ponto mais a norte da minha viagem e a partir dali tudo seria descida até casa… embora estivesse ainda a 14 dias do fim da minha viagem!

Tudo o que eu esperava era que houvesse um pouco de tempo seco para que as minhas memórias da descida das Highlands fizessem justiça ao meu caminho…

Eu planeara fazer outros percursos, diferentes do que fizera na subida, mas o tempo incerto mudaria os meus planos e eu redesenhei o meu percurso de acordo com o sítio onde as nuvens e o mau tempo estavam, o que acabou por dar um refazer a mesma estrada do dia anterior. Isso não me entristeceu minimamente, já que o caminho da costa é encantador e ver a paisagem de outro ângulo, enquanto conduzia, deslumbrar-me-ia de novo!

E o tempo estava bastante ruim em Thurso. A minha motita dormira no quintal dos vizinhos e estava bem molhada. Aproveitei ela ter estado de molho toda a noite para lhe limpar o lixo!

A cidade tem os seus encantos mas o mau tempo nem permitia aprecia-los devidamente. Passeei um pouco junto ao mar tentando entender se o tempo mudaria ou não!

Não havia vivalma nas ruas, o que tornava tudo mais triste ainda. Puxei do telemóvel e só então entendi que era domingo… eu nunca sei a quantas ando quando ando em viagem! Bolas! Claro que estava tudo desoladamente só, com aquela bosta de tempo e sendo domingo!

Como não havia (quase) ninguém pelas ruas da cidade aproveitei para me meter por recantos, subir passeios e quase entrar nos quintais das pessoas, para ver o que havia sem descer da moto, Esse “quase ninguém” é para os senhores que caminhavam, todos encasacados, e pararam meio aparvalhados a olhar para mim, a fazer malabarismos com a moto pela beirinha dos passeios e a passar entre o muro do cais e os mecos das amarras, onde a minha motita parecia grande demais para passar.

“You’re a sweet crazy girl, you know?!” disse um deles è minha passagem

“You’re not supposed to be there looking at me!” respondi-lhe eu! ahahahah

Se há dias em que me apetece conduzir, arriscar um pouco, procurar caminhos inusuais, aquele era um deles, mesmo o tempo não estando a ajudar muito! Por isso meti-me por ruelas que nem eu sabia onde ia dar, mas que prometiam perspectivas diferentes do meu caminho.

Pássaros, muitos pássaros, pareciam corvos (eu adoro corvos) levantavam voo à minha aproximação e voavam perto de mim! Sentia-me no meio de um filme de Hitchcock.

Caminhos que me levavam pelo meio dos campos de cultivo e de pasto, sem ninguém para além de pássaros!

Torre de Harold, construída no séc XVIII, fica ali, no meio de lado nenhum, campos a toda a volta, visível a longas distâncias porque está numa elevação com o mar abaixo. É um mausoléu, embora digam que os corpos não estão lá dentro.

Mais uma curva e não havia mais alcatrão, apenas terra batida e o caminho que desaparecia. Pousei a moto e fui se dava para seguir.

Fui seguindo na direcção de John o’Groats, já que tinha de apanhar chuva, que fosse pelo caminho mais bonito, já que pelo interior a coisa estava negra!

Eu sempre fico impressionada com os enquadramentos que os cemitérios por aquelas bandas permitem, com o mar ao fundo! Continuava o meu trabalho de rato de cemitério a catar tumbas em Canisbay.

Jon o’Groats estava só mas com boa visibilidade…

Até desatar a chover e eu nem conseguir mais fotografar decentemente! Apareceu um perdido, como eu, um suíço muito bem-disposto que reclamava para os céus “Eh toi lá haut, arrête cette pluie je ne sais pas si je pourrais revenir ici!”

Fartei.me de rir com ele “deixe lá, é mais um motivo para cá voltar!

Ele ficou por lá na esperança que o tempo melhorasse, mas acho que não iria ter grande sorte, a considerar pelo céu pesado que se instalou. Eu despedi-me do local e vim embora…

E comecei a descida, com uma plateia que ficava muito espantada a olhar para mim, cada vez que eu parava para dar uma olhada na encosta!

Era só eu parar e a multidão parava de comer e olhava toda para mim! Que sensação!

O tempo realmente melhorava à medida que eu ia descendo, o que era fantástico pois ia-me permitindo ver e registar.

E o tempo incerto permitia cenários verdadeiramente extraordinários, que um dia de sol nunca permitiria!

Deslumbrei-me a cada quilómetro!

Aquele mar parecia de prata a cada vez que as nuvens se tornavam um pouco menos espessas e deixavam a claridade passar!

Castelinhos, torres e casa senhoriais… um conto de fadas!

As pingas de chuva faziam estragos nas minhas fotos, mas a paisagem valia o risco…

Então vi um castelo!

“Ao longe vê-se mais uma torre, procuro o caminho até ela, não é evidente, porque parece que é acessível por várias ruelas que aparecem no entretanto, mas nenhuma delas se aproxima. Na realidade não há uma rua até lá, há um caminho privado, dentro de portões, dentro da propriedade. Não sei o que fazer, não há ninguém por perto e o portão está aberto para uma longa alameda… Da rua não se vê o castelo, por isso decido armar-me em turista inconsciente e entrar com a moto por ali dentro. A teoria é sempre a mesma, se me puserem fora eu vou, mas levo comigo tudo o que consegui ver! E ninguém me pôs fora, ninguém apareceu, e eu passeei com a moto pela propriedade sem qualquer impedimento. O castelo é chamado de torre, the Ackergill Tower, pode ter sido construído antes mas só aparece mencionado no séc. XVI, e tem uma lenda que conta que o seu primeiro proprietário raptou uma belíssima rapariga que, para escapar dos seus avanços, caiu do topo da torre, desde então diz-se que o seu fantasma ainda é visto de vez em quando. Se é assim, não parece assustar muita gente, pois o castelo é hoje um local de realização de eventos e não consta que noivos ou convivas temam a intromissão da rapariga nas suas festividades!”

(in “Passeando pela vida” – a página)

Lá estava ele!

Quando se fala de um sítio, de uma cidade, de um país, há sempre uma imagem que me vem à memória e, quando se fala de Escócia, essa imagem é sempre de um castelo. Um qualquer, mesmo inexistente, mesmo construído pelo meu imaginário. Este, que eu nunca vira, é tão parecido com tantos castelos que já desenhei na minha cabeça ao pensar naquele país…

Senti-me no meio de um cenário de filme! A atmosfera junto de uma construção daquelas sempre me fascina!

Claro que não pude deixar de captar a minha bonequinha naquele ambiente!

E eu sabia que o meu crédito de tempo aceitável estava a chegar ao fim, as nuvens eram negras por todo o lado! Tinha de aproveitar enquanto aquele céu todo não começasse a cair-me em cima!

Parei um pouco em Wick, tinha de comer qualquer coisa…

“A minha descida pelas Highlands foi linda e cheia de nostalgia. Cenários grandiosos de céus e mar deslumbrantes me fizeram companhia, com a terra no meio a servir-me de suporte paradisíaco. Quanto tempo demorei eu a percorrer aqueles caminhos? Todo o tempo do mundo até a chuva tomar conta de tudo… Quantas vezes voltarei eu àquele país? Seguramente algumas mais, assim a vida mo permita, porque há sentimentos e sensações que precisam de ser revividos e alimentados ou definharão quem os sente!”

(in “Passeando pela vida” – a página)

Então vi-as!

Um pasto cheio delas!

Lindas, fofinhas, simpáticas!

Parei de repente, larguei da moto e fui vê-las de perto!

Não resisti, saltei a cerca e fui mais perto!

São umas queridas! Apetecia mesmo trazer uma para casa comigo!

E as filhotas? Pareciam grandes cachorrinhos!

E uma fotografia de família para terminar!

Estava a aproximar-me de Invernes e o Dunrobin Castle a aparecer de novo, por cima das árvores na berma da estrada!

E foi quando o temporal foi tanto que eu tive de parar e guardar a máquina fotográfica. E ainda bem que o fiz… porque foi o verdadeiro dilúvio, à medida que me aproximava do Cairngorms National Park, onde eu iria pernoitar, junto ao Loch Morlich … já imaginando que nada veria da região que é tão linda…

E assim foi!

Uma luta renhida com o temporal, sem vontade de parar em lado nenhum. O nevoeiro era cerrado e até ao chão, nada se via para além de uns 4 ou 5 metros à frente da moto. Carros, camiões e autocarros enchiam o pouco espaço de visibilidade na minha frente de spray sujo de terra, que dificultava ainda mais a minha condução. E paravam, e abrandavam, que o tempo não estava para brincadeiras! E eu que tinha de fazer o percurso a mais velocidade por causa do vento que me abanava, lá ia ultrapassando uns e outros, ao som da minha música aconchegante, que me fazia sentir agasalhada e protegida, dentro do meu fato de chuva que nada deixava entrar…

Quando cheguei à pousada fui recebida por gente muito simpática que me indicou um “drying room” onde pude pôr toda a minha roupa a secar, capacete e tudo! Fantástico!

Ter um “drying room” queria dizer que eles tinham muita chuva por ali? Sim, sempre, quase todos os dias, verão e inverno! Que fixe, queria dizer também que haveria pouca esperança de, no dia seguinte, ver o que quer que fosse então! Pois, seguramente, a meteorologia já andava a dizer que a chuva estaria por lá mais uma semana, nada de novo, é sempre assim!

Merda!

Amuei e fui-me meter numa ponta da sala de jantar, que parecia um aquário ao contrário, vidro com a água do lado de fora…

E foi um serão muito giro e agradável com longas conversas, cerveja da terra e muitos desenhos de interior, do tipo que não costumo fazer nas minhas viagens, mas que ali me fizeram bastante companhia. Às vezes é assim, quando não há mais nada para fazer, desenha-se…

E foi o fim do 20º dia de viagem.

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2 thoughts on “25. Passeando por caminhos Celtas – descendo a Escócia…

  1. Gracinda!
    Dizem que ler é viajar sem sair do lugar. Ler o seu blog é mais que isso, é mexer com os sentimentos, os mais puros e nobres, é sentir a brisa, a chuva, o sol, o abraço de um amanhecer ou anoitecer de cada caminho por onde você passa.

    Obrigada por me proporcionar tamanha felicidade!

    Que os seus caminhos sejam abençoados sempre e, creia, sempre há alguém torcendo por você!

    • Há quem diga que a beleza não está só no que vemos, está também na forma como vemos!

      No seu caso está também na forma como escreve e descreve!

      Obrigada Marina pelas suas inspiradoras palavras! ❤

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