38. Passeando por caminhos Celtas – Normandia… as praias do desembarque 70 anos depois…

28 de agosto de 2014

O dia seguinte foi como uma oração!

Não importava se eu já tinha estado na Normandia, se já tinha visitado uma ou outra praia do desembarque, nada importava, apenas importava voltar lá e fazer todo o percurso como uma via-sacra, um caminho sagrado.

O aspeto do que eu queria ver era simples, famoso e cheio de indicações…

Mas algumas voltas que eu daria seriam bem mais complexas, cheias de caminhos incógnitos ou esquecidos e sem quaisquer indicações, muitas das vezes, para além dos vestígios ainda hoje visíveis, de tudo o que por ali se passou!

Desenhei o meu próprio caminho e fui seguindo…

Não me importava que sequencia fazer, que museus visitar, que rituais seguir, apenas me importava ver e sentir cada pedaço de caminho que eu fizesse, cada ponto que eu alcançasse!

Não quero fazer uma lição de história, porque essa toda a gente a sabe, ou pode saber, basta ir até ao Google e pesquisar um pouco, não muito, que tudo surgirá em catadupa.

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O meu pequeno apartamento em Pipriac tinha este aspeto:

Ali tracei o meu destino daquele dia, com a senhora da casa muito preocupada porque eu iria para muito longe com a moto e ameaçava chover!

“Oh minha senhora, não se preocupe que à chuva estou eu bem habituada! Só é pena pois não dá jeito para fotografar ou desenhar!”

“Vai para tão longe não terá tempo para fotografar, desenhar e voltar hoje ainda!” – insistia ela

“Tenho sim, tempo para isso e muito mais, confie em mim!”

E é claro que tive!

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As memórias estão marcadas pelo caminho nas mais variadas formas…

“ As guerras não fazem os grandes homens, mas revelam a grandeza dos homens justos.”

Escultura dedicada a “Todos os abriram o caminho da liberdade no dia D”

O tempo estava bem melhor do que ela ou eu pensamos e a ameaça de chuva apenas trouxe mais encanto e mistério ao meu percurso com nuvens inspiradoras sobre o mar impressionante!

E as praias do desembarque estavam deslumbrantes…

Utah, era uma das praias que eu não tinha visitado ainda e pude caminhar pelas suas areias, levar a moto quase até elas!

Anda-se por ali e, tal como as placas anunciam, aquilo é um museu a céu aberto! Os vestígios do “Mur de L’Atlantique” são tantos, com as baterias bem visíveis, na borda das praias, nas bermas das estradas ou mesmo em plena água…

Como se pode pensar em guerra, morte e destruição quando se tem uma visão tão privilegiada sobre o mar?

E a rua segue junto ao mar, placidamente como se nada se tivesse passado ali, até voltarmos a cruzar com mais um Ponto Fortificado, como aparecem referenciados… por todo o lado!

“O seu sacrifício, a nossa liberdade”

Havia gente muito surpreendida com a minha moto! Fizemos amizade e descobrimos que eles vinham de onde eu vinha, da Irlanda, apenas eles eram mesmo de lá e tinham chegado de ferry, enquanto eu vinha de dar uma volta bem maior!

Logo ali fica Sainte-Mère-Église.

Havia por lá uma série de motards! E havia festa também. Eu preferi ir ver primeiro as coisas sérias.
Eles tinham ar de quem estava a beber há um bom bocado e eu não me podia render a essas tentações, ou a policia que também andava por ali, não me deixaria partir depois!

Sainte-Mère-Église ficava no meio de toda a batalha e por isso ficou conhecida por ser a primeira cidade a ser libertada, para além da célebre história do para-quedista que ficou pendurado na torre a igreja, quando o seu para-quedas se engatou nas saliências de pedra da torre!

O John Steele, era o homem, fez-se de morto e ficou ali em cima por muito tempo, até virem socorre-lo. Foi capturado pelos alemães, mas acabou por se libertar e ficar para contar a história!

Hoje está um boneco lá em cima, pendurado pelo para-quedas a lembrar o momento!

Claro que fui ver a famosa igreja por dentro!

Na rua, junto do sitio onde pousamos as motos, havia uma exposição de fotografia que assinalava cada ano desde 1944 até 2014 em 70 fotos marcantes!

Claro que me dei ao cuidado de as captar todas, uma a uma, para mais tarde relembrar qual retratou cada ano…

A minha bonequinha fez mais amizade com as motos dos irlandeses do que eu com eles!

Eles estavam todos ao monte a comer e a beber, numa esplanada. Eu apenas os cumprimentei e a festa era tão ruidosa, que eu nen me aproximei muito, fui direta a uma tenda que vendia salsichas gigantescas grelhadas na brasa e deliciei-me sem quebrar o sentimento de introspeção que vinha vivendo e queria continuar a viver! Sorry guys!

E então voltei ao Cemitério e Memorial Americano em Omaha Beach…

É daqueles sítios que me puxam para visitar a cada vez que passo perto e naquele dia fazia ainda mais sentido…

Havia muita gente por lá e o silêncio era surpreendentemente absoluto…

… como quem entra numa catedral onde se vela um corpo… ali velavam-se cerca de 10.000 corpos…

Acho que se “ouve” o silêncio até nas fotos…

O efeito das cruzes é tão forte que é impossível ficar indiferente!

“E eu voltei lá de novo este ano!
Eu tinha de voltar! Simplesmente eu não podia passar perto sem voltar…
E cada vez que eu volto a um sítio levo na mente e no coração o que me fez falta ver em visitas passadas, então eu entrei no espaço e fui andando, sem ligar ao que toda a gente liga, sem ver o que toda a gente vê, até às cruzes, as infinitas cruzes… e fiquei ali, como quem acorda de repente, apenas olhando em redor. Quanta beleza, quanta dor, quanta história anónima, particular e incógnita, quanta vida ali perdida… Sentei-me entre todas as cruzes e fiquei, apenas fiquei, o tempo que o meu coração me pediu que ficasse…”

(in Passeando pela vida – a página)

Tive de me forçar a sair dali, eu não iria passar o resto do dia a passear pelo meio de um mar de cruzes de mármore!

Pertinho fica a Omaha beach…
As praias tomaram os nomes de código no dia do desembarque e permaneceram até hoje, como homenagem ao mar de homens que ali lutou ou morreu.

“Les Braves, o memorial de guerra na areia de Omaha Beach, uma escultura cheia de significado que resiste às marés desde 2004, quando o dia D, o desembarque na Normandia, comemorava 60 anos. Ali se lembram os americanos caídos em batalha em 3 conjuntos de curvas e colunas em aço inoxidável: as asas da esperança, a elevação da liberdade e as asas da fraternidade. Um monumento que foi criado para ser efémero e se tornou definitivo, como tantas vezes foi acontecendo na história das cidades e dos eventos, como o Atomium em Bruxelas ou a Torre Eiffel em Paris…
Fui vê-lo de novo, o mar estava calmo e baixo, por isso passeava-se na areia, pessoas em cadeiras de rodas visitavam o local, tinham ar de combatentes ou familiares. O ambiente que se vivia era ainda de comemoração dos 70 anos do dia D, fotos lembravam-no em diversos pontos na entrada da praia. Como quem visita um cemitério, o ambiente era palpavelmente grave…”

(in Passeando pela vida – a página)

E havia pessoas que visitavam os locais como eu, mas com uma dificuldade e uma ligação emocional bem mais forte que a minha! Havia gente que perdeu gente ou lutou ali na época e voltava lá, naquele dia… não consegui evitar que uma tristeza profunda se apoderasse de mim…

E eu andava e parava tantas vezes, a cada vez que algo me chamava a atenção, e por ali tudo chama a atenção! Tanto vestígio do passado, tantas exposições de fotos, tantos memoriais, tantas coisas que foram deixadas para trás no tempo da guerra e que estão onde ficaram e onde pertencem….

Na bateria de Longes fui recebida com tanta simpatia, como se achassem que eu os honrava coma minha visita…

tanta gente por ali e tanto silêncio…

As praias estão cheias de restos do passado, podem-se ver até no mar…

A Juno beach foi a mais difícil de encontrar, porque não está bem sinalizada como as outras. Na realidade ela, e todas as praias, estendem-se seguidas umas às outras desde Utah até Sword, e a Juno por vezes sem areia, sem memorial algum….

Mas o mar acusa-a facilmente, cheio de blocos de cimento que pertenceram ao Muro do Atlântico…

E depois de muitos quilómetros, muitas voltas, os últimos memoriais…

“No dia D, na manhã do dia 6 de Junho de 1944, no sector de “Sword beach”, como sempre fizeram os escoceses por muitas gerações, o general da brigada Lord Lovat, chefe da 1ª Brigada Especial em Serviço, mas também chefe do Clan das Highlands, ordenou ao seu tocador pessoal, Bill Millin, que tocasse a sua gaita de foles, enquanto os seus comandos desembarcavam. Por trás do tumulto da batalha, o som da música anunciava a libertação, com o “pipper” abrindo o caminho. Naquele dia os dois se tornaram lendas!”

E a França rende-lhes homenagem com uma escultura inspiradora!

E o fim do percurso tinha de ser em Caen, junto do seu memorial e museu…

Ali se encontram tantas coisas em memória daqueles dias e enaltecendo a paz… ali se encontra também uma das reproduções de autor da celebre pistola com um nó no cano, “No violence”

E fui para casa, com um céu a ameaçar cair-me em cima, para completar o quadro triste que fui construindo ao longo do dia…

Mas em Pirpriac estava um belo pôr-do-sol que me alegrou o serão!

A dona da casa tinha estado todo o dia a fazer chouriças e recebeu-me com animação, mostrando-me a obra num forno que ela tinha no quintal! Curiosa a facilidade com que por ali se fazem estas coisas, mesmo vivendo numa cidade!

Quando subi até casa só queria estar com alguém!

É nestes momentos que o Facebook me faz tanta companhia! Havia muita gente conhecida on-line que me aconchegou o coração, celebramos on-line e tudo, com um copo de vinho, eu lá e os meus ciber-amigos cá!

E foi o fim do 31 dia de viagem! “Amanhã” eu desceria todo o país até ao norte de Espanha, onde fica a zona mais celta da Península Ibérica: as Astúrias e os Picos da Europa!

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2 thoughts on “38. Passeando por caminhos Celtas – Normandia… as praias do desembarque 70 anos depois…

  1. Olá Gracinda, para a semana vou visitar a Bretanha e a Normandia. Numa busca por experiências nessas regiões, tive a felicidade de encontrar os seus “passeios pela vida” e estou simplesmente encantada ( e até um pouco emocionada com as descrições e os sentimentos de releva nas descrições que faz das praias)! Muito obrigada por partilhar as suas viagens.

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