20 de agosto de 2017
Aquele seria o dia mais difícil de toda a viagem e as minhas escolhas, embora me tivessem proporcionado momentos muito bonitos, fizeram-me sofrer um bocado mais. Eu estava numa zona tão bonita e o tempo não estava a ajudar nada, mas isso não me impediria de tentar ver um pouco mais, seguir lentamente, olhar em volta.
Da varanda do hostel tinha uma perspetiva fantástica sobre o braço de água, como um lago, que eu percorrera no dia anterior.
O pequeno almoço era muito inspirador, aquele é sempre o momento de reforçar a energia para seguir as explorações do dia.
E naquele dia, pelo percurso e mau tempo que me esperava, seguramente que eu precisaria de toda a energia que pudesse acumular para percorrer a distancia que me levaria ao topo da Noruega!
Logo ali, pertinho do hostel, ficava o cais de embarque para atravessar direto para o outro lado. Fiquei a olhar e a pensar se devia apanhar o barco ou dar a volta!
Tinha acabado de partir um e demoraria um bom bocado até chegar outro. Eu podia esperar o barco seguinte, ou podia seguir por terra e percorrer mais uns 100 km do que se fosse por mar.
Claro que, apesar do mau tempo, decidi ir por terra. Eu sei que não faz muito sentido para um viajante lógico, mas eu não sou muito lógica quando se trata de explorar, mesmo à chuva!
Eu queria ver melhor como as pessoas vivem por ali, queria olhar os campos, as quintas, os pequenos portos e as imensas montanhas do outro lado.
A visibilidade não era muita, mas as perspetivas sobre o meu caminho eram fantásticas mesmo assim!
Os rios surgiam do nada, brancos como os rios perto dos glaciares na Suíça. Deduzi que eram brancos pelo mesmo motivo, o glaciar onde nasciam deveria ser ali em cima!
Tudo era tão fascinante para mim, mesmo com a visibilidade muito reduzida, e eu parava a todo o momento.
Os fiordes não eram muito visíveis, mas eram fascinantes mesmo assim!
E eu parava a todo o momento para me deslumbrar com o mistério da paisagem!
A chuva não parava e eu também não, no momento em que a minha moto marcava uma quilometragem única na sua vida! As capicuas sempre me chamam a atenção e uma filinha de 5 ficaria na minha história, certamente!
O clima de mistério em meu redor era fantástico!
Todos aqueles momentos valeram a pena e fizeram-me sentir menos culpada por ter dado uma volta desnecessária quando podia ter feito a travessia de barco!
Cada pormenor fazia valer a pena o frio e a chuva que eu estava a atravessar!
Não havia ninguém por ali, eu andaria todo o dia completamente só!
E essa solidão era fantástica, porque eu parava onde queria e quando queria sem perturbar ninguém. Era apenas eu, minha musica e o meu telemóvel, já que a maquina fotográfica seria impossível de usar com tanta chuva!
Aquelas imagens nunca irão desaparecer da minha memória!
Estar ali sozinha, em silêncio, a viver aquele momento de beleza, era a coisa mais bonita que me podia acontecer…
Eu e a minha Negrita no meio de nada…
… um nada que era um paraíso!
A todo o momento as placas avisavam o perigo da possível presença de Renas e Alces.
No momento eu ainda nem distinguia a diferença entres uns e outros. Tive de me ligar à net e investigar, percebi que os Alces eram os do desenho de cima e as Renas as do desenho de baixo. Isto é, as Renas apresentam hastes em forma de dedos encadeados, e os Alces apresentam hastes em forma de mãos, com as palmas abertas e os dedos na ponta.
E logo a seguir uma filinha de Renas atravessava placidamente a rua!
Acho que não estava preparada para as ver tão de perto, embora andasse bem atenta para as ver nos pastos em redor!
Dizem que as renas brancas são raras e que dá sorte encontrar uma! Seria um dia sorte aquele?
Então começou a hora do sofrimento!
A distância era longa, a temperatura não parava de baixar, a chuva intensificava a cada quilómetro, o nevoeiro foi baixando até se transformar numa cortina cerrada até ao chão e, quando parecia que as coisas não podiam piorar, veio o vento intenso!
E eu ia contornando as falésias a caminho de Nordkapp.
2 ou 3 carros me seguiam sem me tentarem sequer ultrapassar, como se eu os fosse a guiar. A verdade é que eu não via nada para além de uns 4 ou 5 metros na minha frente e cada curva da falésia só era visível para mim pelo desenho no ecrã do GPS, quando eu já estava perigosamente em cima dela.
Perfeito, aquele frio infernal, de uns 3 ou 4º, fazia-me contrair de tal maneira que todo o meu corpo doía e, a cada túnel que tinha de atravessar, tudo piorava porque a temperatura descia. A sensação que eu tinha era que, se tivesse uma situação de emergência, não conseguiria agir rapidamente, de tão frias e doridas que estavam as minhas mãos e braços!
E os quilómetros pareciam não evoluir, como se o meu destino se fosse afastando de mim. Eram 18.30h, nada tarde, mas parecia de noite quando o GPS murmurou ao meu ouvido “chegada ao destino à direita” e eu nem pensei mais.
Voltei à direita e parei.
Não havia forma de parar de tremer, mesmo descer da moto foi um pouco complicado. As pernas estavam rígidas da tensão em que eu vinha há tantos quilómetros, e até preencher os papeis no hostel foi difícil.
Felizmente o edifício estava bem aquecido e eu não me mexi mais. Não havia condições de voltar a sair para o frio depois de tantos quilómetros no meio dele. Eu estava em Honningsvåg, a cidade mais setentrional do mundo, a apenas uns 30 km do Cabo Norte, mas não iria lá naquele dia.
Tomei um banho quente e deitei-me naquele momento mesmo, não importava que hora fosse, eu tinha de me aquecer e parar de tremer e isso é muito mais fácil dentro de lençóis, com edredões de penas e aquecimento bem forte!
Lá fora era de dia, mas amanhã também seria dia!
O desenho do meu caminho no GPS ficara registado numa foto para a posteridade!
Amanhã iria até ao topo para depois começar a descer!
É como se estivéssemos nos locais!