4 de setembro de 2022
Viajar com dor era tão desafiador e incapacitante que era admirável, até para mim, como eu conseguia encontrar formas de lidar com a situação. Felizmente eu consigo dormir com dor, fazendo uso da minha capacidade de superação e adaptabilidade, senão teriam sido dias de sofrimento e noites de insónia!
Lembro-me de sonhar que me estavam a esmagar o braço de formas sempre aterrorizantes, a cada noite com instrumentos diferentes, como em filmes de terror sucessivos!
A vantagem é que, ao acordar tudo parecia muito melhor, menos assustador e menos doloroso do que nos sonhos, e eu via-me cheia de alegria porque apesar de tudo o sofrimento real era menor e menos assustador que o sonhado!
Uma boa forma de encarar cada novo dia!
De manhã não estava calor nenhum.
Felizmente a minha casinha era quentinha e confortável, mas a gente abre a porta do quarto e está no quintal e isso é estranho! É quase como dormir numa tenda, só que com mais conforto e sem ter trabalho a montar a casa ou de gatinhar para a cama!
O parque de campismo está situado num sitio deslumbrante, na borda do Canyon Tara e está preparado para receber gente que quer aproveitar o rio Tara e toda uma série de desportos radicais aquáticos.
Na realidade o Camp Kljajevića Luka disponibiliza uma série de atividades aquáticas de aventura, como fazer rafting ou navegar de caiaque pelos rápidos do rio Tara.
Qualquer atividade radical estava fora do meu alcance, mesmo que eu tenha pensado inicialmente na hipótese de experimentar alguma.
Mas a reformulação dos planos inicias da viagem fez com que eu apenas pudesse ficar ali por uma noite pois, além de não ter tanto tempo como desejaria, eu já sabia que não iria ter condições físicas para me aventurar…
Uma pena… pode ser que eu volte a passar por lá um dia.
No momento só me podia permitir passear em redor e apreciar os encantos do lugar.
Para mim a grande vantagem do parque, que eu podia aproveitar à vontade, era o simpático restaurante. No dia anterior fiquei lá até às tantas a comer e a beber e hoje iria lá tomar um belo pequeno almoço.
Depois de toda a chuva que eu apanhara, durante todo o dia de ontem o meu telemóvel não se deixava carregar, soltando um apito forte cada vez que o tentava ligar a uma tomada ou à power-banc. Nunca me tinha acontecido tal, até porque dizem que ele é à prova de água! Mas ele continuava a dizer que tinha humidade no sistema, pedia para o secassem com um secador (eu nem sabia que ele sabia escrever a pedir tal coisa!) e gritava!
Por isso passei o dia todo usando a bateria restante até ao limite. Cheguei ao parque muito preocupada pois, se não conseguisse carrega-lo, não teria bateria para continuar a fotografar hoje!
Por entre gestos e sinais pedi à menina do restaurante que me arranjasse algo para o secar, ela não falava inglês e não entendia por muito que me explicasse. Então liguei-o à corrente e, assim que ouviu o apito desesperado do telemóvel, ela pareceu entender, embora não conseguisse ler a mensagem que ele mostrava no visor. Voltou-me as costas e foi para a cozinha… Fiquei à espera a ver o que ela iria trazer-me, na cozinha seguramente não havia um secador de cabelo!
Então ela apareceu com um prato fundo cheio de arroz e enfiou o meu telemóvel lá dentro! Extraordinário, há coisas que são mesmo universais, heim?
Não demorou nem uma hora e ele deixou-se ligar à corrente em silêncio!
Então foi como se se tivesse criado uma conexão entre a miúda e eu e a partir dali foi um serão fantástico, com jantar caprichado e oferta de licores da região e tudo!
E pronto, já que não podia fazer atividades físicas exigentes, podia, pelo menos, encher-me de comida em paz!
E por falar em encher-me de comida, era mesmo isso que eu estava a precisar pois já parecera que perdera alguns quilos…
Oh, e que bem sabia o gelo no meu pulso!
Era como se ele estivesse sempre febril e o gelo o acalmasse. Pessoas olhavam como curiosidade para o meuconjunto azul, não havia forma de esconder o que estava a fazer, por isso pousei tudo em cima da mesa.
“Bom dia mundo! Não gosto que me vejam comer ao pequeno almoço, a minha mão está tão presa que nem consigo pegar direito no garfo! As pessoas ficam atónitas, como vou seguir conduzindo a minha moto com uma mão que não funciona direito? Sem problema, ao longo da manhã ela vai acordando para a vida, até ficar quase como nova” in Facebook
De repente ouviram-se berros lá dentro, um homem ralhava com alguém, depois varias vozes ralharam também! Não podia entender o que diziam, mas era claro que estavam a enxotar um miúdo, pensei eu.
Mas quem saiu não foi um miúdo humano, foi um bichinho! A principio pensei que era um cão, mas ao olhar melhor deu para perceber que não! O pobre pequeno, meio desamparado, veio encostar-se a mim. Mas quem correu com ele veio tira-lo de mim.
Só então puder ver melhor que carinha tinha. Seria da família das cabras? Dos cervos? Veados? O que és tu fofinho?
O bichinho estava tão desamparado que apeteceu-me pegar-lhe ao colo!
Vendo-me olhar para ele com pena os homens explicaram que ele era um chato, que fuçava em todos os cantos, se metia debaixo das pernas das pessoas e, se não o impedissem, ia tentar meter-se dentro dos armários ou da despensa!
Tirei-lhe uma foto para pesquisar no Google Lens e descobri que era um Rupicapra bebé, também conhecido como camurça.
Dizem que são animais adoráveis, de pelagem macia, muito ágeis nas montanhas e com uma natureza brincalhona. Podem ser encontrados nas altas montanhas, desde os Pirinéus e Alpes até aos Balcãs.
Foi preciso ir tão longe para eu o ver, já que eles não se deixam observar facilmente de perto na vida selvagem. E ali estava um, que tinha de ser enxotado para não se meter no meio das pernas das pessoas, nem entrar pelas casas dentro!
Tão fofinho!
E pronto, estava na hora de me pôr a andar.
As paisagens em redor do parque de campismo mereciam algumas pausas, fotos e desenhos, o tempo necessário para ginasticar a minha mão até ela recuperar um pouco mais de mobilidade, para eu poder aproveitar depois as estradas cheias de curvas que viriam a seguir.
Junto à ponte, no início da rua do parque, há uma placa muito simpática!
E, do meio da ponte, pode-se ver o parque ao longe, numa clareira na borda do precipício do Canyon. Àquela distancia parece tão pequeno que o assinalei com uma setinha vermelha. 😀
Que sitio privilegiado para se montar um parque de campismo! Seguramente que um dia irei voltar a hospedar-me ali!
A ponte é como uma varanda sobre o paraíso!
A Ponte Đurđevića Tara é um marco importante na história do país e da ex-Jugoslávia e esse foi um dos motivos que me fez reservar dormida junto a ela.
Foi erguida entre 1937 e 1940, em tempos do Reino da Iugoslávia e supervisionada por Belgrado. Atravessa Canyon Tara e fica 172 metros acima do rio. Quando foi concluída tornou-se a maior ponte rodoviária em cimento da Europa.
Estava-se em plena II Guerra Mundial e, com a invasão liderada pelos alemães em 1941, grande parte de Montenegro, incluindo o Canyon Tara, foi ocupada pelos italianos. O terreno montanhoso da zona favoreceu a guerra de guerrilha e, durante uma ofensiva italiana, os jugoslavos destruíram de forma cirúrgica um dos arcos próximos à margem, com o auxílio do engenheiro da ponte, Lazar Jaukovic, inutilizando a única passagem sobre o Canyon para impedir o avanço italiano. No entanto os italianos acabaram por tomar conta de tudo e, quando capturaram o engenheiro, executaram-no em cima da ponte…
Provavelmente um dia alguém contará esta história com um “Reza a lenda…” pois a verdade é que a história está ligada à ponte, como as lendas estão ligadas a castelos, mosteiros e aldeias…
A ponte acabou por ser reconstruída em 1946.
Mas como eu não sou arquiteta nem engenheira, para além da ponte, foi a paisagem me trouxe aqui!
O rio Tara e as montanhas em redor são tão extraordinários, que todo o tempo que passei a contemplar e a espreitar, foi pouco. Quando inicialmente decidi pernoitar junto ao Canyon, eu tinha em mente ir lá abaixo de moto, por um caminho que leva a uma igreja, e de lá poderia apreciar a ponte ao longe e tal…
Mas na hora de descer não tive coragem… ainda desci um pouco, mas o caminho era longo, íngreme e em terra batida…
A minha mão, meio inutilizada, e o trauma da queda que quebrara meu pulso, não me permitiram arriscar…
Quanto tempo iria demorar até o trauma passar?
Eu sou de choramingar pelo perdi e sim de aproveitar ao máximo o que tenho, por isso segui curtindo tudo o que podia, porque as estradas eram inspiradoras e cheias de curvas.
Montenegro é um país deslumbrante com estradas cénicas, montanhas imponentes e vales verdes, sempre com rios cristalinos a passar-lhes pelo meio. São paisagens que me enchem as medidas e facilmente prendem por completo a minha atenção. Desde a primeira vez que explorei este pequeno recanto dos Balcãs que me encantei e sempre que volto me encanto de novo!
As paisagens deslumbrantes, a rica cultura e a hospitalidade calorosa dos montenegrinos tornam cada visita uma experiência única e memorável. É como se, a cada regresso, eu reencontrasse um pouco de mim que deixei para trás quando cá passei de outras vezes!
Então passei por um grupo de motociclistas que me cumprimentaram vivamente, mas, mais à frente, quando parei para tomar um café e eles chegaram, não reagiram! Pousaram as motos e ficaram no seu canto. Muitas vezes me acontece isso e não sei porquê! Como se não se sentissem mais confortáveis em falar-me como quando me cumprimentam de moto para moto! Será que se sentem incomodados junto de mim? Será que intimido outros motards?
Aproveitei o café e continuei desfrutando a minha pausa, com aqueles homens a olhar para mim de longe!
Não faz mal, se ninguém me liga eu também não ligo a minguem e pronto!
Havia tanta paisagem fantástica para ver que isso nem era um problema, muito menos algo importante que me preocupasse. Até porque quando a beleza é realmente grande, o silêncio é a melhor companhia!
E lá estava o Slano jezero, lindo!
Nos arredores de Nikšić, há três lagos artificiais, incluindo o Lago Slano (Slano jezero), criado para suprir as necessidades da central hidroelétrica de Perućica. Nem parece uma estrutura artificial, com uma barragem em uma das extremidades! O lago é encantador, com uma beleza selvagem e natureza intocada ao redor. As águas são azuis cintilantes com varias ilhas e ilhotas pelo meio e margens verdes, que tornam o panorama quase irreal!
Há um miradouro, com um bar bem rustico, de onde se pode ver todo aquele panorama deslumbrante!
Claro que voltei a parar, mas não me atrevi a tomar mais um café, pois embora ele não pareça nada de especial, seguramente a cafeína me iria fazer querer correr mais do que a moto!
“Passei mais uma fronteira e foi uma experiência inédita! O polícia que conferiu meus documentos fez-me uma festa por ser uma Lady sozinha e, quando segui caminho, um motociclista croata colou-se a mim! Eu acelerei e ele também, eu reduzi e ele também. Até que parei para ver um mosteiro, ele parou também! Disse-me que era muito fixe viajar comigo, queria continuar. Nem penses homem, eu vim sozinha e quero continuar sozinha. Estava complicado descarta-lo! Então meti-me pelos quelhos da cidade e deixei-o para trás. Nunca me tinha acontecido algo assim!
” in Facebook
A seguir à fronteira estava a atravessar as montanhas de Klobuk, na Bósnia e Herzegovina.
Eu sabia que havia ali para baixo as ruinas de uma fortaleza medieval, mas não podia querer ver tudo.
Essa é uma experiência que levo comigo em cada viagem, nunca tentar ver tudo para não perder o prazer de viajar, por entre a ansiedade de correr de lado para lado.
Então limito-me a fazer o que é possível sem lamentar o que não é!
Sem sair da minha estrada, o que se via era bonito o suficiente para eu seguir feliz o meu caminho, sem sacrificar demais a minha mão marota!
E cheguei a Trebinje.
Eu já tinha passado perto, vinda de Dubrovnik a caminho de Sarajevo, mas não cheguei a explorar a cidade, apenas olhei de longe e pensei que um dia lá passaria.
E esse dia era hoje!
Trebinje é a cidade mais ao sul da Bósnia e Herzegovina, muito perto do mar Adriático e de Dubrovnik.
Na realidade, a Bósnia, apesar de ter uma extensa área próxima ao mar, possui apenas um pequeno trecho de costa. Assim, é sempre interessante seguir ao longo da costa croata, atravessar uma fronteira, percorrer apenas 21 quilômetros na Bósnia e depois cruzar outra fronteira para retornar à Croácia!
Trebinje é atravessada pelo rio Trebišnjica, que já se chamou Arion.
O rio é um fenómeno único, com muitos trajetos à superfície e subterrâneos. Corre para o Mar Adriático pelo subsolo e reaparece muitas vezes à superfície. Com uma extensão de quase 190 km, metade dele corre por baixo de terra o que o torna o rio mais longo do mundo a fazer esta habilidade.
E é em Trebinje que ele é mais bonito e corre à superfície dando umas voltas e curvas.
Resumindo, eu estava junto a uma verdadeira celebridade!
Fiz um picnic, ali ao lado, junto ao monumento a Luka Vukalovic, o herói nacional que defendeu a Herzegovina liderando os rebeldes que lutavam contra a opressão e infligiu pesadas derrotas aos otomanos em várias batalhas.
Ao andar por aqueles países tem-se mais noção de quanto lutaram todos contra o grande império Otomano!
Depois subi a colina Crkvina e as perspetivas sobre a cidade eram cada vez mais esplendidas!
No topo fica o complexo templo Hercegovačka Gračanica, dedicado à “Anunciação e Bem-Aventurada Virgem Maria”, o destino religioso mais visitado da Herzegovina Oriental.
Foi construído em 2000 para homenagear o desejo do famoso poeta Sérvio Jovan Dučić, que deixou declarado no seu testamento que queria ser enterrado nas colinas que rodeiam Trebinje.
Curioso como a história da zona se mistura com a da Sérvia e de Montenegro, afinal aquilo tudo era parte do Império Otomano, ou Turco, que durou uma infinidade de tempo, mais de 6 séculos, e só por isso a história daqueles povos mistura-se quando eram um povo só!
E eu que reparo sempre nos números não pude deixar de achar curiosa a semelhança dos anos de inicio e de fim do Império: começou e, 1299 e terminou em 1922!!!
No complexo, além da igreja, existe a torre sineira, o palácio do bispo, um anfiteatro, uma loja de souvenirs e o restaurante com esplanada que se espalha pela enconsta abaixo em degarus.
E as vistas sobre a cidade são incríveis com a Ponte Otomanda de Arslanagić sobre o rio Trebišnjica, lá em baixo.
A ponte que foi movida, pedra por pedra nos anos 60, por vários quilómetros por causa da construção de uma barragem.
É fascinante ver de perto um pedaço de história de uma cidade e de uma região!
As coisas que a minha motita testemunhou!
Logo a seguir fica o Manastir Tvrdoš, dedicado à Dormição do Santíssimo Theotokos, um local de grande importância histórica e religiosa.
Foi fundado no século IV pelo imperador romano São Constantino e sua mãe Santa Helena. Tem por isso raízes muito antigas que remontam à época do Império Romano, com vestígios que podem ser vistos pelos fundamentos da antiga igreja romana, através do vidro que cobre parte do chão da igreja.
“Estava calor, eu tinha o blusão vestido e ainda tive de pôr uma saia para entrar na propriedade! Tive eu e todos os que quiseram visitar, até os homens que estavam de calções puseram a saia para tapar as pernas. Foi giro de ver! Mas o mosteiro valeu a pena, era lindo!” in facebook
Lá andávamos todos de saia azul, mulheres e homens!
As mulheres tinham de usar a saia mesmo estando de calças compridas como eu, os homens tinham de por a saia se estivessem de calções.
Eles não podem entrar mostrando as pernas, elas não podem sequer estar de calças. É sempre assim nos mosteiros ortodoxos, aconteceu-me o mesmo há anos para visitar s mosteiros de Meteora, na Grécia.
O mosteiro é composto, não apenas de espaços religiosos, mas também por diversos espaços de habitação de arquitetura muito curiosa.
O que aqueles mosteiros têm de fascinante é a beleza dos seus espaços, que me dão a sensação de que viver ali nunca seria monótono!
A igreja cinzenta da parte de fora, é um mundo de cor e historias no interior. Totalmente preenchida por afrescos, alguns ainda fragmentos de do sec. XVI
A riqueza do interior é hipnotizante, que se olha como para um livro de historias.
As paredes adornadas com afrescos detalhados contam histórias de fé e tradição, enquanto as preciosas relíquias abrigadas falam muito sobre o passado histórico da igreja.
A relíquia mais importante do local é a mão de Santa Helena.
Para mim é sempre uma coisa estranha isto das relíquias! Parece-me tão inapropriado que alguém tenha mutilado o corpo da santa para lhe tirar um pedaço…
Varias capelinhas se sucedem numa subida ingreme, inspirando paz e reflexão necessária num local de paz e oração como um mosteiro. Um ambiente que contrasta com muitos dos mosteiros católicos mais austeros e monocromáticos!
E cada capelinha que se revela durante a subida é diferente e cheia de cor e história como se vivesse por si só!
Mesmo as mais pequenas têm o seu interior impressionantemente trabalhado como se fosse a mais importante do local!
Cada uma é um lugar onde o tempo parece suspenso, permitindo que os visitantes mergulhem em uma atmosfera de serenidade e contemplação.
O mosteiro foi destruído e reconstruído por diversas vezes ao longo da sua história e boa parte da construção atual é do séc. XVI.
E no topo da subida, feita de degraus e capelinhas, fica o cemitério todo torto, cheio de desníveis, mas muito bonito!
Sim, é sabido que eu aprecio visitar cemitérios!
Além dos monges terem um espaço variado e nada monótono para passarem os seus dias de oração e reclusão, também têm terrenos para tratar e cultivar. E cuidam da sua vinha e produzem mesmo o seu próprio vinho! E ao que me pareceu, um vinho muito apreciado!
Parece que lá, como cá, se produzem nos mosteiros coisas interessantes para beber e comer!
Ao sair do mosteiro, seguida de outros visitantes, cruzei com um par de noivos seguido do fotografo. Devem ter escolhido o mosteiro para fazer algumas fotos e foi bem escolhido, com os seus recantos bonitos e nós, os visitantes, todos de longas saias azuis, faríamos uma boa pandilha de damas de honra!
Não? Não querem? Uma pena, eu não me recusaria a participar das fotos se me levassem para a boda também!
Segui em passo de passeio por paisagens encantadoras.
Eu queria ir a Blagaj há muito tempo e ia aproveitar que ainda era cedo para tentar lá chegar. Digo “tentar” porque, se os caminhos fossem uma bosta e não me sentisse confortável a conduzir por eles, seguramente desistiria.
Eu sei! Eu, que nunca me recusei a ir a algum sitio, nem que tivesse de meter a minhas rodas por cascalho, gravilha ou lama, que subi penhascos e desci barrancos, com motas inapropriadas de mais de 300kg, agora seguia já pensando em desistir se as ruas fossem apenas manhosas…
Mas é assim, faz-se o que se pode com o que se tem, sem remorsos…
Para chegar a Blagaj passei por caminhos que mais pareciam propriedades privadas, atravessei campos e localidades que nem chegavam a ser aldeias. Então lá estava o rio Buna, que é a origem do rio Neretva que atravessa a cidade de Mostar, não muito longe dali.
Não havia indicações do que eu procurava, por isso fui seguindo por ruas pavimentadas de pedras meio irregulares, guiando-me pelo curso do rio.
Quando achava que seria bom parar a moto, um homem saiu do seu jardim para me dizer que não parasse ali, que seguisse mais para a frente pois ainda estava longe e haveria lugar para a minha moto mais perto.
A mim parecia-me que já estava perto o suficiente, podia ver o grande muro formado pelo rochedo, que parecia tão perto! Mas lá segui as instruções do senhor, agradecendo a atenção.
E claro, ele tinha razão!
A rua empedrada ia dar a um caminho pedonal em cimento, que mais parecia o quintal de alguém. Dali para a frente não se circulava mais. Dois homens me chamaram para eu estacionar a moto num terreno de terra batida ali ao lado, com cabine para pagamento do parque e tudo.
Oh senhores, eu não tenho dinheiro bósnio! E agora?
Já me estava a imaginar ter de ir pôr a moto no fim do mundo e depois caminhar até la de novo…
Mas os homens mandaram-me pôr a moto ali mesmo, arrumando as cadeiras de plástico e a mesa de campismo no canto junto à cabine.
Ok, tudo bem, vou levantar dinheiro assim que possa para lhes pagar.
O ambiente surpreendeu-me, de alguma forma eu esperava que fosse um sitio cheio de turistas, mas sem nada mais do que a montanha, o rio e o tekke histórico!
Felizmente os turistas eram poucos, o que me surpreendeu!
Isto de estar a viajar já fora da época alta, tem as suas vantagens. Se eu pudesse sempre o faria ou em junho ou em setembro!
Também me surpreendeu a quantidade de restaurantes na margem direita do rio, com passagens e pontes entre eles, e as águas do rio a passarem em seu redor!
Fantástico, aquilo tudo era tão bonito e inspirador que decidi que iria jantar ali, sem nem me importar se depois seguiria viagem já de noite.
Então, depois de passar os restaurantes e seguir por um caminho invisível na encosta da margem, por trás das casas, lá estava o tekke e a nascente do rio.
O tekke histórico é um mosteiro do séc. XVI, uma construção lindíssima que combina elementos da arquitetura otomana com um estilo mediterrâneo.
O sitio por si só já é bonito, com a agua turquesa muito transparente do rio e o penhasco acima, mas as construções ainda o tornam mais surreal!
Claro que me sentei ali a olhar em redor e a desenhar.
Às vezes os turistas não são muitos, mas há os suficientes para perturbar completamente o paraíso…
Uma fulana, vestindo roupas chamativas amarelo vivo, e usando um pau de selfie com o imenso telemóvel na ponta, apareceu. E ela, sozinha, conseguia arruinar o momento, falando muito alto para o telemóvel, que devia estar a gravar as parvoíces que dizia. Nem sequer estava a falar do local ou algo relacionado a ele, apenas falava de si e de como era fantástico viajar. Certamente tretas de lives para o Insta.
Continuei a desenhar em silêncio, para não perturbar a sua algazarra. Estão aquela estupida dirigiu-se mim, mandando-me sair dali para que ela pudesse ficar sozinha a filmar!
A sério?
Oh rapariga, aproveita o que tens e em silêncio para não perturbares a minha paz, dá-te por feliz por eu nem estar na frente de paisagem nenhuma e cuida de não me captares na bosta da tua live, ou poderás ter problemas legais comigo, ok?
A mulher ficou visivelmente em choque, até esperei que me viesse com um “sabe com quem está a falar?” como acontece nos filmes, mas não, ela simplesmente afastou-se para a ponta do espaço e ouvi-a a a falar com um tom muito mais baixo para a filmagem.
Acho que o meu aspeto intimida mesmo as pessoas!
Respeitinho é bom e eu gosto!
O mosteiro Dervixe tem um grande significado como marco espiritual e histórico. A sua construção ocorreu no contexto do misticismo islâmico, com os Dervixes desempenhando um papel crucial na orientação dos indivíduos para uma compreensão mais profunda da espiritualidade através das suas práticas, dado que o mosteiro era um local de adoração e meditação comunitária.
Na realidade a sua filosofia é de pura espiritualidade, vivendo em condições de grande pobreza e austeridade.
Já agora os dervixes mais famosos são os Dervixes Rodopiantes da Turquia, que rodam sobre si por horas, com saias brancas a fazer balão.
Para minha tristeza, não há multibancos por ali, nem existe a possibilidade de fazer pagamentos com cartão nos restaurantes… ainda pensei em negociar para pagar com euros, mas decidi que não valia a pena, o melhor era seguir para Čalići e jantar por lá.
Mas agora, como iria pagar aos homens o estacionamento? Catei a carteira à procura de moedas de euro, que são sempre aceites. Mas eles não quiseram o meu dinheiro, fizeram-me uma festa de despedida com acenos e lá segui o meu caminho.
Mais tarde percebi que o pagamento do estacionamento era de 2€, foi quanto eles deixaram de receber e ainda me fizeram uma festa!
Não estava longe do meu destino para aquele dia, mas ainda subi o desfiladeiro de Žitomislići.
Às vezes tenho pena que meio nenhum consiga captar o que os meus olhos veem! Eu sei que existem muitas possibilidades, mas nunca me entusiasmei porque ficam sempre aquém do que eu vejo. E nunca me apetece perder tempo montando gadgets por isso também não o faria com outros mais sofisticados que comprasse!
A subida do monte e a perspetiva lá de cima, sobre Žitomislići e o rio Neretva era deslumbrante! Merecia umas perspetivas de drone…
Cheguei a Čalići.
Estava instalada num centro pastoral na cidade das famosas aparições bósnias. Um rapaz muita simpático veio arrumar a esplanada para que eu pusesse a moto lá dentro, protegida do temporal que ele dizia estar a aproximar-se.
A residência estava cheia de peregrinos vindos de todos os pontos do planeta. Estaria a ser servido um jantar para todos, se eu quisesse poderia jantar também.
Excelente, vamos lá jantar em grupo.
O temporal chegou com chuvas e ventos fortes, mas podiam ouvir-se grupos passarem lá fora rezando alto. A fé não se deixa intimidar por temporais.
Amanhã vou explorar a cidade e visitar o Svetište Kraljice Mira o Santuário de Nossa Senhora Rainha da Paz.








